domingo, 20 de março de 2011

Nada a ver com ciência

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 15 de março de 2011

Caros(as) colegas:
Mais uma vez, estão nos dizendo que não há realmente nenhuma diferença significativa ou qualitativa entre as plantas e os animais. No artigo No Face, but Plants Like Life Too [Sem rosto, mas as plantas também gostam da vida], Carol Kaesuk Yoon escreve que, embora ela tenha desistido de comer carne:
Minha entrada no que parecia ser o plano moral superior foi surpreendentemente desagradável. Senti que estava sendo combatida não só por um desejo bizarramente intenso de comer frango, mas também por pesadelos em que estaria comendo um magnífico filé malpassado — eu podia saborear distintamente o delicioso caldo que pingava — dos quais eu acordava em pânico, até perceber que tinha sido carnívora apenas na minha imaginação.
As tentações e os testes estavam por toda parte. O que mais me surpreendeu foi descobrir que eu realmente não podia explicar a mim mesma, nem aos outros, por que matar um animal era pior do que matar as muitas plantas que eu tinha passado a comer.
Ela descobriu que:
formular uma base verdadeiramente racional para não comer animais, pelo menos enquanto consumia outros organismos de todo tipo, era difícil, talvez até impossível.
Ela declara:
As plantas parecem não se importar com o fato de ser mortas, pelo menos conforme o que podemos notar. Mas talvez seja exatamente essa a dificuldade.
Diferente de uma vaca correndo e mugindo, as reações de uma planta a um ataque são, para nós, muito mais difíceis de detectar. Mas, exatamente como uma galinha correndo sem a cabeça, o corpo de um pé de milho arrancado do solo ou cortado em pedaços luta para se salvar, tão vigorosa e tão inutilmente quanto a galinha, mesmo se de modo muito menos óbvio ao ouvido e olho humanos.
O problema desse artigo é que ele está na seção Ciência do New York Times. Mas não há ciência no artigo.
Primeiro, ninguém duvida que as plantas são vivas e conduzem processos complicados de tudo quanto é tipo. Mas há uma diferença crucial entre as plantas e os animais.
A diferença entre o animal e a planta envolve a senciência. Isto é, os animais não humanos — ou pelo menos aqueles que exploramos rotineiramente — são claramente conscientes de percepções sensoriais. Os seres sencientes têm mentes; têm preferências, desejos ou vontades. Isso não quer dizer que as mentes dos animais sejam como as mentes dos humanos. Por exemplo, as mentes dos humanos, que usam linguagem simbólica para se orientar pelo seu mundo, podem ser muito diferentes das mentes dos morcegos, que usam a ecolocação para se orientar pelo mundo deles. É difícil saber. Mas isso é irrelevante; o humano e o morcego são ambos sencientes. Ambos são daquele tipo de seres que têm interesses; ambos têm preferências, desejos ou vontades. O humano e o morcego podem pensar sobre esses interesses de maneiras diferentes, mas não há como duvidar seriamente que ambos tenham interesses, inclusive o interesse em evitar dor e sofrimento, e o interesse em continuar existindo.
As plantas são qualitativamente diferentes dos humanos e dos não humanos sencientes, pois as plantas certamente são vivas, mas não são sencientes. As plantas não têm interesses. Não há nada que uma planta deseje, ou queira, ou prefira, porque não há nenhuma mente ali para se ocupar dessas atividades cognitivas. Quando dizemos que uma planta “quer” ou “precisa de” água, não estamos fazendo uma afirmação sobre o status mental da planta, assim como também não estamos fazendo uma afirmação sobre o status mental de um carro quando dizemos que seu motor “quer” ou “precisa de” óleo. Pôr óleo no meu carro pode ser do meu interesse. Mas não é do interesse do meu carro; meu carro não tem nenhum interesse.
Uma planta pode responder à luz do sol e a outros estímulos, mas isso não significa que a planta seja senciente. Se eu passar uma corrente elétrica por um fio ligado a uma campainha, a campainha toca. Mas isso não significa que a campainha seja senciente. As plantas não têm sistema nervoso, receptores de benzodiazepina, ou qualquer uma das características que identificamos com a senciência. E tudo isso faz sentido, em termos científicos. Por que as plantas desenvolveriam a habilidade de ser sencientes, quando não são capazes de fazer nada em resposta a um ato que as danifique? Se você encostar uma chama de fogo numa planta, a planta não pode fugir; ela fica exatamente onde está e se queima. Se você encostar a chama num cachorro, o cachorro faz exatamente o que você faria — grita de dor e tenta fugir da chama. A senciência é uma característica que evoluiu em certos seres para capacitá-los a sobreviver escapando de um estímulo nocivo. A senciência não serviria a nenhum propósito para uma planta; plantas não podem “escapar”.
Mesmo os jainas, que acreditam que as plantas têm um sentido (toque), reconhecem que as plantas e os animais (inclusive insetos) são qualitativamente diferentes, e proíbem comer animais, mas não proíbem comer plantas.
Segundo, se a Ms. Yoon estivesse realmente preocupada com a exploração das plantas, ela deveria reconhecer que, ao comer produtos animais, está consumindo ainda mais plantas do que estaria, se estivesse comendo as plantas diretamente. É preciso vários quilos de plantas para produzir um quilo de carne. Quando a Ms. Yoon senta para comer aquele “magnífico filé malpassado”, ela está consumindo cerca de 5 quilos e meio de plantas.
Portanto, se as plantas importarem no plano moral, e se a Ms. Yoon se importar com a moralidade, então, a menos que ela vá jejuar até morrer de fome, ela tem a obrigação moral de comer plantas porque comerá menos plantas se consumi-las diretamente, e evitará o sofrimento e a morte dos mamíferos, aves ou peixes, todos eles claramente sencientes à maneira dos humanos (a despeito de qualquer diferença cognitiva entre os humanos e os outros animais).
A Ms. Yoon argumenta que podemos duvidar de que alguns animais, como as esponjas, não tenham sensibilidade. Embora seja verdade que sempre existem áreas cinzentas, eu tenho certeza de que a Ms. Yoon não come muitas esponjas. Os animais que consumimos rotineiramente – vacas, frangos, porcos, peixes – são todos, inquestionavelmente, sencientes.
Então de que se trata esse artigo?
A resposta está no último parágrafo, que começa assim:
Meu esforço para renunciar à carne não durou mais do que uns dois anos.
A Ms. Yoon não queria continuar sendo vegetariana. Ela estava desejando aquele “magnífico filé malpassado”. Ela tinha de dizer a si mesma que não há nenhuma diferença entre as plantas e os animais, portanto é tudo a mesma coisa e então ela pode comer o filé com que estava sonhando. Mas isso realmente não tem nada a ver com ciência.
Nada é tão capaz de evocar uma preocupação súbita e apaixonada com as plantas quanto uma proposta para alguém não comer produtos animais ou um desejo de voltar a comê-los. Nada.
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Se vocês não forem veganos(as), tornem-se veganos(as). É fácil; é melhor para a sua saúde e o planeta. Mas o mais importante é que é a coisa moralmente certa a fazer.
Gary L. Francione
© 2011 Gary L. Francione
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Tradução: Regina Rheda