Eu gostaria de considerar várias perguntas
sobre direitos animais que me fizeram ao longo dos anos. São questões que
vêm à baila repetidamente, e elas surgem seja num fórum nos Estados
Unidos ou no exterior, numa nação ocidental ou não, entre um público composto
por professores e estudantes de Direito, Medicina, Veterinária, ensino médio,
ou entre o público geral que telefona para um programa de entrevistas no rádio,
entre jornalistas, ou entre vizinhos numa festa no feriado. Um exame dessas
questões também ajudará a demonstrar como a teoria dos direitos animais que
apresentei neste livro se aplica a contextos concretos.
1. Pergunta: Os animais domésticos, tais como as
vacas e os porcos, e também os ratos de laboratório não existiriam se nós
mesmos não os tivéssemos trazido à existência para nossos fins. Então, isso não
significa que podemos tratar esses animais como nossos recursos?
Resposta: Não.
O fato de sermos, de algum modo, responsáveis pela existência de um ser não nos
dá o direito de tratar esse ser como nosso recurso. Se esse fosse o caso, então
poderíamos tratar nossos filhos como recursos. Afinal de contas, nossos filhos
nem existiriam, se não fosse pelas nossas ações—desde a nossa decisão de
conceber até nossa decisão de não abortar. E embora nos seja outorgada uma
certa liberdade para decidirmos como tratar nossos filhos, há limites: não
podemos tratá-los como tratamos os animais. Não podemos escravizá-los, submetê-los
à prostituição ou vender seus órgãos. Não podemos matá-los. De fato, há uma
norma cultural segundo a qual trazer uma criança à existência cria, nos pais, a
obrigação moral de cuidar dela e não explorá-la.
Deve-se
notar que uma das pretensas justificações para a escravidão humana nos Estados
Unidos foi a de que muitos daqueles que eram escravizados não existiriam se não
fosse pela instituição da escravidão, em primeiro lugar. Os primeiros escravos
trazidos aos Estados Unidos foram forçados a se reproduzir e seus filhos foram
considerados propriedade. Embora esse tipo de argumento nos pareça absurdo nos
dias de hoje, ele demonstra que não podemos assumir a legitimidade da instituição
da propriedade—de humanos ou não humanos—e depois perguntar se é aceitável
tratar uma propriedade como propriedade. A resposta já está predeterminada. Em
vez disso, devemos primeiro perguntar se a instituição da propriedade de
animais (ou de humanos) pode ser justificada moralmente.
2. Pergunta: Os direitos foram inventados pelo ser
humano. Como eles podem ser aplicáveis aos animais?
Resposta:
Assim como o status moral de um humano ou animal não é determinado por quem
causou a existência desse humano ou desse animal, a aplicação de um conceito
moral não é determinada por quem criou esse conceito. Se os benefícios morais
fossem só para os criadores dos conceitos morais, então a maior parte da
humanidade ainda estaria fora da comunidade moral. Os conceitos de direitos,
conforme os entendemos atualmente, foram, na realidade, concebidos como um modo
de proteger os interesses dos ricos proprietários de terra brancos e do sexo
masculino; de fato, historicamente, a maioria dos conceitos morais foi criada
por pessoas privilegiadas do sexo masculino para beneficiar outras pessoas
privilegiadas do sexo masculino. Com o passar do tempo, reconhecemos que o
princípio da igual consideração requeria que tratássemos casos semelhantes de modo semelhante, e subsequentemente estendemos os direitos (e outros benefícios
morais) a outros humanos. Em particular, o princípio da igual consideração
requeria que considerássemos moralmente odiosa a posse de alguns humanos por
outros. Se formos aplicar o princípio da igual consideração aos animais, então
devemos estender aos animais o direito de não ser tratados como recursos.
É
irrelevante se os animais criaram os direitos ou mesmo se conseguem entender o
conceito de direitos. Nós não exigimos que os humanos sejam potenciais
criadores de direitos, nem que compreendam o conceito de direitos, para ser
beneficiários de direitos. Por exemplo, um humano com deficiência mental grave pode não
ter a capacidade de entender o que é um direito, mas isso não significa que não
devamos protegê-lo com, pelo menos, o direito básico de não ser tratado como um
recurso alheio.
3. Pergunta: A instituição da propriedade de
animais de estimação viola o direito básico dos animais a não ser considerados coisas?
Resposta: Sim. Os animais
de estimação, ou pets, são nossa
propriedade. Cães, gatos, hamsters, coelhos e outros animais são produzidos em
massa, feito pinos em uma fábrica, ou, como é o caso de aves e animais exóticos,
são capturados na natureza e transportados por longas distâncias, em viagens
durante as quais muitos deles morrem. Os animais de estimação são
comercializados exatamente como as outras mercadorias. Embora algumas pessoas
possam tratar bem seus companheiros animais, há mais pessoas ainda que tratam
os delas mal. Nos Estados Unidos, a maioria dos cachorros não vive sequer dois
anos em um lar, e já é largada em um abrigo ou passada para outro dono; mais de
70% das pessoas que adotam animais acabam dando-os para alguém, levando-os para
abrigos ou abandonando-os. Todos nós sabemos de casos de horror em que cães
ficam presos por correntes curtas durante a maior parte de suas vidas,
sozinhos. Nossas cidades estão repletas de gatos e cães de rua que têm vidas
deploráveis, passam fome ou frio, sucumbem a doenças, ou são maltratados por humanos.
Pessoas que dizem amar seus companheiros animais os mutilam insensatamente,
mandando recortar suas orelhas, decepar seus rabos, remover suas unhas para
que eles não arranhem os móveis.
Pode ser que você trate
seu companheiro animal como um membro da sua família e efetivamente lhe atribua
valor inerente ou o direito básico de não ser tratado como seu recurso. Mas
esse tratamento que você lhe dá significa, na realidade, que você considera que
sua propriedade animal tem um valor mais alto do que o valor de mercado; se você
mudar de ideia e espancar seu cachorro diariamente com o propósito de discipliná-lo,
ou se não alimentar seu gato para que ele fique mais motivado a caçar os ratos
no porão da sua loja, ou se matar seu animal porque não quer mais ter despesa
com ele, sua decisão será protegida pela lei. Você tem a liberdade de dar o
valor que quiser à sua propriedade. Você poderá decidir fazer o polimento do
seu carro com frequência, ou poderá deixar a pintura se desgastar. A escolha é
sua. Contanto que você dê um mínimo de manutenção ao seu carro para que ele
passe na inspeção, qualquer outra decisão que você tomar quanto ao veículo,
incluindo a de dá-lo a um ferro-velho, é problema seu. Contanto que você dê um
mínimo necessário de comida, água e abrigo ao seu animal de estimação, qualquer
outra decisão que você tomar quanto a ele, exceto a de torturá-lo sem qualquer
propósito que seja, é problema seu, incluindo a decisão de largá-lo num abrigo
(onde muitos animais são ou mortos ou vendidos à pesquisa biomédica) ou de
providenciar a morte dele pelas mãos de um veterinário.
Há muitos anos adotei um
hamster de uma colega de classe na faculdade de Direito. Uma noite o hamster
adoeceu e eu liguei para um atendimento veterinário de emergência. O veterinário
disse que o preço mínimo de uma consulta de emergência era 50 dólares e me
perguntou por que eu estaria querendo gastar isso quando podia comprar um “novo”
hamster em qualquer pet shop por uns
3 dólares. De todo modo eu levei o hamster ao veterinário, mas aquele
acontecimento foi uma das primeiras vezes em que tomei consciência do status de
mercadoria dos animais.
Moro com sete companheiros
caninos salvos do abandono e os amo muito, então este assunto, para mim, não é
brincadeira. Embora eu os considere membros da minha família, eles continuam
sendo minha propriedade e, um belo dia, eu poderia resolver providenciar a
morte de todos. Por mais que eu goste de morar com cachorros, mesmo se
restassem somente um cão e uma cadela no mundo, eu não seria a favor de fazê-los
se reproduzir a fim de podermos ter mais “pets”
e assim perpetuar sua condição de propriedade. Na verdade, qualquer pessoa que
realmente se importe com cachorros deveria visitar uma “fábrica de filhotes”—um
lugar onde cachorros são paridos às centenas, ou aos milhares, e tratados como
meras mercadorias. As cadelas são forçadas a dar cria repetidas vezes, até
ficarem “gastas”, e depois são ou mortas ou vendidas à pesquisa biomédica. É
claro que devemos cuidar de todos os animais domésticos que estão vivos no
presente momento, mas não deveríamos continuar a trazer mais animais à existência
a fim de poder possuí-los como animais de estimação.
4. Pergunta: Se você é a favor de abolir o uso de
animais como recursos dos humanos, você não se importa mais com os animais do
que com aqueles humanos sofrendo de doenças que possivelmente pudessem ser
curadas a partir de pesquisas com animais?
Resposta: Não,
claro que não. Essa questão é indistinguível, tanto moral quanto logicamente,
daquela de saber se quem defendia a abolição da escravidão humana se importava
menos com o bem-estar dos sulistas que ficariam economicamente arruinados,
quando a escravidão fosse abolida, do que com os escravos.
A questão não
é com quem nos importamos mais ou a quem damos mais valor; a questão é se é
moralmente justificável tratar seres sencientes—humanos ou não humanos—como
mercadorias, ou exclusivamente como meios para os fins dos outros. Por exemplo,
geralmente não pensamos que deveríamos usar algum humano como sujeito involuntário
de experimentos biomédicos, apesar de que obteríamos dados muito melhores sobre
doenças humanas se usássemos humanos em vez de animais, na experimentação.
Afinal de contas, a aplicação de dados obtidos a partir de experimentos com
animais ao contexto humano—supondo-se que os dados dos animais sejam relevantes—requer
uma extrapolação frequentemente difícil e sempre imprecisa. Poderíamos evitar
essas dificuldades usando humanos, o que eliminaria a necessidade da extrapolação.
Mas não fazemos isso porque, embora possamos divergir quanto a muitas questões
morais, a maioria de nós concorda que usar humanos involuntários como sujeitos
em experimentos está, logo de saída, fora de cogitação. Ninguém insinua que nos
importamos mais com aqueles que não queremos usar como sujeitos experimentais
do que com aqueles que se beneficiariam desse uso.
5. Pergunta: O uso de animais pelos humanos não é
uma “tradição”, ou “natural”, e, portanto, justificado moralmente?
Resposta:
Toda forma de discriminação na história da humanidade foi defendida como “tradicional”.
O sexismo costuma ser justificado com base na ideia de que a subserviência das
mulheres aos homens é tradicional: “O lugar de uma mulher é seu lar”. A escravidão
humana foi uma tradição na maioria das culturas, às vezes. O fato de algum
comportamento poder ser caracterizado como tradicional não tem nada a ver com se
esse comportamento é moralmente aceitável ou não.
Além de se apoiarem na tradição, algumas pessoas caracterizam
nosso uso de animais como “natural” e depois declaram que o uso é moralmente aceitável.
De novo, qualificar alguma coisa como natural, em si, não diz nada sobre a
moralidade da prática. Em primeiro lugar, quase toda forma de discriminação já
praticada foi descrita como natural e como tradicional. As duas noções são, com
frequência, usadas de maneira intercambiável. Já justificamos a escravidão
humana baseados na ideia de que ela representa uma hierarquia natural entre
proprietários de escravos e escravos. Justificamos o sexismo baseados na ideia de
que ele representa a superioridade natural dos homens em relação às mulheres.
Além disso, é um pouco estranho qualificar como “natural”, em qualquer sentido
da palavra, a maneira moderna de usarmos os animais como mercadorias. A fim de
maximizar lucros, nós criamos ambientes e procedimentos completamente antinaturais para criar animais para
consumo. Fazemos experimentos bizarros em que transplantamos genes e órgãos de
animais em humanos e vice-versa. Agora estamos clonando animais. Nada disso
pode ser qualificado como natural. Os rótulos “natural” e “tradicional” são
apenas isso: rótulos. Eles não são razões. Se as pessoas defendem a imposição
da dor e do sofrimento a um animal baseadas no que é tradicional ou natural,
isso geralmente significa que elas não podem justificar sua conduta de outro
modo.
Uma
variante dessa pergunta se refere às tradições de certos grupos. Por exemplo,
em maio de 1999, a tribo Makah, do estado de Washington, matou sua primeira
baleia-cinzenta em mais de setenta anos. O abate da baleia, que foi realizado
com arpões de aço, armas antitanque, barcos de caça motorizados e munição que
penetra em blindagens, e que contou com 310.000 dólares do governo federal, foi
defendido com base no fato de que a caça à baleia era uma tradição Makah. Mas o
mesmo argumento poderia ser (e é) apresentado para defender mutilações de clitóris
na África e a queima de esposas até a morte na Índia. A questão não é se a
conduta é parte de uma cultura; toda
conduta é parte de alguma cultura. A questão é se a conduta pode ser moralmente
justificada.
Finalmente, algumas
pessoas argumentam que, já que os animais não humanos comem outros animais não
humanos na natureza, nosso uso de animais é natural. Há quatro respostas a essa
posição. Em primeiro lugar, embora alguns animais comam outros na
natureza, muitos não comem. Muitos animais são vegetarianos. Além disso, nossa
ideia de que “a natureza é cruel” não nos deixa ver que há muito mais cooperação
na natureza do que conseguimos imaginar. Segundo, se os animais comem outros
animais é uma questão que não importa nesta discussão. Como poderia ser
relevante se os animais comem ou não comem outros animais? Alguns animais são
carnívoros e não podem existir sem comer carne. Nós não estamos dentro dessa
categoria; podemos passar muito bem sem comer carne, e cada vez mais pessoas
estão se convencendo de que tanto nossa saúde quanto o ambiente se
beneficiariam se mudássemos nossa dieta, parando de consumir produtos animais.
Terceiro, os animais fazem toda sorte de coisas que os humanos não consideram
moralmente apropriadas. Por exemplo, os cachorros copulam e defecam na rua.
Isso significa que nós deveríamos seguir seu exemplo? Quarto, é interessante
que, quando nos convém, tentamos justificar nossa exploração dos animais com
base em nossa suposta “superioridade”. E quando nossa suposta “superioridade”
atrapalha alguma coisa que queremos fazer, nós de repente nos descrevemos como
apenas mais uma espécie de animal selvagem, com tanto direito de comer galinhas
quanto as raposas.
6. Pergunta: Se nós não explorássemos os animais, não
teríamos uma sociedade tal como a conhecemos. Esse fato não prova que o uso de
animais pelos humanos é justificado moralmente?
Resposta: Não. Em primeiro
lugar, a pergunta toma por certo que nós não teríamos criado alternativas ao
uso de animais, se tivesse sido necessário criá-las porque faltassem animais não
humanos ou então porque tomássemos a decisão moral de não explorá-los como
recursos. Segundo, mesmo se o uso de animais fosse necessário para a sociedade
tal como a conhecemos atualmente, o mesmo argumento poderia ser aplicado a
qualquer atividade humana. Por exemplo, sem as guerras, o patriarcado e outras
formas de violência e exploração, não teríamos uma sociedade tal como a
conhecemos. O fato de que dada atividade fosse um meio necessário para aquilo
que alguns de nós consideramos fins desejáveis não prova que esse meio fosse
moralmente justificado. Os americanos de hoje não desfrutariam o nível de
prosperidade que desfrutam, se não fosse pela escravidão humana; isso não quer
dizer que a escravidão fosse uma prática moralmente aceitável. Terceiro,
pode-se argumentar que nossa sociedade atual, com sua violência, poluição,
distribuição desigual de recursos e várias formas de injustiça, não é um fim tão
desejável quanto alguns pensam, e não deveríamos estar tão ávidos por endossar
os meios que nos deixaram na situação em que estamos hoje.
7. Pergunta: Ao igualar especismo a racismo e
sexismo, você não está igualando animais, pessoas não brancas e mulheres?
Resposta: Não. O racismo, o sexismo, o especismo
e outras formas de discriminação são todos análogos, pois todos compartilham a
noção errada de que alguma característica moralmente irrelevante (raça, sexo,
espécie) pode ser usada para excluir seres que possuem interesses da comunidade
moral, ou para subestimar interesses, numa explícita violação do princípio da
igual consideração. Por exemplo, o especismo e a escravidão humana são
semelhantes pois, em todos os casos, os animais e os humanos escravizados têm
um interesse básico em não ser tratados como coisas, e ainda assim são tratados
como coisas com base em critérios moralmente irrelevantes. Negar esse direito básico
aos animais simplesmente porque eles são animais é como dizer que não deveríamos
abolir a escravidão baseada na raça por causa da suposta inferioridade da raça
dos escravos. O argumento usado para apoiar a escravidão e o argumento usado
para apoiar a exploração animal são estruturalmente semelhantes: excluímos
seres que possuem interesses da comunidade moral porque há alguma suposta
diferença entre “eles” e “nós”, a qual não tem nada a ver com a inclusão desses
seres na comunidade moral. A posição dos direitos animais sustenta que se
acreditamos que os animais têm importância moral, o princípio da igual
consideração requer que paremos de tratá-los como coisas.
Uma pergunta relacionada a
essa, que surge frequentemente neste contexto, é se o especismo é “tão mau”
quanto o racismo, o sexismo ou outras formas de discriminação. De um modo
geral, não é útil estabelecer um ranking
de males. O fato de Hitler matar judeus foi “pior” do que o fato de Hitler
matar católicos ou então ciganos? A escravidão é “pior” do que o genocídio? A
escravidão que não é baseada em raça é “pior” do que a escravidão baseada em raça?
O sexismo é “pior” do que a escravidão e o genocídio, ou é “pior” do que a
escravidão mas não é pior do que o genocídio? Francamente, eu nem sei ao certo
o que essas perguntas significam, mas desconfio que as pessoas que as fazem supõem,
implicitamente, que um grupo seja “melhor” do que outro. De qualquer modo,
todas essas formas de discriminação são terríveis, e terríveis de diferentes
maneiras. Mas todas têm uma coisa em comum: todas tratam os humanos como coisas
sem interesses passíveis de proteção. Nesse sentido, todas essas formas de
discriminação—por diferentes que sejam entre si—são semelhantes ao especismo,
que resulta em tratarmos os animais como coisas.
Finalmente, há algumas
pessoas que argumentam que, ao dizermos que alguns animais têm mais habilidade
cognitiva do que alguns humanos, tais como os portadores de deficiência mental grave ou os
extremamente senis, estamos igualando esses humanos aos animais e
caracterizando-os de um modo desrespeitoso. De novo, não é esse o ponto da
argumentação a favor dos direitos animais. Por séculos temos justificado o fato
de tratarmos os animais como recursos porque, supostamente, eles não possuem
alguma característica que nós possuímos. Mas alguns animais têm uma característica
“especial” em um grau maior do que alguns de nós, e alguns humanos nem mesmo têm
tal característica. O ponto essencial é que, embora uma característica em
particular possa ser útil para alguns propósitos, a única característica
exigida para a importância moral é a senciência. Nós não tratamos, nem deveríamos
tratar, humanos deficientes como recursos de outros humanos. E se realmente
acreditamos que os animais têm interesses moralmente significativos, então
temos de aplicar o princípio da igual consideração e não tratá-los como
recursos também. A argumentação a favor dos direitos animais não diminui o
respeito pela vida humana; ao contrário, aumenta o respeito por todas as formas
de vida.
8. Pergunta: Hitler era vegetariano; o que isso nos
diz sobre os vegetarianos?
Resposta: Não
nos diz nada além de que algumas pessoas más também podem ser vegetarianas. A
própria pergunta é baseada em um silogismo inválido: Hitler era vegetariano;
Hitler era mau; portanto, vegetarianos são maus. Stalin comia carne e não era
nenhum anjo. Ele foi responsável pela morte de milhões de pessoas inocentes. O
que isso nos diz sobre as pessoas que comem carne? Assim como não podemos
concluir que todas as pessoas que comem carne têm algo em comum com Stalin além
do fato de comer carne, também não podemos concluir que todos os vegetarianos têm
algo em comum com Hitler além do vegetarianismo. Além disso, não se sabe ao
certo se Hitler era de fato vegetariano. Em todo caso, o interesse dos nazistas
em reduzir o consumo de carne não era uma questão de status moral dos animais;
em vez disso, refletia uma preocupação em usar métodos orgânicos no cuidado da
saúde e em rejeitar ingredientes artificiais na comida e nos produtos farmacêuticos,
preocupação essa que estava vinculada ao objetivo nazista mais amplo da “higiene
racial” (*).
Outra versão
dessa pergunta é: já que os nazistas também eram a favor dos direitos animais,
isso significa que a teoria moral dos direitos animais esteja arruinada e procure
desvalorizar os seres humanos? Mais uma vez, a pergunta é absurda. Em primeiro lugar,
ela é baseada em um erro factual. Os nazistas não eram a favor dos direitos
animais. As leis do bem-estar animal alemãs restringiam a vivissecção até certo
ponto, mas não refletiam uma preferência social pela abolição do status de
propriedade dos animais. Afinal de contas, os nazistas mataram banalmente milhões
de humanos e animais durante a segunda guerra mundial, um comportamento
incompatível com a posição dos direitos, humanos ou outros. Dizer que os
nazistas apoiavam os direitos animais não é mais correto do que dizer que os americanos
apoiam os direitos animais porque têm uma Lei (federal) do Bem-estar Animal.
Mas, e se,
ao contrário da realidade, os nazistas tivessem defendido a abolição de toda
exploração animal? O que isso nos diria, com relação à ideia dos direitos
animais? A resposta é absolutamente clara: isso não nos diria nada sobre a posição
dos direitos animais ser certa ou errada. Essa questão só pode ser resolvida
determinando-se se os argumentos morais a favor dos direitos animais são válidos
ou não. Os nazistas também apoiavam vigorosamente o casamento. Isso significa
que o casamento seja uma instituição inerentemente imoral? Os nazistas também
acreditavam que praticar esportes fosse uma atividade essencial para o
desenvolvimento de um caráter forte. Isso significa que as competições
esportivas sejam inerentemente imorais? Jesus Cristo pregava um evangelho a
favor da distribuição igualitária de recursos. Gandhi difundia uma mensagem
semelhante, assim como Stalin. Mas Stalin também desvalorizava seres humanos.
Podemos concluir que a ideia de uma distribuição mais igualitária de recursos
contém uma falha moral inerente que macula Jesus e Gandhi? Não, claro que não.
Não desvalorizamos mais a vida humana ao atribuir importância moral aos interesses
dos animais, do que desvalorizamos a vida dos seres humanos “normais” ao atribuir
valor moral a humanos portadores de deficiência mental grave e proibir seu uso em experimentos.
9. Pergunta: Onde você traça o limite quanto a quem
pode ter direitos? Os insetos têm direitos?
Resposta: Eu traço o
limite na senciência porque, conforme argumentei, os seres sencientes têm
interesses, e a posse de interesses é a condição necessária e suficiente para
se fazer parte da comunidade moral. Os insetos são sencientes? Eles são seres
conscientes com mentes que experienciam dor e prazer? Não sei. Mas o fato de eu
não saber onde, exatamente, traçar o limite, ou de talvez achar difícil traçar
o limite, não me dispensa da obrigação de traçar o limite em algum lugar, nem
me autoriza a usar os animais como eu bem quiser. Embora eu possa não saber se
os insetos são sencientes, eu realmente sei que vacas, porcos, galinhas, chimpanzés,
cavalos, veados, cães, gatos e camundongos são sencientes. De fato, agora a
senciência dos peixes já está amplamente reconhecida. Portanto, o fato de eu não
saber em que lado da linha limítrofe eu devo colocar os insetos não me dispensa
da minha obrigação moral para com os animais que eu já sei que são sencientes.
Em termos gerais, a intenção
dessa pergunta é demonstrar que se não soubermos onde traçar o limite numa
questão de moralidade, ou se for difícil traçar o limite, então não devemos traçar
limite nenhum. Essa forma de raciocinar é inválida. Considere o seguinte
exemplo. Existe muita divergência quanto ao escopo e à extensão dos direitos
humanos. Algumas pessoas argumentam que a educação e a assistência médica são
direitos fundamentais que um governo civilizado deveria proporcionar a todos;
outras argumentam que a educação e a assistência médica são mercadorias como
qualquer outra, e não um assunto dos direitos, e que as pessoas têm de pagar
por elas. Mas creio que todos nós concordaríamos com a ideia de que, sejam
quais forem nossas divergências quanto aos direitos humanos—por mais dúvidas
que tenhamos quanto a onde traçar o limite—, o genocídio, por exemplo, é
moralmente errado. Nós não dizemos que é moralmente aceitável exterminar populações
inteiras porque divergimos quanto a se os humanos têm direito à assistência médica.
Semelhantemente, nossa dúvida e nossa divergência quanto à senciência das
formigas não são um alvará para ignorarmos os interesses dos chimpanzés, vacas,
porcos, galinhas e outros animais que sabemos que são sencientes.
10. Pergunta: Os humanos que não são sencientes,
como aqueles cuja atividade cerebral cessou de maneira irreversível, têm
direito a não ser tratados como coisas?
Resposta: Se um humano
realmente não for senciente—não for consciente de absolutamente nada e nunca
recobrará a consciência de coisa alguma—então, por definição, esse humano não
pode ter interesse em não sofrer (nem em qualquer outra coisa). Numa situação
desse tipo, pode-se argumentar de modo convincente que é moralmente aceitável
usar os órgãos desse humano para salvar outras pessoas—e é comum fazer isso, se
o humano tiver concordado previamente em doar seus órgãos, ou se sua família
consentir em fazê-lo.
É claro que devemos nos
preocupar quanto a se um humano com uma aparente morte cerebral não tem,
realmente, nenhuma atividade cognitiva. Também temos de ser sensíveis às
preocupações dos parentes desse humano comatoso; eles podem se opor ao uso
instrumental do humano por várias razões, por exemplo, se seguirem uma religião
que seja contra o transplante de órgãos. Mas os humanos com morte cerebral
irreversível realmente não são diferentes das plantas; eles estão vivos, mas não
são conscientes e não têm interesses passíveis de proteção. Não faz sentido dar
a esses humanos o direito básico de não ser tratados como recursos alheios.
11. Pergunta: Se quisermos tratar interesses
semelhantes semelhantemente, nosso reconhecimento de que os animais têm o
direito básico de não ser propriedade significa que o aborto também deveria ser
proibido?
Resposta: O aborto suscita
várias questões difíceis, particularmente por causa da dimensão religiosa da
controvérsia. Muitos daqueles que se opõem ao aborto acreditam que a alma surge
no momento da concepção. Essa crença leva algumas pessoas que são contra o
aborto a se oporem a qualquer medida que vá interferir com o desenvolvimento
subsequente do feto, incluindo o uso de dispositivos intrauterinos ou drogas
que previnem a implantação do óvulo fecundado na parede do útero. Para essas
pessoas que são contra o aborto, o fato de que um feto ou um óvulo fecundado não
é senciente é irrelevante; o feto tem “interesses” espirituais e é considerado
um ser moral pleno aos olhos de Deus, tão logo possua uma alma.
Outro fator complicador
dentro da discussão sobre o aborto é que, por uma questão cultural, o status de
uma grávida de “mãe” e do feto de “bebê” tende a se efetivar imediatamente após
a mulher descobrir que está prenhe, particularmente em casos em que a mulher
quer ter um filho. Isto é, a partir do momento da concepção, ou do momento da
descoberta da concepção, tendemos a pensar no feto como a pessoa humana—o bebê—que
esse feto se tornará. Mas essa caracterização não altera o fato biológico de
que um óvulo fecundado não tem interesses à maneira do bebê.
Se abordarmos a questão do
aborto fora do quadro da religião e das almas, e fora das convenções sociais
que caracterizam uma mulher grávida como “mãe” e um feto como “bebê” desde o
momento da concepção, torna-se muito mais difícil entender como se pode dizer
que os fetos—particularmente em estágios iniciais—possam ter interesses. Embora
não se tenha certeza de que algum feto seja senciente, está claro que os fetos
em estágios iniciais não são, e portanto eles não têm interesse em não sofrer—eles
não podem sofrer. Além disso, não está
claro como é que fetos sem senciência possam ter interesse em continuar a
existir. Embora um feto normal vá continuar a se desenvolver e vá resultar no
nascimento de uma pessoa humana, o feto sem senciência não pode, ele próprio,
ter interesse em continuar a existir.
Seres sencientes são
aqueles que são conscientes da dor e do prazer; aqueles que têm algum tipo de
mente e algum sentido de si. O dano da morte para um ser senciente é que ele não poderá mais ter experiências conscientes. Se você me mata sem dor
enquanto eu estou dormindo, você me causa um dano porque me priva de continuar
a ter experiências como um ser senciente, experiências essas que eu, em virtude
do fato de não ter escolhido me suicidar, desejo ter. E nossa experiência dos
outros seres sencientes, aqueles que não são humanos, sustenta, de maneira razoável,
a posição de que todos os seres
sencientes têm em comum um interesse em continuar a viver—a senciência é
meramente um meio para a existência continuada dos organismos capazes de ter
experiências mentais de prazer e dor. Nós não podemos comparar, por analogia,
um feto a uma pessoa adormecida; o feto nunca foi senciente e portanto nunca
possuiu os interesses que são característicos de todos os seres sencientes.
Se alegarmos que um óvulo
fecundado não senciente tem interesse na existência continuada simplesmente
porque há uma alta probabilidade de em nove meses ele se tornar uma criança com
interesses, então estamos comprometidos com a visão de que um óvulo fecundado
tem interesse na existência continuada já no momento da concepção. E se pudermos
dizer que um óvulo fecundado tem interesse na existência continuada já na
concepção, fica difícil entender por que não diríamos, também, que o espermatozoide
e um óvulo têm interesse na concepção antes de sua união ocorrer. A principal
diferença entre, de um lado, o óvulo fecundado e, de outro, o espermatozoide e
um óvulo que ainda não foi fecundado concerne à probabilidade (a probabilidade
de um óvulo fecundado eventualmente se tornar um bebê humano é maior do que a
probabilidade de um determinado espermatozoide fecundar um óvulo), e nada mais.
Na medida em que se
possa dizer, por exemplo, que é “do interesse” do feto que a mulher grávida não
fume cigarros, tal asserção não é diferente de dizer que é “do interesse” de um
motor ser adequadamente lubrificado, ou de uma planta ser regada. Embora possa
ser aconselhável que a grávida não fume se ela
tiver interesse em ter um bebê saudável (assim como é aconselhável que ponhamos
óleo no motor dos nossos carros ou reguemos nossas plantas), o feto não
senciente ainda não tem um bem-estar experiencial, e não prefere, não quer e
nem deseja coisa alguma. Na ausência
de uma crença religiosa no surgimento das almas nos fetos, é difícil entender
por que o aborto de um feto em estágios iniciais seja moralmente objetável, ou
como o aborto possa ser considerado um dano a um feto não senciente. Se o
aborto de um feto não senciente for moralmente objetável, então também seria
objetável o uso dos dispositivos intrauterinos ou das drogas, tais como o RU
486, que evitam que o óvulo fertilizado se prenda à parede do útero. E podemos
estar comprometidos com a visão de que um espermatozoide e um óvulo têm
interesse em se unir, de forma que o uso de contraceptivos viola os interesses
do espermatozoide e do óvulo. De novo: na ausência de um contexto religioso,
essas posições parecem completamente insustentáveis.
E se determinarmos que
alguns fetos são sencientes? Os fetos em estágio avançado certamente reagem a
certos estímulos. Pode ser que esses fetos sejam sencientes e tenham um
bem-estar experiencial. Nesse caso, faria sentido dizer que esses fetos têm
interesses. Mas, mesmo se aceitarmos que os fetos sencientes têm um direito básico
que previne seu tratamento inteiramente instrumental, a questão do aborto
apresenta um raro conflito de direitos. Um titular de direitos existe dentro do
corpo de outra titular de direitos, e depende dela para a existência mesma que
serve como predicado para o feto ter interesses, em primeiro lugar. Esse
conflito é único, e a proteção dos interesses fetais implica o perigo da
intrusão do estado no corpo da mulher e em seu interesse na privacidade, de uma
maneira que nenhuma outra proteção ao direito básico de outra pessoa requer. Se
um pai ou uma mãe estiver abusando de sua criança de três anos, o estado pode tirar
a criança deles a fim de proteger os interesses dela. O estado não pode
proteger os interesses fetais sem se intrometer na autonomia corporal da mulher
e forçá-la a continuar uma gravidez indesejada. Mas pode ser que a senciência
dos fetos milite a favor de métodos abortivos que sejam seguros para a mulher
porém preservem a vida do feto.
12. Pergunta: Se nos tornarmos vegetarianos, os
animais sofrerão danos inevitáveis quando plantarmos vegetais, e qual a diferença
entre, de um lado, criar e matar animais para comida e, de outro, matar os
animais sem querer, como parte da produção de safras agrícolas?
Resposta: Se passarmos de
uma produção de comida à base de carnes para uma produção de alimentos à base
de plantas, inevitavelmente deslocaremos, e possivelmente mataremos, animais
sencientes quando plantarmos vegetais. Entretanto, há com certeza uma
significativa diferença entre, de um lado, criar e matar animais para comida e,
de outro, prejudicar os animais sem querer, durante a plantação dos vegetais,
atividade que é, ela mesma, realizada com a intenção de prevenir a morte de
seres sencientes.
A fim de entender este
ponto, considere o seguinte exemplo. Nós construímos estradas. Permitimos que
as pessoas dirijam automóveis. Sabemos que, estatisticamente falando, quando
construímos uma estrada, alguns humanos—que não sabemos de antemão quem são—serão
prejudicados como resultado de acidentes automobilísticos. Ainda assim, há uma
diferença moral fundamental entre realizar uma atividade que tem o dano ao
humano como uma consequência inevitável mas não intencional, e matar
intencionalmente determinados humanos. De forma semelhante, o fato de que os
animais possam sofrer danos (mesmo se não usarmos produtos químicos tóxicos e
mesmo se tomarmos um enorme cuidado para evitar prejudicá-los) como consequência
não intencional de plantarmos vegetais não significa que seja moralmente aceitável
matar animais intencionalmente.
Uma questão relacionada a
essa é: por que as plantas não têm direitos, dado que estão vivas? Essa é a
pergunta que todo vegetariano escuta quando está na companhia de comedores de
carne. Em outras circunstâncias, esses comedores de carne podem ser seres racionais e inteligentes, mas, quando se deparam com um vegetariano, seu
incômodo quanto à sua dieta normalmente vem à tona na forma de um comportamento
defensivo.
Ninguém pensa, de verdade,
que as plantas sejam o mesmo que não humanos sencientes. Se eu comesse seu
tomate e seu cachorro, você não encararia esses atos como semelhantes. Até onde
se sabe, as plantas não são sencientes. Elas não são conscientes e capazes de
experienciar dor. As plantas não têm sistema nervoso central, endorfina,
receptores de benzodiazepina, nem qualquer outro sinal de senciência. As plantas
não têm interesses; os animais, sim.
13. Pergunta: Não é incoerente valer-se dos remédios
ou dos procedimentos desenvolvidos por meio do uso de animais e, ao mesmo
tempo, defender a posição dos direitos animais?
Resposta: Não, não é.
Aqueles que apoiam a exploração animal frequentemente argumentam que é
incoerente aceitar os “benefícios” do uso de animais mas criticar o uso de
animais.
Essa posição evidentemente
não faz sentido. A maioria de nós se opõe à discriminação racial e, ainda
assim, nós vivemos em uma sociedade em que as pessoas brancas de classe média
desfrutam os benefícios da discriminação racial que ocorreu no passado; isto é,
a maioria desfruta um padrão de vida que não teria para desfrutar, se tivesse
havido, no passado, uma distribuição igualitária, e não discriminatória, de
recursos, incluindo educação e oportunidades de emprego. Muitos de nós apoiam
medidas, tais como a ação afirmativa,
que visam corrigir a discriminação ocorrida no passado. Mas aqueles que se opõem
à discriminação racial não são obrigados a deixar os Estados Unidos ou a
cometer suicídio porque não podem evitar o fato de que as pessoas brancas são
beneficiárias da discriminação que houve contra as pessoas não brancas no passado.
Considere outro exemplo:
suponha que fiquemos sabendo que a companhia de abastecimento de água da nossa
região emprega crianças, e nós objetemos ao trabalho infantil. Somos obrigados
a morrer de desidratação porque a companhia de abastecimento de água optou por
violar os direitos das crianças? Não, claro que não. Nós seríamos obrigados a
apoiar a abolição desse uso de crianças, mas não seríamos obrigados a morrer.
De modo semelhante, devemos nos unir e exigir coletivamente o fim da exploração
animal, mas não somos obrigados a aceitar a exploração animal ou renunciar a
benefícios que ela possa oferecer.
Certamente poderíamos
desenvolver drogas e procedimentos cirúrgicos sem o uso de animais, e muita
gente preferiria que fizéssemos isso. Contudo, as pessoas que têm objeções ao
uso de animais para esses propósitos não têm controle, enquanto indivíduos,
sobre as regulações do governo ou sobre as políticas corporativas concernentes
aos animais. Dizer que essas pessoas não podem, coerentemente, criticar as ações
do governo ou da indústria, enquanto obtêm benefícios a partir dessas ações,
sobre as quais elas não têm controle, é um absurdo em termos de lógica. Em
termos de ideologia política, é um endosso dos mais preocupantes da obediência
cega às políticas do estado corporativo. De fato, a noção de que devemos ou
abraçar a exploração animal, ou rejeitar qualquer coisa que envolva o uso de
animais, é sinistramente comparável ao reacionário slogan “América, ame-a ou
deixe-a”, bradado pelos pseudopatriotas que criticavam as pessoas contrárias ao
envolvimento dos Estados Unidos na guerra do Vietnã.
Além disso, os humanos
coisificaram e mercantilizaram tanto os animais, que é praticamente impossível
evitar por completo a exploração animal. Os subprodutos animais são utilizados
em uma grande variedade de coisas, inclusive no asfalto das estradas e em
tecidos sintéticos. Mas a impossibilidade de evitar todos os contatos com a
exploração animal não significa que não possamos evitar a formas mais óbvias e
graves de exploração. Um indivíduo que não esteja perdido em um bote
salva-vidas, ou no topo de uma montanha, tem sempre o poder de evitar comer
carnes e laticínios, que são produtos que não poderiam ser feitos sem o uso de
animais, ao contrário das drogas e dos procedimentos médicos, que poderiam ser
desenvolvidos sem testes em animais.
14. Pergunta: É provável que a tentativa de se
conseguir um tratamento animal mais “humanitário” leve, eventualmente, ao
reconhecimento de que os animais têm o direito básico de não ser tratados como
coisas, e à consequente abolição do uso institucionalizado de animais?
Resposta: Não, não é provável.
As leis anticrueldade exigindo o tratamento humanitário dos animais têm sido
populares nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha por mais de duzentos anos, e
estamos usando mais animais, e de modos ainda mais horripilantes, do que jamais
o fizemos. Tem havido algumas mudanças, sem dúvida. Em alguns lugares, como a
Grã-Bretanha, os vitelos têm mais espaço e um pouco de interação social antes
de ser abatidos; a armadilha de mandíbulas está proibida em alguns estados
americanos, e os animais usados para a produção de peles são caçados com
armadilhas “acolchoadas” ou criados em pequenas jaulas de arame antes de ser
mortos com gás ou eletrocussão. Conforme a Lei (federal) do Bem-estar Animal,
os primatas devem receber alguma estimulação psicológica enquanto nós os
utilizamos em horrendos experimentos, nos quais os infectamos com doenças ou
tentamos apurar quanta radiação eles conseguem suportar antes que as funções de
seu organismo fiquem anormais. Algumas práticas, tais como as rinhas, foram
declaradas ilegais, mas, conforme já argumentei, essas proibições nos dizem
mais sobre hierarquia de classes sociais e preconceito do que sobre nossa
preocupação moral com os animais. Pondo tudo na balança, as mudanças que vimos
ocorrerem como resultado das leis do bem-estar animal são puramente de fachada.
Isso não deveria nos
surpreender. Para as leis anticrueldade, os animais são propriedade dos
humanos, e é nesse contexto que o suposto equilíbrio entre os interesses dos
humanos e dos animais ocorre. Mas, como vimos, não podemos, realmente,
equilibrar os interesses dos proprietários com os de sua propriedade, porque a
propriedade não pode ter interesses que sejam passíveis de proteção contra o
dono da propriedade. O princípio do tratamento humanitário, conforme aplicado
pelas leis do bem-estar animal, exige apenas que os donos da propriedade animal
proporcionem a ela aquele nível de cuidado (e não mais) que for necessário ao propósito
em particular. Se estivermos usando animais em experimentos, eles devem receber
aquele nível de cuidado, e não mais, que for necessário à produção de dados válidos.
Se estivermos usando animais que criamos para o propósito de produzir casacos
de pele, eles devem receber aquele nível de cuidado, e não mais, que é exigido
para a produção de casacos macios e brilhantes. Se estivermos criando animais
para comida, esses animais devem receber aquele nível de cuidado, e não mais,
que é exigido para a produção de uma carne que possa ser vendida por um
determinado preço a fim de suprir uma determinada demanda. Se estivermos usando
um cão para tomar conta da nossa propriedade, devemos oferecer o nível de
cuidado que é exigido para sustentar o cão para esse propósito. Contanto que
demos ao cão o mínimo necessário de comida, água e abrigo—um cão morto não
serve ao propósito—podemos prender esse cão com uma correia de um metro e bater
nele, mesmo excessivamente, para propósitos “disciplinares”.
Afirmamos que reconhecemos
que o interesse dos animais em não sofrer é moralmente significativo, mas
nossas práticas envolvendo os animais provam que a nossa afirmação é falsa. Se
for para realmente honrarmos os interesses morais dos animais, então devemos
abolir a exploração animal institucionalizada, e não meramente regular o uso de
animais por meio de medidas bem-estaristas que tomam por certa a legitimidade
do status dos animais como propriedade.
15. Pergunta: Medidas como a Lei das Espécies Ameaçadas
(Endangered Species Act), que proíbe matar certas espécies de animais em perigo
de extinção, não mudam, efetivamente, o status de propriedade dos animais?
Resposta: Não. A Lei das
Espécies Ameaçadas e outras medidas semelhantes protegem somente certas espécies
que os humanos valorizam para propósitos humanos; essas leis não reconhecem que
os animais têm outro valor que não seja o que os humanos lhes dão. Algumas pessoas
argumentaram—erroneamente, em minha opinião—que essas leis de fato proporcionam
“direitos” aos animais. Na realidade, essas leis não são diferentes daquelas
que protegem uma floresta tropical, um curso d’água, uma montanha, ou qualquer
outra coisa não senciente a que os humanos, por alguma razão, decidam dar valor
para propósitos humanos. Essas medidas não implicam nenhum reconhecimento de
que a espécie protegida tenha um valor do tipo que atribuímos a todo ser humano
como uma condição mínima para a participação na comunidade moral.
Agora, sob pressão econômica,
os governos estão procurando retirar algumas espécies do âmbito da proteção das
espécies ameaçadas e readmiti-las como presas de caçadores, de forma que o
dinheiro obtido com as licenças de caça e o comércio de partes de animais possa
ajudar a pagar a manutenção dos animais restantes. As moratórias na matança de
determinadas espécies são quase sempre suspensas tão logo as populações cresçam
acima do nível da extinção absoluta, convidando-se assim à “colheita” dos
animais excedentes. Nós não tratamos, contudo, nenhum humano dessa maneira. Não
consideramos apropriado usar moradores de rua como doadores forçados de órgãos
a fim de subsidiar os custos com a assistência social de outros moradores de
rua. Não fechamos os olhos à “colheita” de humanos.
Em todo caso, leis como a
das Espécies Ameaçadas não reconhecem que os animais, por serem sencientes,
tenham um valor moral que vá além do valor que os humanos lhes dão. Essas leis
consideram os animais iguais a qualquer outro recurso que desejamos preservar
para o benefício das gerações futuras. Protegemos temporariamente animais como
os elefantes para que as futuras gerações de humanos tenham elefantes para
usar, mas estes animais são, no fim das contas, apenas mercadorias e, enquanto
houver elefantes suficientes, estaremos dando mais valor a pulseiras de marfim
do que aos interesses do elefante.
Finalmente, é preciso
entender que é improvável que a legislação e os processos judiciais resultem em
alguma mudança significativa na condição de propriedade dos animais, até que
haja uma mudança social significativa na nossa atitude para com os animais. Ou
seja, não é a lei que vai alterar o nosso pensar moral sobre os
animais; tem de ocorrer o inverso. Não foi a lei que aboliu a escravidão; de
fato, a lei protegia a propriedade de escravos, e a instituição da escravidão não foi
abolida pela lei, mas pela Guerra Civil. A economia mundial de hoje depende
muito mais da exploração animal do que o sul dos Estados Unidos dependia da
escravidão humana. Não é uma declaração da Suprema Corte nem uma lei do
congresso que irão acabar com a exploração animal—pelo menos não até que a
maioria de nós aceite a posição de que a instituição da propriedade animal é
moralmente inaceitável.
16. Pergunta: Se os animais têm direitos, isso não
significa que teríamos de punir o ato de matar animais do mesmo modo que
punimos o ato de matar humanos?
Resposta: Não, claro que não.
É verdade que se nós, como sociedade, atribuíssemos de fato importância moral
aos interesses dos animais e reconhecêssemos nossa obrigação de abolir, e não
meramente regular, a exploração animal, é muito provável que incorporaríamos essa
visão em leis penais que, formalmente, proibiriam e puniriam o tratamento dos
animais como recursos. Mas isso não significaria que devemos punir o ato de
matar um animal praticado por um humano exatamente do mesmo modo que punimos o
ato de matar um humano praticado por outro humano. Por exemplo, nosso
reconhecimento de que os animais têm valor moral não exige que processemos por
homicídio culposo alguém que, ao guiar de maneira irresponsável, atinja um
guaxinim. O litígio contra humanos que matam outros humanos serve a muitos propósitos
que não são relevantes para os animais. Por exemplo, as ações penais permitem, às
famílias das vítimas do crime, a experiência de alguma forma de conclusão ou “cicatrização”,
e embora haja evidência etológica de que muitos animais não humanos
experienciam sofrimento com a perda de membros de sua família ou seu grupo, um
julgamento penal não faria sentido para eles.
17. Pergunta: Se os animais têm direitos, isso não
significa que temos de intervir para fazê-los parar de matar outros animais, ou
que devemos agir afirmativamente, de outras maneiras, para prevenir que algum
tipo de mal chegue até os animais e lhes cause dano?
Resposta: Não. O direito básico
de não ser tratado como uma coisa significa que não podemos tratar os animais
exclusivamente como meios para os fins dos humanos—do mesmo modo que não
podemos tratar humanos exclusivamente como meios para os fins de outros
humanos. Muito embora tenhamos leis prevenindo que as pessoas possuam humanos,
ou os utilizem como sujeitos involuntários de experimentos biomédicos, geralmente
não exigimos que os humanos previnam o dano a outros humanos em todas as situações.
Nenhuma lei exige que Jane previna que Simon cause dano a John, contanto que
Jane e Simon não sejam conspiradores em um crime contra John, nem atuem em
concerto de alguma outra maneira, e contanto que Jane não tenha um
relacionamento com John que crie aquela obrigação.
Além disso, nos Estados
Unidos ao menos, a lei geralmente não impõe, aos humanos, nenhuma “obrigação de
socorrer”, mesmo quando há outros humanos envolvidos. Se eu estiver andando
pela rua e vir uma pessoa desmaiada, com o rosto para baixo, se afogando em uma
pequena poça d’água, a lei não me impõe nenhuma obrigação de auxiliar essa
pessoa, mesmo se eu só precisar virá-la, algo que posso fazer sem correr riscos
ou sem inconveniência séria para mim.
O ponto essencial da questão
é que o direito básico dos humanos a não ser tratados como coisas não garante
que humanos vão socorrer outros humanos, ou que sejamos obrigados a intervir
para prevenir que males partindo de animais ou de outros humanos atinjam
humanos. De modo semelhante, o direito básico dos animais a não ser tratados
como coisas significa que não podemos tratar os animais como nossos recursos.
Isso não quer dizer, necessariamente, que tenhamos a obrigação moral ou legal
de ajudá-los ou de intervir para prevenir que males cheguem até eles.
18. Pergunta: A questão de determinar se o direito
básico a não ser tratado como nosso recurso deveria ser dado aos animais não é
uma questão de opinião? Que direito alguém tem de dizer que as outras pessoas não
devem comer carne ou outro produto animal, ou de dizer de que outras maneiras
as pessoas devem usar ou tratar os animais?
Resposta: A questão dos
direitos animais, como qualquer outra questão moral, não é uma questão de opinião.
Essa pergunta é indistinguível, lógica e moralmente, da pergunta sobre a
moralidade da escravidão humana ser, ou não, uma questão de opinião. Nós decidimos
que a escravidão é moralmente repreensível não por uma mera questão de opinião,
mas porque a escravidão trata humanos exclusivamente como recursos alheios e os
degrada à condição de coisas, privando-os assim de importância moral.
A noção de que os direitos
animais são uma questão de opinião está diretamente relacionada ao status que
os animais têm de propriedade dos humanos; essa pergunta, assim como a maioria
das outras aqui examinadas, toma por certa a legitimidade de se considerar os
animais como coisas que existem apenas como meios para os fins dos humanos.
Como consideramos os animais nossa propriedade, acreditamos ter o direito de
determinar seu valor do modo que julgarmos adequado. No entanto, se não
tivermos justificação moral para tratar os animais como nossa propriedade, então
a questão de determinar se devemos comer carne, ou usar animais em
experimentos, ou lhes impor dor e sofrimento por esporte ou entretenimento não é
uma questão de opinião, da mesma forma que o status moral da escravidão humana
também não é uma questão de opinião.
Além disso, enquanto os
animais forem tratados como propriedade, continuaremos pensando que o que
constitui um tratamento “humanitário” da sua propriedade animal é realmente uma questão de opinião,
porque é você quem decide quanto sua propriedade vale. Da mesma forma que temos
opiniões quanto ao valor das outras coisas que possuímos, podemos ter opiniões
quanto ao valor da nossa propriedade animal. Embora possamos dar à nossa
propriedade um valor alto demais ou baixo demais em relação ao seu valor de
mercado, essa questão geralmente não é considerada uma questão moral. Então, quando
Jane critica Simon por bater em seu cão regularmente a fim de garantir que ele
seja um cão de guarda feroz e eficiente, é perfeitamente justificável, para
Simon, responder a Jane que a avaliação que ela faz da propriedade dele não é
uma questão moral onde “qualquer um pode pôr a mão”, mas uma questão de
direitos dele à propriedade.
Num outro nível, essa questão
está ligada a um assunto discutido na Introdução: a posição de que toda
moralidade é relativa, uma questão de convenção, conveniência ou tradição, sem
nenhuma pretensão válida à verdade objetiva. Se esse fosse o caso, então a
moralidade do genocídio, da escravidão humana ou do abuso sexual infantil não
passaria de uma questão de opinião. Embora seja verdade que as proposições
morais não possam ser provadas à maneira das proposições matemáticas, isso não
significa que “vale tudo”. Algumas visões morais são sustentadas por razões
melhores do que outras, e algumas “combinam” melhor com outras visões que já temos.
A visão de que podemos tratar os animais como coisas, simplesmente porque somos
humanos e eles não, é especismo puro e simples. A visão de que não devemos tratar
os animais como coisas é coerente com nossa noção geral de que os animais têm
interesses moralmente significativos. Não tratamos nenhum humano exclusivamente
como recurso dos outros; já abolimos a instituição da propriedade humana. Vimos
que, para os propósitos do direito a não ser tratado como uma coisa, não há
nenhuma razão moralmente sólida para tratarmos os animais diferentemente dos
humanos; e que a posição dos direitos animais não significa que não possamos
preferir o humano ao animal em situações de real emergência ou conflito, onde o
conflito não tenha sido fabricado por nós mesmos ao violarmos o princípio da
igual consideração.
19. Pergunta: A posição dos direitos animais não
representa um ponto de vista “religioso”?
Resposta: Não, não necessariamente, embora a
ideia de que não devemos tratar os animais como coisas esteja, de fato,
presente em alguns sistemas religiosos majoritariamente não ocidentais, como o
jainismo, o budismo e o hinduísmo. A ironia é que a noção da superioridade
humana, usada para justificar práticas como a criação animal, a vivissecção e
outras, frequentemente representa uma posição religiosa. De um modo geral, a
tradição judaico-cristã não apenas endossou a visão dos animais como coisas, mas
também constituiu um apoio fundamental às noções da superioridade humana em
relação aos animais e do direito humano ao uso dos animais como recursos.
Vimos, por exemplo, que a noção ocidental moderna de que os animais são
propriedade vem diretamente de uma determinada interpretação do
Velho Testamento, segundo a qual Deus criou os animais como recursos para o uso
humano. Com frequência, a base para os argumentos a favor das distinções
qualitativas entre os humanos e os animais não tem passado de uma suposta
superioridade concedida aos humanos por Deus, a qual, por sua vez, se baseia na
sorte que os humanos tiveram de ser feitos “à imagem de Deus”.
A posição dos direitos
animais articulada neste livro não se apoia em nenhuma crença teológica; ela requer
apenas uma simples aplicação do princípio da igual consideração. Os humanos não
possuem de modo exclusivo nenhuma característica especial, nem estão livres de
nenhum defeito que atribuem aos animais.
20. Pergunta: É claro que a quantidade de
sofrimento animal incidental ao uso que fazemos dos não humanos é horrenda, e não
deveríamos estar usando animais para propósitos “frívolos”, por exemplo, o
entretenimento. Mas como você pode esperar que as pessoas desistam de comer
carne?
Resposta: Sob vários aspectos, esta é uma questão
apropriada para concluir nossa discussão porque a pergunta, em si, revela mais
sobre a história da relação humanos/animais do que qualquer teoria, e demonstra
nossa confusão quanto às questões morais em geral.
Muitos humanos gostam de
comer carne. Eles sentem tanto prazer comendo carne que acham difícil manter-se
neutros quando consideram as questões morais acerca dos animais. Mas a análise
moral requer, no mínimo, que não deixemos nossas tendências óbvias
interferirem. A criação animal destinada a comida é a mais significativa fonte
de sofrimento animal no mundo atualmente, e é absolutamente desnecessária. De
fato, a criação animal tem efeitos devastadores sobre o ambiente, e um número crescente
de profissionais da saúde tem afirmado que a carne e os outros produtos de
origem animal são prejudiciais à saúde humana. Poderíamos viver sem matar
animais e seríamos capazes de alimentar ainda mais humanos—os seres com os quais
sempre dizemos nos preocupar quando procuramos justificar a exploração animal—se
abandonássemos completamente a criação animal.
O desejo de comer carne obscureceu algumas das melhores mentes da história da humanidade. Charles Darwin
reconhecia que os animais não eram qualitativamente diferentes dos humanos e
possuíam muitas das características que haviam sido vistas como exclusivamente
humanas—mas ele continuou a comê-los. Jeremy Bentham argumentava que os animais
tinham interesses moralmente significativos porque podiam sofrer, mas também
continuou a comê-los.
É difícil abandonar velhos
hábitos, mas isso não quer dizer que eles sejam moralmente justificáveis. É
precisamente nas situações em que questões morais e fortes
preferências pessoais entram em jogo que devemos tomar mais cuidado para pensar com clareza.
Mas, como mostra o caso da carne, às vezes são nossas preferências brutais que
determinam nosso pensamento moral, e não o inverso. Já ouvi isto de muita
gente: “Sim, eu sei que é moralmente errado comer carne, mas simplesmente adoro
hambúrguer”.
Lamentavelmente para
aqueles que gostam de comer carne, isso não é um argumento, e ter um fraco por
carne não justifica, de modo algum, a violação de um princípio moral. Nossa
conduta meramente demonstra que, apesar do que dizemos sobre a importância
moral dos interesses dos animais, estamos dispostos a ignorar esses interesses
sempre que isso nos beneficia—mesmo quando o benefício não passa do nosso
prazer ou conveniência.
Se levarmos a moralidade a
sério, temos de encarar de frente o que ela dita: se é errado Simon torturar cães
por prazer, então é moralmente errado comermos carne.
(*) N. da T.: Esta mesma questão foi publicada também no blog Perguntas mais frequentes, parte 2, em que Francione acrescentou o seguinte trecho:
Além disso, mesmo se Hitler fosse vegetariano, e daí? Ele não era vegano. Não há diferença lógica ou moral entre as carnes, os laticínios e os ovos. Então, mesmo se Hitler não comesse carne, ele participava diretamente de uma forma de exploração animal que é, em tudo e por tudo, tão objetável, no plano moral, quanto o consumo de carnes de animais.
©Gary L. Francione
© Tradução: Regina Rheda