quinta-feira, 30 de setembro de 2010

A posição de Singer sobre os peixes é suspeita*

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 28 de setembro de 2010

Caros(as) colegas:
Em um artigo recente, Peter Singer argumenta:
Precisamos aprender como capturar e matar peixes selvagens de modo humanitário – ou, se isso não for possível, achar alternativas menos cruéis e mais sustentáveis a comê-los.
Uma alternativa? Que tal vegetais como verduras, frutas, legumes, nozes e grãos?
Como já argumentei aqui e em outros lugares, Singer toma por certo que o uso de peixes (ou outros animais) para comida — se os animais forem tratados de modo “humanitário” — não é, em si, moralmente objetável porque, segundo Singer, os peixes não têm sentido de futuro e, portanto, não têm interesse em continuar a viver, mas têm interesse apenas em não sofrer.
A posição de Singer de que apenas os seres com um sentido de autoconsciência semelhante ao humano têm interesse em viver (enquanto distinto de não sofrer) é especista. Um peixe valoriza a vida dele, exatamente como eu valorizo a minha e você valoriza a sua. O peixe pode pensar sobre a vida dele de uma maneira diferente de eu pensar sobre a minha. E daí? Ele prefere ou quer ou deseja continuar vivendo. Exatamente como eu faço. Exatamente como você faz. Exatamente como qualquer ser senciente faz.
Além do mais, Singer mais uma vez escolhe ignorar o fato de que como os animais são propriedade, os padrões do bem-estar não superarão, salvo raras exceções, o nível que é necessário para assegurar que os animais sejam explorados de modo eficiente. Nós raramente melhoramos os padrões do bem-estar, a menos que haja um benefício econômico envolvido. Os mecanismos da realidade econômica mantêm os padrões do bem-estar muito baixos. O bem-estar animal simplesmente não funciona em termos práticos.
No artigo, Singer também declara:
As regulações para o abate geralmente requerem que os animais sejam deixados inconscientes instantaneamente, antes de ser mortos, ou que a morte seja efetuada instantaneamente, ou, no caso do abate ritual, tão próxima de instantaneamente quanto a doutrina religiosa permita.
Não para os peixes. Não se requer abate humanitário para peixes selvagens capturados e mortos no mar, nem, na maioria dos lugares, para peixes criados em fazenda.
Para mim, é para lá de chocante que Singer ache que as regulações que supostamente exigem um abate “humanitário” são algo mais do que tentativas  de fazer os humanos se sentirem mais à vontade quanto aos horrores dos matadouros. Se Singer alguma vez esteve num matadouro — seja um convencional, ou um projetado por Temple Grandin, que foi premiada pela PETA — e pensa que as palavras “humanitário” e “abate” combinam uma com a outra, então ele não estava prestando atenção ao que acontece na sala de abate. Repetidas vezes, vimos que o atordoamento e a sangria são frequentemente feitos de modo inadequado, e, mesmo se fossem feitos de modo adequado, chamar essa tortura de “humanitária”, em qualquer nível e de qualquer modo que seja, é profundamente perturbador.
Finalmente, como Singer e outros bem-estaristas vêm o veganismo apenas como um modo de reduzir o sofrimento, e não como uma exigência de justiça que nos proíbe usar os animais como recursos dos humanos por mais “humanitário” que seja o modo de usá-los, eles não podem propor o veganismo como outra coisa que não um padrão “flexitariano”, e eles apoiam a exploração “feliz”, que recomendam como “compassiva”. Singer sustenta que o veganismo consistente é “fanatismo” e que podemos, moralmente, nos dar o “luxo” de comer produtos animais “humanitários”.
Se você não for vegano(a), torne-se vegano(a). É muito fácil, melhor para a saúde e o planeta. E o mais importante de tudo é que é a coisa moralmente certa e justa a fazer.
Se você for vegano(a), então eduque os outros de um modo criativo e não violento.
Gary L. Francione
© 2010 Gary L. Francione
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* No original: Singer’s Position on Fish is Fishy. O titulo em inglês é um trocadilho com as palavras fish e fishy. (Nota da tradutora).
Tradução: Regina Rheda

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Sente-se, cale-se, seja feliz, assine um cheque e assista ao show

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 27 de setembro de 2010

Chris Hedges escreveu um ótimo artigo, “Retribution for a World Lost in Screens”. Embora Hedges não discuta a questão animal, seu artigo pode nos ajudar a entender o “movimento” de defesa animal atual e por que ele está fracassando. Hedges argumenta que em nossa cultura moderna, focada no computador, nós deixamos de buscar a habilidade de entender ou empatizar; buscamos apenas a autogratificação, a ilusão do empoderamento e a diversão. Quem não pintar uma cara risonha em qualquer problema e não propuser uma solução rápida é descartado como “negativo” e “pessimista”.
Estamos presidindo o tratamento e a matança implacáveis, sem paralelo na história humana, de bilhões de seres sencientes. Isso está ocorrendo bem na frente de nossos olhos. Em vez de nos levantarmos como uma força não violenta unificada para dizer “não” a esse sofrimento e morte inimagináveis, tentamos transformar esse buraco negro moral em entretenimento. Temos festas de gala apresentadas por não veganos, com transmissão de vídeo via streaming que nos permite ver um grupo de patéticos narcisistas recebendo prêmios, mulheres nuas dentro de jaulas “em prol dos animais”, e líderes do bem-estar animal que se associam a exploradores institucionais e nos asseguram que pode-se tratar dos “piores” aspectos da exploração animal por meio de reformas insignificantes, para que possamos simplesmente relaxar e ser felizes porque tudo vai ficar bem — contanto que façamos doações, é claro.
Temos entretenimento constante, desde “conferências”, que não passam de feiras de comércio para corporações grandes de bem-estar animal, até “caminhadas pelos animais”, para que as pessoas preocupadas com os animais possam se encontrar e se sentir bem quanto a expressar seu apoio ao tratamento “humanitário” e à “compaixão”, e a protestar contra o “abuso” — noções vazias e das quais ninguém discorda em termos abstratos, de qualquer maneira. Propõem-nos concursos para desenhar camisetas com slogans sobre fazendas industriais intensivas e nos apresentam filmes sobre projetistas de matadouros “visionárias” que recebem prêmios de grupos a favor dos “direitos animais”.
Dizem-nos que não é nem necessário, nem desejável, dizer “não” a participar da exploração animal sendo vegano e promovendo o veganismo como uma base moral clara. Não é necessário porque as reformas do bem-estar e a exploração “feliz” podem tratar do problema de um modo mais “prático”. Não é desejável porque não queremos que o público fique infeliz, e qualquer solução que exija uma mudança verdadeira pode interferir com a incansável busca por diversão e soluções fáceis. O público pode ir suficientemente bem sendo “onívoro consciencioso” ou “carnívoro compassivo”, e comendo carne ou outros produtos animais que portem um selo “humanitário” patrocinado por esta ou aquela organização grande ligada à causa animal.
Não se tolera que alguém critique a inchada e ineficaz máquina de entretenimento chamada “o movimento”, aliás um nome errado porque não há movimento para lugar nenhum, a não ser para trás. A crítica interfere com nosso desejo de acreditar nos bem-estaristas corporativos que nos dizem que podemos curar o câncer moral assinando um cheque, calando a boca, sentando e assistindo ao show. É como alguém falando na platéia do cinema quando estamos tentando ver e desfrutar algum filme tolo. Interfere com a diversão. E em nossa sociedade —  e dentro do “movimento de defesa animal” — esse é o pecado mais grave de todos.
Se o planeta sobreviver e a história nos julgar quanto a alguma coisa, não vai ser que deveríamos ter contribuído mais para as corporações de bem-estar animal para que elas pudessem ter feito campanhas maiores sobre ovos de aves livres de gaiolas ou bezerros livres de baias individuais. Vai ser que, diante da implacável destruição dos seres mais vulneráveis entre nós — humanos e não humanos — ficamos apenas assistindo ao show.
Se você não for vegano(a), torne-se vegano(a). É muito fácil, melhor para a saúde e o planeta. E o mais importante de tudo é que é a coisa moralmente certa e justa a fazer.
Se você for vegano(a), então eduque os outros de um modo criativo e não violento.
O veganismo ético é uma maneira poderosa de dizer “não”.
Gary L. Francione
© 2010 Gary L. Francione
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Tradução: Regina Rheda

terça-feira, 28 de setembro de 2010

Bem-estar animal, ação direta militante, mantras e fé cega

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 26 de setembro de 2010

Caros(as) colegas:
Muitos de vocês expressam frustração pelo fato de que, quando tentam levar uma discussão com outros defensores dos animais sobre o tema abolição vs. regulamentação, ou o tema educação vegana não violenta vs. ação direta militante, vocês descobrem que os defensores das reformas bem-estaristas ou da violência não têm nada de substancial a dizer.
A explicação para isso é que a crença nas reformas do bem-estar ou na violência não se baseia na razão; baseia-se na fé cega, que é parecida com a mentalidade de culto. Com respeito aos bem-estaristas, você pode apresentar uma argumentação cuidadosamente razoada para mostrar que o bem-estar não funciona e, por causa de fatores econômicos, não pode funcionar. Você pode mostrar como as reformas do bem-estar fracassaram historicamente. Você pode mostrar como as campanhas do bem-estar contemporâneas são profundamente falhas sob todos os aspectos. Você pode apresentar uma análise razoada.
Os bem-estaristas não têm absolutamente nada a dizer em resposta, exceto repetir o mantra: “mas nós temos de fazer alguma coisa agora para ajudar os animais”. Você pode responder que, em termos factuais, as reformas do bem-estar não ajudam os animais “agora”, e você pode mostrar empiricamente como é isso mesmo que acontece. Você pode mostrar como, historicamente, a reforma bem-estarista fez e continua fazendo o público se sentir mais à vontade quanto à exploração animal. A resposta deles é simplesmente outro mantra: “você está sendo divisionista”. Isso se traduz como: “nós não temos nada a dizer em resposta, então cale a boca e apoie o bem-estar porque seu questionamento está interferindo com a nossa arrecadação de fundos”. Ou eles dizem: “você está sendo negativo”. Tradução: “você discorda do bem-estarismo e da exploração ‘feliz’, portanto você deve estar errado”.
Você pode apresentar os argumentos a favor do veganismo como base moral, ou os argumentos contra as campanhas de um só tema. Os bem-estaristas não respondem com uma análise razoada. Eles simplesmente reafirmam a distinção arbitrária entre a carne e os outros produtos animais; eles simplesmente reafirmam que a pele é diferente da lã ou do couro. Eles proferem mantras como “mas muitos de nós foram vegetarianos antes de virar veganos”. E daí? A maioria dos defensores dos animais esteve envolvida com organizações bem-estaristas que continuamente pintam o veganismo como difícil ou intimidador e apresentam o vegetarianismo como uma posição moral coerente. É de admirar que muitos veganos foram vegetarianos primeiro? E isso tem relevância para determinar se, em termos de princípios fundamentais, o veganismo deve ser a base moral? Não, é claro que não.
Outro mantra bem-estarista muito estimado é “guarde suas críticas para os exploradores”. Mas a ideologia bem-estarista, incluindo a promoção da carne “feliz” e dos produtos animais “humanitários”, é exploração. Portanto o mantra nem chega a entrar no debate; ele simplesmente nega, sem qualquer substância, que o bem-estarismo e a exploração “feliz” sejam exploração.
O razoamento não tem lugar onde a moeda corrente é a fé cega e onde qualquer análise critica é considerada uma heresia. Ainda bem que ser queimado vivo na estaca não é mais permitido, senão os altos sacerdotes do bem-estar animal estariam engajados numa inquisição moderna.
Aqueles que promovem a violência também se comportam de modo parecido, como num culto. Eles proferem incessantemente o mantra “devemos usar de violência contra os exploradores”. Fora as questões morais e filosóficas suscitadas pela violência em geral, você pode lhes explicar, em termos práticos, que os reais exploradores são aqueles que criam a demanda por produtos animais, em primeiro lugar. Os exploradores institucionais certamente são culpáveis também, mas eles estão respondendo a uma demanda do público por produtos animais. É como contratar um matador de aluguel; os exploradores institucionais praticam a matança, mas aqueles que consomem os produtos animais e geram a demanda estão, efetivamente, contratando os matadores institucionais para praticarem aquela matança. Na lei penal, tanto quem contrata o matador quanto o matador são culpados pelo crime, e qualquer pessoa capaz de pensar com clareza pode entender por que ambos são igualmente culpáveis, conforme a lei.
Você pode chamar a atenção das pessoas que apoiam a violência para o fato de que se dez matadouros forem fechados por causa de uma ação direta hoje, outros dez surgirão amanhã, ou dez já existentes aumentarão sua capacidade de produção desde que a demanda continue a mesma. Você pode observar que eles, os apoiadores da ação direta militante, são exploradores, pois muitos deles nem ao menos são veganos. Você pode observar que os defensores da violência, que frequentemente são também defensores das reformas do bem-estar animal, não conseguem entender que aqueles que promovem a carne “feliz” e a exploração “humanitária” estão promovendo a exploração.
A resposta? Eles simplesmente reafirmam seu mantra de que a violência é necessária. Nenhum razoamento; nenhuma análise crítica. Eles não oferecem nada além da asserção de slogans que não significam nada, normalmente em voz alta e quase sempre acompanhados de chavões e xingamentos infantis.
Então, se você sente frustração ao lidar com bem-estaristas ou com apoiadores da violência, entenda que você não está lidando com a razão. Você está lidando com a fé cega. Você está lidando com a mentalidade de culto. Infelizmente, você não pode ter uma discussão razoada com muitas dessas pessoas porque razoamento e razões simplesmente não importam para elas, nem informam o que elas pensam. A reação usual dessas pessoas a argumentos substantivos, aos quais elas não são capazes de responder, é dizer slogans sem significado ou fazer um ataque pessoal de uma forma ou de outra.
O principal é que os argumentos lógicos e a evidência empírica são claros: o bem-estar animal não funciona, e promover a violência para tratar da questão da exploração animal demonstra uma completa ignorância dos mecanismos culturais e da realidade econômica dessa exploração.
A exploração animal está em toda parte. Há somente um meio de ela mudar um dia: se nós desviarmos o paradigma dos animais como coisas, como propriedade, e o direcionarmos para os animais como pessoas não humanas que são reais membros da comunidade moral. Isso não vai acontecer de nenhum modo significativo enquanto os animais ainda estiverem em nossos pratos e nossas mesas, ou sobre nossos corpos, ou em nossos pés, ou nos produtos que usamos. Precisamos dizer “não” à exploração animal em nossas próprias vidas e precisamos conscientizar os outros por meio da educação vegana não violenta e criativa.
Se você não for vegano(a), torne-se vegano(a). É muito fácil, melhor para a saúde e o planeta. E o mais importante de tudo é que é a coisa moralmente certa e justa a fazer.
Se você for vegano(a), então eduque os outros de um modo criativo e não violento.

Gary L. Francione
© 2010 Gary L. Francione
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Tradução: Regina Rheda

domingo, 26 de setembro de 2010

O significado de “humanitário”

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 25 de setembro de 2010

Caros(as) colegas:
Sempre ouvimos a palavra “humanitário” associada à situação que somente existirá se for adotada esta ou aquela reforma do bem-estar, que é o tema desta ou daquela campanha feita por esta ou aquela corporação grande de bem-estar animal (e para a qual sua contribuição é necessária “em prol dos animais”).
Como qualquer pessoa que lê este blog ou meus outros trabalhos sabe, eu acho que o padrão do tratamento “humanitário” de animais, os quais são propriedade, geralmente ficará limitado ao nível de proteção que é necessário para explorar os animais de um modo economicamente eficiente. Em outras palavras: salvo raras exceções, nós somente gastamos dinheiro para proteger os interesses dos animais quando um benefício econômico resulta disso.
Uma recapitulação da história das reformas do bem-estar indica que a maioria daquelas que foram implementadas se encaixa nesse modelo, e que essas reformas fazem pouco além de aumentar a eficiência da produção. As reformas fazem muito pouco para aumentar a proteção que damos aos interesses dos animais. O principal benefício das reformas “humanitárias” é que elas fazem os humanos se sentirem melhor quanto a explorar animais.
Então vamos deixar claro que quando fazemos a proposição de que uma reforma vai tornar o tratamento animal mais “humanitário”, o que realmente queremos dizer é:
1. a reforma poderá resultar em uma tortura um pouquinho menos intensa do que a que existe atualmente, mas os animais continuarão a ser torturados (e, em muitos casos, a reforma nem sequer resultará em menos tortura);
2. a reforma geralmente tornará a produção animal mais eficiente ao reduzir os custos de produção;
3. a reforma não fará nada para afastar os animais da condição de propriedade e, na verdade, irá emaranhá-los ainda mais nela;
4. a reforma fará os humanos se sentirem melhor quanto ao uso de animais.
É uma proposição em que todo mundo sai ganhando. Os produtores se beneficiam porque sua lucratividade aumenta e porque eles podem alegar que “se importam” com os animais (vejam o Whole Foods). Os grupos de defesa animal podem solicitar doações tanto para a campanha quanto como uma recompensa pela suposta “vitória”, e podem bancar os heróis.
Só os animais é que saem perdendo.
Se vocês não forem veganos(as), tornem-se veganos(as). É muito fácil, melhor para a saúde e o planeta. E o mais importante de tudo é que é a coisa moralmente certa e justa a fazer.
Gary L. Francione
© 2010 Gary L. Francione
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Tradução: Regina Rheda

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

A reação do grupo VIVA! e a minha resposta

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 22 de setembro de 2010

Caros(as) colegas:
Postei um texto sobre as observações do grupo VIVA! conforme divulgadas no Sunday Mail (um jornal britânico), a respeito da venda, no Reino Unido, de carne de animais abatidos de acordo com o método halal.
Uma “Resposta do VIVA!” foi postada no Opposing Views, onde meu texto foi republicado:
Resposta do Viva!
Gary, talvez você se interesse em saber que o Daily Mail não falou com o Viva!. O que eles fizeram foi citar um trecho do nosso website. Está provado que o abate ritual sem atordoamento prévio é mais cruel, mas nós somos contra todos os tipos de abate. É claro que não existe abate humanitário.
Nós tentamos, em todas as oportunidades, promover o veganismo como a escolha mais ética para proteger os animais. No entanto, você tem de entender que a mídia tem sua própria agenda. Se tivéssemos falado com o Daily Mail quando a matéria estava sendo feita (falamos com eles desde então), poderíamos ter promovido o veganismo até ficar roxos. Eles vão publicar o que quiserem publicar. Por favor, tenha isso em mente, antes de nos criticar ou criticar outros grupos futuramente. Agradecemos.
- Justin Kerswell. 21 de setembro de 2010, 11:06H
Eu confirmei que essa resposta era, de fato, do VIVA!
Eis a minha resposta:
Caro Justin:
Obrigado por sua resposta. Infelizmente, ela não aborda as minhas preocupações, exceto para reforçá-las.
A islamofobia e o abate halal
Supondo que o que você diz é verdadeiro (e eu acredito que seja), e que o Sunday Mail não falou com o VIVA! e citou um trecho do website desse grupo, então a questão na realidade é mais séria, pois as observações xenófobas atribuídas ao VIVA! não podem ser caracterizadas como uma declaração deslocada de seu contexto original, mas representam uma considerada declaração de política desse grupo. À luz da desenfreada islamofobia no Reino Unido (e outros lugares), talvez seja uma boa ideia remover essa declaração de seu website. Não é benéfico dizer que o VIVA! apoia o multiculturalismo, quando faz observações como essas, particularmente dado que ambos sabemos que os animais que são atordoados são, frequentemente se não rotineiramente, atordoados de maneira inadequada. Então estou confuso quanto a por que vocês pensam que é útil fazer uma distinção entre o abate halal e o abate convencional.
Além do mais, a declaração atribuída ao VIVA!, que você não desmente (“Os consumidores podem fazer sua parte, boicotando os lugares que insistem em vender carne de animais não atordoados”) passa uma mensagem clara e explícita de que o problema é o abate halal (ou kosher) e que a solução é boicotar a carne de animais não atordoados. Uma declaração muito melhor teria sido: “Os consumidores que se importam com essas questões precisam considerar se deveriam estar consumindo qualquer produto animal que seja, porque todos os produtos animais são o resultado da tortura e da matança injustificável de animais não humanos”. Como digo, o VIVA! perdeu uma oportunidade de educar, aí. De novo: dado que, frequentemente, os animais atordoados não são de fato atordoados, a distinção que vocês fazem fracassa em seus próprios termos, e não apenas em termos do contexto mais amplo de que o problema é o uso de animais, e não um determinado tratamento dado aos animais nem a exploração animal praticada por um determinado grupo de pessoas.
VIVA! e o veganismo
Sua afirmação “Nós tentamos, em todas as oportunidades, promover o veganismo como a escolha mais ética para proteger os animais” simplesmente não está correta.
O fato é que o VIVA! promove ativamente o vegetarianismo em seus websites (já que o VIVA! tem sucursais em diferentes países) como uma alternativa moralmente coerente a ser onívoro, e caracteriza o veganismo como uma coisa opcional que as pessoas podem fazer se escolherem ir mais longe. Até onde o VIVA! distingue a carne dos outros produtos animais, o grupo perpetua a ideia de que há uma distinção moralmente coerente entre eles, e ambos sabemos que isso é um absurdo. Os laticínios e os outros produtos que não a carne são responsáveis por tanto sofrimento quanto a carne, se não por mais sofrimento ainda, e todos os produtos animais, seja como for sua produção, são o resultado da morte de animais. Promover o vegetarianismo em vez do veganismo não difere, logicamente, de promover o consumo de carne de vaca malhada em vez de carne de vaca marrom. O raciocínio empregado pelo VIVA! é precisamente o mesmo que tem sido usado para apoiar as campanhas a favor de coisas como não comer vitela. Não há nenhuma diferença entre a vitela e a carne dos outros animais, nem entre a carne e os outros produtos animais.
O website do VIVA! do Reino Unido vende livros que contêm receitas com produtos animais e tem anúncios de restaurantes/pousadas que servem produtos animais. Como vocês podem dizer “Nós tentamos, em todas as oportunidades, promover o veganismo”, quando vocês vendem livros com receitas contendo produtos animais e promovem lugares que servem produtos animais? Esta é uma pergunta retórica. Ao promover esses livros e empreendimentos comerciais, vocês estão declarando claramente ao público que há uma distinção entre a carne e os outros produtos animais.
O grupo VIVA! não apenas promove a noção de que o vegetarianismo é uma alternativa coerente a ser onívoro, como também perpetua o absurdo de que tornar-se vegano é difícil ou “intimidador” (palavra usada pelo VIVA! conforme aparece num comentário do próprio grupo em seu site no Facebook) e que o vegetarianismo é um tipo de porta de entrada. Essa postura apenas reforça a propaganda de que o veganismo é uma posição extrema que só pode ser alcançada por pessoas hercúleas. É precisamente esse tipo de postura que faz o público desconsiderar o veganismo e contribui para a existência do grande número de pessoas “ligadas à causa animal” que nunca viraram veganas. Se temos a clareza de que o veganismo é a base moral, então devemos declarar isso, e as pessoas que ainda não estiverem preparadas para tornar-se veganas escolherão dar algum tipo de passo provisório, mas pelo menos a mensagem será clara.
Se o VIVA! realmente promove o veganismo, por que declara em seu website que  “Viva! se opõe a todo tipo de abate e promove o vegetarianismo como o único modo verdadeiramente efetivo de prevenir o sofrimento animal”? Nós não vamos cessar o sofrimento sendo meros vegetarianos. Se o veganismo é realmente a sua agenda, e não uma mudança opcional (e “intimidadora”) de estilo de vida, por que vocês fazem essas declarações que meramente confundem as pessoas? Da forma que as coisas estão agora, qualquer leitor dos websites do VIVA! ficaria com a impressão de que o vegetarianismo é uma posição moral perfeitamente OK; de que a carne é “pior” do que os laticínios; e de que o veganismo é uma opção – e uma opção difícil e “intimidadora” –  mas não uma base moral. Quantos membros do VIVA! são clientes dos restaurantes/pousadas que vocês anunciam em seu site, e consomem leite e queijo nesses lugares? Quantos membros do VIVA! compraram livros de receita não veganos do VIVA! e prepararam refeições com produtos animais?
Quem realmente busca a abolição da exploração animal deveria parar de participar da propaganda “o veganismo é tããããão difícil” e deveria rejeitar a noção do vegetarianismo (ou outras campanhas de um só tema) como uma “porta de entrada” para o veganismo. (Para mais sobre este tema, por favor ouçam meu Comentário e leiam meu texto complementar, meu texto geral sobre os argumentos da “porta de entrada” e meu texto “Vegetarianism First?”, que foi publicado na The Vegan).
Finalmente, seus sites enfatizam a criação intensiva industrial como sendo o problema, como se a questão fosse como esses produtos são feitos e não que eles são feitos. Isso contribui para a confusão do público sobre esses temas e reforça a noção de que a questão é o tratamento e não o uso.
Meus pedidos ao VIVA!
1. Em suma, permaneço preocupado com o fato de que, particularmente no clima atual, seus comentários sobre o abate halal são islamofóbicos, e peço que esclareçam essas declarações em seu website para deixarem claro que o problema não é o abate halal mas todo e qualquer uso de animais. Peço que ponham toda exploração no mesmo barco e não designem um barco separado para os islâmicos (ou os judeus).
2. Peço que, se o veganismo for sua verdadeira agenda, assumam e digam isso abertamente, e parem de perpetuar a fantasia de que a carne é, de algum modo, “pior” do que os laticínios ou os outros produtos.
3. Peço que o VIVA! pare de caracterizar o veganismo como uma coisa difícil ou intimidadora. Não é. Na realidade, o veganismo é muito fácil e, hoje em dia, as pessoas podem encontrar alternativas veganas para praticamente qualquer tipo de comida de origem animal que elas apreciarem. Que tal o VIVA! fazer uma campanha “O veganismo é fácil”?
Eu reitero: se vocês promoverem claramente o veganismo como a base moral, pode ser que as pessoas que estão preocupadas com essa questão escolham fazer menos do que ser veganas, mas pelo menos elas não poderão apontar para o VIVA! e alegar, corretamente, que vocês colocaram um selo de aprovação na escolha de continuar consumindo produtos de origem animal "menos maus".
4. Peço ao VIVA! que, por favor, pare de vender livros de receitas que promovem o uso de produtos animais e pare de anunciar restaurantes/pousadas que servem produtos animais.
Obrigado.
Gary
Gary L. Francione
- Professor, Rutgers University


***********
Pós-escrito de 26 de setembro de 2010:
Em uma resposta adicional do grupo Viva! que foi postada no Opposing Views, o VIVA! declara:
Em todas as instâncias, nossa definição de vegetariano é vegano – tanto que promovemos o veganismo como a mais ética de todas as dietas, mas reconhecemos que as pessoas chegam lá em seu próprio ritmo.
Essa asserção é factualmente incorreta. O material e os websites do Viva! fazem constante e consistentemente uma distinção entre “vegetariano” e “vegano”. O Viva! não define “vegetariano” como “vegano”.
Além do mais, se o Viva! quer promover o veganismo, não há necessidade de fazer confusão linguística – simplesmente use “vegano”.
E conforme declarei acima, podemos reconhecer que as pessoas “chegarão lá em seu próprio ritmo”, mas não podemos aceitar que esse “lá” seja menos do que o veganismo. No presente momento, o Viva! está passando a mensagem de que existe uma distinção moralmente coerente entre a carne e os outros produtos animais. Não existe.
Finalmente, vejo que, até agora, o Viva! continua vendendo livro de culinária que tem receitas não veganas e continua promovendo restaurantes/pousadas que servem comida não vegana. Isso diz muito.
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© 2010 Gary L. Francione
Tradução: Regina Rheda

terça-feira, 21 de setembro de 2010

Uma oportunidade perdida

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 19 de setembro de 2010

Caros(as) colegas:
Fico triste toda vez que uma questão vem à baila nas notícias e os defensores dos animais rejeitam a chance de educar o público sobre o veganismo porque querem, em vez disso, embarcar na caravana neobem-estarista e fazer o público se sentir melhor quanto à exploração animal.
Hoje, no jornal britânico The Mail on Sunday, saiu uma reportagem dizendo que muita carne servida na Grã-Bretanha é halal, ou de animais abatidos de acordo com a lei islâmica. O abate halal se assemelha ao ritual de abate judaico kashrut e envolve fazer um profundo corte no pescoço do animal, rompendo as veias jugulares e as artérias carótidas de ambos os lados, mas deixando a medula espinhal intacta. Os animais mortos desse modo não são atordoados, e os abates halal e kosher têm recebido críticas de quem os considera cruéis e causadores de mais dor e sofrimento do que o método de abate com atordoamento, que teria a finalidade de deixar o animal inconsciente antes dele ser morto.
Muitas pessoas no Reino Unido estão perturbadas com a ideia de que a carne que elas estão comendo é de animais que não foram mortos de modo “humanitário”.
Eu diria que nenhum animal consumido por seja quem for, na Grã-Bretanha ou em qualquer outro lugar do planeta, foi tratado e morto de um modo que possa ser chamado de “humanitário” sem se fazer um uso repulsivamente errado dessa palavra.
Então a reportagem deu, aos defensores dos animais, a oportunidade de explicar, a um público preocupado, que não existe essa coisa de “carne produzida de modo humanitário”; que todo tipo de carne — e todo tipo de produto animal — provém de animais não humanos que foram torturados, mesmo nas melhores condições. E não podemos justificar o fato de matarmos animais sob qualquer circunstância que seja, quando nossa única justificativa é que eles têm um sabor gostoso.
Os defensores dos animais agarraram a oportunidade?
Não.
Em vez disso, eles caracterizaram o tema como uma questão envolvendo a prática de uma determinada religião. Por exemplo, o grupo VIVA! foi citado no artigo:
Outras práticas que podem ocorrer por razões religiosas, como a poligamia ou o apedrejamento de adúlteras, não são permitidas no Reino Unido.
A liberdade religiosa não sobrepuja outras considerações morais, e o sofrimento causado por essa forma de abate é tão grave que não se deve permitir que a religião nos impeça de fazer algo a respeito. Os consumidores podem fazer sua parte, boicotando os lugares que insistem em vender carne de animais não atordoados.
Acho uma tristeza que o grupo VIVA! tenha escolhido caracterizar isso como uma questão de uma prática islâmica concernente a como os animais são abatidos, em vez de que eles são abatidos. Infelizmente, os islâmicos não têm o monopólio dos maus tratos aos animais, e os comentários do VIVA! encorajam a islamofobia, que já está ocorrendo de maneira desenfreada no Reino Unido e nos Estados Unidos. E, como foi mencionado acima, os judeus usam um método semelhante de abate, e o método com atordoamento, que todo mundo pensa que é tão melhor do que o usado ou pelos islâmicos ou pelos judeus, também é realmente horrível.
Acreditar que há alguma diferença significativa entre a carne halal e a carne “humanitária” não passa de pura fantasia. Tudo isso envolve tortura e morte. É simplesmente desonesto perpetuar a ideia de que podemos, simultaneamente, considerar os animais como membros da comunidade moral e continuar a comê-los e comer produtos feitos a partir deles.
Sinto muito, mas todo mundo que consome animais está no mesmo barco. Não existe nenhum barco especial designado apenas para islâmicos ou judeus. Ao criticar o halal ou o kashrut, fazemos de conta que há uma diferença moralmente significativa, e que aqueles que comem carne de animais atordoados são moralmente superiores porque se importam mais com o bem-estar animal. Estamos novamente participando da atividade neobem-estarista favorita, que é tentar fazer as pessoas se sentirem bem quanto à exploração animal contanto que ela seja realizada “humanitariamente” e com consideração pelo “bem-estar animal”.
Devo dizer que muita carne vendida nos Estados Unidos, particularmente no nordeste, é de animais submetidos ao abate kosher, então a mesma questão também existe neste lado do Atlântico.
Em todo caso, a solução não é assegurar que você compre carne de animais atordoados, ou boicote lugares que vendem carne halal ou kosher.
A solução é se perguntar: se eu me importo com essa questão; se eu me oponho à tortura e à morte desnecessárias, então por que estou comendo carne ou qualquer outro produto animal que seja?
A resposta é ou reconhecer que você não se importa de verdade, ou começar a pensar seriamente em se tornar vegano.
É uma vergonha que grupos como o VIVA! continuem insistindo que o veganismo é intimidador demais para ser entendido por uma pessoa comum. Não é, e essa posição paternalista se torna uma profecia autocumprida, facilitando a caracterização do veganismo como exagerado ou “extremo”.
O que é difícil de entender, na verdade, é como um movimento social que supostamente se opõe à exploração animal pode se recusar a promover o veganismo como base moral, e, em vez disso, se contenta em promover as carnes e outros produtos animais “felizes” como superiores aos produzidos em fazendas intensivas, ou em perpetuar a ideia de que há uma distinção moral significativa entre a carne e os outros produtos animais.
Se você não for vegano(a), torne-se vegano(a). É muito fácil, melhor para a saúde e o planeta. E o mais importante de tudo é que é a coisa moralmente certa e justa a fazer.

Gary L. Francione
© 2010 Gary L. Francione
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Tradução: Regina Rheda

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Uma mensagem inspiradora

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 18 de setembro de 2010

Caros(as) colegas:
Ontem eu postei um texto no blog sobre a necessidade de promover o veganismo como princípio moral fundamental e de rejeitar a atitude negativa (e muito interesseira) dos grupos grandes de defesa animal, de que os onívoros simplesmente não podem entender a mensagem vegana. Esta manhã nosso site recebeu um e-mail, que foi encaminhado diretamente a mim, do professor Andrew Hunt, historiador da Universidade de Waterloo, em Ontário, Canadá.
O professor Hunt disse:
Olá: Sou professor de história na Universidade de Waterloo. No ano passado, nesta mesma época, eu era um onívoro que adorava simplesmente todo tipo de carne sobre a face da Terra. Agora sou vegano (faz quase 10 meses) e Gary Francione teve um grande papel nessa transformação. Eu o escutei e – em vez de fazer uma transição via vegetarianismo – fui direto para o veganismo.
Não conheço o professor Hunt pessoalmente. Nunca o encontrei. Antes de lhe escrever para pedir permissão para citar seu e-mail, eu nunca havia tido contato com ele.
Ao contrário do que prega a propaganda dessas organizações, as pessoas podem entender os argumentos a favor do veganismo. As pessoas podem levar a sério as ideias morais. As pessoas podem ser educadas. As pessoas querem aprender. As pessoas podem mudar. O professor Hunt não apenas se tornou vegano; ele iniciou um website que promove o veganismo, a não violência e a conexão entre direitos humanos e direitos animais.
Eu recebo muitas mensagens como essa. Elas me alimentam. A educação vegana criativa e não violenta pode funcionar e realmente funciona.
Não é necessário promover o vegetarianismo, e, dado que não há absolutamente nenhuma distinção moral coerente entre as carnes e os outros produtos animais, os defensores dos animais não deveriam fazer isso. E toda essa propaganda das carnes/laticínios/outros produtos “felizes” não tem nada a ver com ajudar os animais ou alcançar a abolição. Tem a ver com fazer os humanos se sentirem melhor quanto a explorar os não humanos.
Se você não for vegano(a), torne-se vegano(a). É fácil. É melhor para você e o planeta. E o mais importante de tudo é que é a coisa moralmente certa e justa a fazer.
Gary L. Francione
© 2010 Gary L. Francione
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Tradução: Regina Rheda

domingo, 19 de setembro de 2010

Anúncio importante: Sexta-feira sem peixes pequenos de criação intensiva

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 17 de setembro de 2010

Caros(as) colegas:
O dia de hoje marca o início de uma nova e importante campanha em prol dos animais:
Sexta-feira sem peixes pequenos de criação intensiva
O objetivo da campanha é incentivar as pessoas a não comerem, na sexta-feira, peixes criados em fazendas intensivas, e, em vez disso, consumirem outros produtos animais, para criar consciência no público quanto à má situação dos peixes pequenos produzidos em fazendas intensivas.
Por que peixe?
Embora seja verdade que todos os animais sofrem e o sofrimento de cada animal é o sofrimento dele ou dela, e é algo que ele/a não quer experienciar, e embora não possamos, sem tomar as questões morais como resolvidas, classificar o sofrimento de um animal como mais importante ou menos importante do que o de outro, decidimos focar apenas nos peixes e em nenhum outro animal, e propor que não se coma peixe de fazenda intensiva, em vez de propor o veganismo.
Fizemos isso por uma razão simples: o público simplesmente não é inteligente o bastante, ou não está emocionalmente preparado, para se confrontar com o fato de que todos os seres sencientes são... bem... sencientes. Isto é, os seres sencientes, em virtude de serem sencientes, não querem experienciar dor, sofrimento, aflição e outros estados negativos. Portanto, embora nesse sentido todos os seres sencientes sejam indistinguíveis no plano moral, nós decidimos fazer uma distinção reconhecidamente indefensável entre o peixe e outros animais não humanos porque precisamos trazer o público gradualmente para dentro disso tudo. A verdade poderia chocar o público, poderia sobrecarregar sua capacidade cognitiva, então decidimos que era melhor fazer de conta que comer peixe é moralmente distinguível de comer outros produtos animais, ou vestir ou usar produtos animais.
Esta campanha de vanguarda, focada em peixes pequenos criados em fazendas intensivas, é realmente uma campanha de “porta de entrada”, parte de uma estratégia geral que visa propor, eventualmente, o veganismo como base moral. Baseados nas atuais circunstâncias, faremos isso daqui a mais ou menos quatro séculos, mas teremos de ir bem devagar mesmo então. Agora estamos planejando anunciar as “Quintas-feiras sem peixes pequenos de criação intensiva” em algum dia do ano de 2020. Uma revolução começa com o primeiro passo!
As pessoas não vão virar veganas de um dia para o outro, vocês sabem. E nós estamos fazendo todo o possível para assegurar que mais pessoas não virem veganas, ao caracterizarmos constantemente o veganismo como difícil e ao tomarmos o cuidado de não promovê-lo como um princípio ou base moral. Devemos ser práticos, e não simplesmente ideológicos.
Devemos lembrar que muitos dentre nós não viraram veganos durante anos porque os grupos de defesa animal com os quais estávamos envolvidos nos diziam que era moralmente aceitável comer diversos produtos animais. É importante que esses erros sejam repetidos muitas vezes, senão todos os nossos erros terão sido em vão. Em vez de reconhecer que não há nenhuma distinção moral coerente entre a carne e os laticínios ou outros produtos animais, devemos continuar perpetuando a fantasia de que o vegetarianismo é uma postura moral significativa. Seria errado promover a posição de que todo uso de animais é injustificável e que o veganismo é a base moral, e, desse modo, dar às pessoas algo a que aspirarem, independentemente de onde elas estejam em um dado momento e do fato de elas estarem ou não preparadas para virar veganas na mesma hora. Em vez disso, devemos dizer que os padrões aquém do veganismo são OK, para fazê-las se sentir bem. Devemos dar nosso selo de aprovação ao consumo de vários produtos animais.
Embora tratemos temas de direitos humanos fundamentais como questões que têm uma resposta moralmente correta e incorreta (ninguém diz que a condição moral da escravidão, do estupro ou do abuso sexual infantil é uma questão de opinião), devemos sempre fingir que as questões da ética animal são simplesmente questões de escolha de estilo de vida, ou de preferência, ou de mera opinião, sem mais importância moral do que a escolha de um lugar para a gente passar as férias ou que tipo de música a gente aprecia. Devemos adotar o “flexitarianismo”, senão vamos parecer rígidos demais e correr o risco de ser considerados “fanáticos” pelas pessoas. É importante nunca caracterizar o veganismo como a base moral, como aquilo que devemos aos animais não humanos; é importante nunca ser honesto ou dizer francamente que não podemos justificar nosso consumo de qualquer produto animal que seja. Os humanos merecem justiça; os animais ganham apenas nossa misericórdia ou compaixão.
Por que peixes pequenos?
Boa pergunta! Decidimos focar nos peixes pequenos porque a maioria das pessoas não acha que peixe é um animal fofinho, então pensamos que elas talvez achem os peixes pequenos mais fofinhos do que os grandes. E, sendo defensores dos direitos animais, estamos muito cientes do velho ditado: “animal fofinho vende campanhas”. Pensando bem, a maioria das campanhas de um só tema se concentra em animais que nós, humanos, achamos atraentes, sejam eles filhotes de foca, ou elefantes, golfinhos, filhotes de cachorro, bezerrinhos, lobos, etc. Somente fomos levantar campanhas bem-estaristas de um só tema envolvendo porcos quando o filme Babe apareceu e deu pontos para a fofura dos porcos e outros animais de fazenda.
Embora não haja nenhuma distinção moralmente significativa entre um peixe grande e um pequeno (ou entre um peixe e uma vaca, etc.), pensamos com muito cuidado sobre essa questão e decidimos que o público simplesmente não estava pronto para lidar com a ideia de que não devemos comer nenhum peixe (ou nenhum produto animal), então resolvemos ir com calma e focar a atenção do público apenas em peixes pequenos e mais fofinhos. E depois do Finding Nemo, há mais pessoas achando que os peixes pequenos são fofinhos. Devemos alcançar as pessoas indo até onde elas estão.
Lembrem-se, temos de fazer isso passo a passo. O veganismo é extremamente difícil. Os grupos grandes vivem repetindo isso, portanto deve estar certo e não devemos discordar. Como podemos sequer pensar que as pessoas vão achar absolutamente deliciosos todos os maravilhosos alimentos veganos disponíveis hoje em dia? Como podemos sequer esperar que as pessoas levem a moralidade a sério?
Por que peixes pequenos criados em fazendas intensivas?
A resposta é fácil. Há três razões.
Primeiro, Peter Singer, o pai do movimento, deixou claro que os não humanos, diferentemente dos humanos, não têm a capacidade cognitiva tão sofisticada quanto a nossa, e o resultado disso é que eles não têm interesse em continuar a viver. Eles não têm o senso de ter uma vida, e suas vidas têm um valor menor em termos morais. Os animais não ligam para o fato de que os usamos e comemos; eles só ligam para o modo como os usamos. Eles só se importam em não sofrer demais e em ser mortos de um modo relativamente indolor, mas não ligam para continuar a viver.
Agora: os peixes estão bem lá embaixo, naquela escala cognitiva, segundo os bem-estaristas, e o resultado é que eles não ganham muitos pontos na escala que mede “quão próximo seu sentido de autoconsciência está daquele do humano adulto normal”. Portanto o problema não é comê-los, em si; o problema é fazê-los sofrer. Podemos nos dar o “luxo” de comer peixe, se o peixe tiver sido criado e morto de modo “humanitário”.
Segundo, ao focar nos peixes pequenos criados em fazendas intensivas, garantimos toda sorte de “vitórias” insignificantes que deixarão as pessoas mais tranquilas quanto a consumirem peixes pequenos “felizes”. Estamos tentando convencer Temple Grandin, que foi premiada pela PETA, a projetar novas instalações para matar peixes; e o supermercado Whole Foods, que foi premiado pela PETA, vende muitos corpos de peixes mortos e coloca cartazes dizendo que eles são “peixes selvagens” capturados em seu ambiente natural. Então as coisas já estão começando a mudar para os peixes! Já há vitórias! E é só uma questão de tempo para que todas as corporações grandes de bem-estar animal coloquem selos de “peixe morto feliz” em cadáveres de peixes. O resultado desses selos será mais dinheiro entrando nos cofres dessas corporações. Imaginem quanto o “peixe feliz” fará para ajudar os animais!
Terceiro, e mais uma vez, nós acreditamos que o público ainda não está pronto para lidar com a ideia de não comer todos os peixes pequenos. Estamos propondo meramente que eles não comam peixes pequenos criados em fazendas intensivas. O público não tem a inteligência que nós temos. Nós podemos achar os argumentos pró veganismo muito fáceis de entender, mas a maioria das pessoas tem a cabeça tão dura que nem dá para imaginar.
Sabemos que alguns defensores dos animais criticarão esta campanha e proporão que deveríamos estar educando o público sobre o veganismo; que deveríamos estar mudando o paradigma, afastando o discurso do tratamento e direcionando-o para o uso. Esses críticos são meros elitistas divisionistas que não reconhecem que o público é inacreditavelmente imbecil. Esses críticos não sabem reconhecer que a divergência racional é divisionista. Esses críticos não têm ideia do quanto esta campanha é vanguardista. Foi só em abril deste ano que a HSUS anunciou uma campanha para salvar focas fofinhas por meio do boicote aos peixes e frutos do mar canadenses e do consumo de peixes capturados e comercializados por outros países. E a HSUS nem sequer distinguiu peixes pequenos de grandes! Nossa campanha vai muito, muito além disso, pelo menos nas sextas-feiras. Embora não estejamos promovendo o boicote a todos os peixes e frutos do mar canadenses, estamos promovendo um boicote aos peixes pequenos de todos os países nas sextas-feiras. Estamos pedindo formalmente à HSUS que mude sua campanha e passe a promover o boicote aos peixes pequenos canadenses e também aos peixes pequenos de todos os outros países, mas apenas na sexta-feira porque não queremos ser radicais demais.
Embora seja verdade que muita gente vai comer apenas carne de vaca, ovo e sorvete em vez de peixe, ou talvez coma peixe “selvagem” vendido por um comerciante de peixe morto “feliz”, nós temos de fazer alguma coisa agora para ajudar os animais, e esta é a melhor coisa que conseguimos pensar.
Por fim, achamos que esta campanha realmente vai pegar porque as pessoas vão ter de fazer muito pouco em termos de mudar de verdade as coisas. Podemos lhes mostrar como elas podem ser “defensoras dos direitos animais” fazendo apenas isto: se abstendo de peixes pequenos de criação intensiva na sexta-feira. Elas vão se sentir tão bondosas que vão assinar um cheque para mandar a um dos grupos grandes de defesa animal. Outra vitória! E daqui a uma década conseguiremos fazê-las focarem em não comer peixes pequenos de criação intensiva na quinta-feira. E daqui a duas décadas conseguiremos fazê-las focarem nas quartas-feiras. E assim por diante. Depois focaremos em peixes de tamanho médio de criação intensiva. E o público nunca vai se dar conta. Somos tão inteligentes!
Portanto, pelos animais, por favor apoiem nossa campanha de vanguarda para ajudar o público mental e emocionalmente limitado a entender a verdade moral que apenas alguns dentre nós conseguem entender. Sim, sabemos que aqueles dentre vocês que são verdadeiramente elitistas e divisionistas vão querer ficar agarrados ao veganismo como princípio ou base moral. Para eles, dizemos: “Dane-se o princípio”.
*****
Francamente, eu não consigo entender o pensamento das pessoas que  defendem coisas como a Segunda-feira sem carne. Essas campanhas fazem distinções onde não há nenhuma, encorajam os outros a consumirem produtos animais em geral e supõem que o público é incapaz de entender uma ideia simples. Para conhecerem algumas ideias sobre como falar sobre veganismo com não veganos, ouçam meu recente Comentário sobre o assunto.
Os defensores dos animais que de fato se opõem a todo uso de animais não deveriam estar propondo o vegetarianismo (ou qualquer situação que fique aquém do veganismo) como um passo na direção do veganismo. Em primeiro lugar, todos nós conhecemos muitas pessoas que têm sido vegetarianas durante décadas e nunca viraram veganas, então, em termos empíricos, não está claro, de jeito nenhum, que o vegetarianismo seja algum tipo de passo transicional. Segundo, os vegetarianos tendem a comer mais laticínios e outros produtos animais quando desistem da carne. Esses outros produtos animais causam tanto sofrimento e tanta morte aos animais quanto a carne, se é que não causam mais ainda. Então, em termos de volume de sofrimento animal, uma dieta vegetariana com muito laticínio, ovo, etc. pode não ser melhor.
O argumento de que o público acha o veganismo difícil é uma profecia autocumprida: as organizações grandes de defesa animal são as piores ofensoras, reforçando constantemente a noção de que o veganismo é difícil e requer um sacrifício e uma força de vontade hercúleos. E mesmo se o público achar o veganismo difícil, isso não quer dizer que nossa mensagem deve mudar. Vivemos num mundo onde ainda existe muito racismo; as pessoas acham difícil parar de tomar decisões quanto à inclusão na comunidade moral baseadas na cor da pele. Isso quer dizer que devemos parar de promover a mensagem de que todo racismo é moralmente injustificável? Claro que não.
Devemos sempre deixar claro como a água que não podemos justificar o nosso consumo ou uso de produtos animais, quaisquer que sejam esses produtos. Se uma pessoa decide não se abster completamente, ou pelo menos não no começo, então deixe que isso seja a escolha dela, e não o resultado de pormos um selo de aprovação em algo aquém do veganismo. Nunca faríamos isso ao tratar de questões de direitos humanos fundamentais; o fato de fazermos isso no contexto dos animais é nada mais, nada menos que especismo.
Para mais discussão sobre as questões abordadas aqui, vejam os ensaios 1, 2, 3; e ouçam este Comentário sobre o vegetarianismo como uma suposta “porta de entrada” para o veganismo.
A luta pelos direitos animais não é simplesmente uma questão de compaixão; sim, devemos ter empatia para com o outro não humano. Mas “direitos animais” é muito mais do que isso: é a postura de que não podemos justificar a exploração dos animais não humanos, por mais “humanitária” ou “compassiva” que seja nossa exploração. Os direitos animais, em seu cerne, são uma questão de justiça.
Então façam de todo dia um “Dia sem produtos animais”. Tornem-se veganos(as). É fácil. É melhor para sua saúde e o planeta. Mas o mais importante de tudo é que é a coisa moralmente certa e justa a fazer.
Gary L. Francione
© 2010 Gary L. Francione
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Tradução: Regina Rheda