sábado, 13 de outubro de 2012

Uma resposta à posição da PETA quanto à exploração “feliz” ou “humanitária”



Ingrid Newkirk, da PETA (People for the Ethical Treatment of Animals), escreveu um Alerta da PETA referente à posição dessa organização quanto à exploração “feliz”.
Esse Alerta diz, em parte:
A PETA tem feito, e continuará fazendo, muita pressão para reduzir o total de sofrimento nas indústrias da carne, dos ovos e dos laticínios—porque isso faz uma enorme diferença se você for um porco ou uma galinha numa granja ou fazenda industrial. Cessamos os protestos da PETA na frente do Burger King ou do McDonald’s quando essas lanchonetes concordaram com as reformas, mas isso não significa que estejamos, alguma vez, sugerindo às pessoas que comam carne no Burger King ou em qualquer outro lugar—porque sabemos que cada mordida envolve um sofrimento massivo. Sim, é melhor pagar um pouco mais por um ovo de uma galinha que teve uma vida um pouquinho menos horrível do que uma que sofreu mais, mas devemos fazer mais pelos animais. De fato, ainda temos de encontrar uma fazenda industrial “humanitária” onde os animais não tenham seus rabos decepados e suas orelhas dolorosamente marcadas com cortes, onde eles não sejam debicados, descornados ou castrados sem anestesia, onde não fiquem apinhados sem luz solar ou ar fresco, onde seus filhos queridos não sejam levados embora, onde possam ter companhia, onde não sejam embarcados para um curral de engorda antes do abate, ou onde sejam abatidos instantaneamente sem o trauma da captura, o horror do transporte ou o terror de ver outros animais serem mortos até terem o mesmo destino.
A PETA tem promovido uma vida vegana desde sua origem, em 1980. Nosso mote é: “Os animais não são nossos para comermos, vestirmos, fazermos experiências, usarmos como entretenimento ou abusarmos de qualquer outra maneira”. Com tantos livros de culinária vegana e tantas opções alimentares veganas disponíveis, e com programas como o Physicians Committee for Responsible Medicine’s 21-Day Vegan Kickstart, além do nosso popularíssimo kit para começar a ser vegano, todos podemos ajudar os animais—sem perder nada. Vamos viver e deixar viver, e convidar os outros para se juntarem a nós, lembrando-lhes que os animais têm emoções e necessidades exatamente como os seres humanos.
Não existe carne humanitária. Dar alguns centímetros a mais de espaço para os animais viverem não basta. Eles merecem mais. O momentum está do nosso lado, mas será necessário que cada um de nós realize essa mudança sendo um defensor ativo dos direitos animais. Obrigada!
Reconheço, com gratidão, o fato de que Ingrid Newkirk me apresentou o veganismo. Embora eu tenha me tornado vegetariano no final dos anos 1970, continuei comendo laticínios e ovos por acreditar que isso fosse necessário, já que não estava comendo carne de vaca, aves, peixe, etc. Eu nunca tinha ouvido a palavra “vegan” e não sabia que era possível ter uma vida saudável (e, muito menos, uma vida mais saudável ainda) sem consumir produtos de origem animal. Encontrei Ingrid por acaso, em outubro de 1982—há 30 anos—e ela literalmente jogou fora todos os laticínios que estavam na minha geladeira! Tenho sido vegano desde então. Aprecio o que ela fez e não tenho nenhuma dúvida de que ela tenha um compromisso com o veganismo.
Mas, daqueles anos iniciais para cá, a PETA mudou drasticamente. Desde sua incessante série de campanhas sexistas que meramente reforçam a visão de que os outros são mercadorias, a qual caracteriza tanto o sexismo quanto o especismo, até sua posição quanto ao movimento não-matar, não pode haver dúvidas: a PETA ficou profundamente envolvida com todo o movimento pela exploração “feliz” ou “humanitária”.
A PETA dá prêmios a vários vendedores de carnes e outros produtos animais “felizes”;
A PETA, junto com outros grupos de defesa animal, endossou entusiasticamente o programa/selo “Animal Compassionate” do Whole Foods;
A PETA deu um prêmio em 2004 a Temple Grandin, a planejadora dos matadouros “felizes” e do que Grandin chama de sistema de abate “escadaria para o céu”;
A PETA anuncia e depois suspende boicotes a usuários institucionais de animais, tais como o Kentucky Fried Chicken e o Burger King, e elogia essas empresas por sua suposta preocupação com o bem-estar animal;
A PETA elogia o McDonald’s, afirmando que essa lanchonete “realmente ‘lidera’ as reformas das práticas dos fornecedores de comida rápida envolvendo o tratamento e o abate dos bovinos e aves criados para produzir carne”.
Dizer que isso não constitui um apoio à exploração “feliz” ou “humanitária” é simplesmente incorreto.
Newkirk diz:
Cessamos os protestos da PETA na frente do Burger King ou do McDonald’s quando essas lanchonetes concordaram com as reformas, mas isso não significa que estejamos, alguma vez, sugerindo às pessoas que comam carne no Burger King ou em qualquer outro lugar—porque sabemos que cada mordida envolve um sofrimento massivo.
Mas se a PETA suspende um boicote ou um protesto, ela nem precisa sugerir às pessoas que comam carne no Burger King ou no McDonald’s; assim que ela anuncia que a oposição ativa está no fim, a mensagem transmitida é: quem se preocupa com os animais pode voltar a frequentar essas lanchonetes. Quando a PETA elogia o McDonald’s, o Burger King, o programa “Animal Compassionate” do Whole Foods, ou o Kentucky Fried Chicken, a mensagem que está sendo passada é muito clara. Não há necessidade de dizer “está certo comer um hambúrguer”. Essa mensagem está inquestionavelmente implícita quando a PETA elogia a empresa ou seu programa de selos/rótulos.
Newkirk parece reconhecer que as reformas bem-estaristas fazem muito pouco para melhorar o bem-estar animal. Ela caracteriza os esforços reformistas como algo que proporciona uma “vida um pouquinho menos horrível” aos animais e que dá “alguns centímetros a mais de espaço para os animais viverem”. Eu certamente concordaria com ela, aqui.
Mas então por que a PETA gasta tantos de seus recursos nessas campanhas pelas reformas do bem-estar? Elas não são uma parte pequena do programa da PETA. As campanhas pelas reformas bem-estaristas e as campanhas de um só tema são peças centrais do programa da PETA. De fato, em contraste com seu apoio à promoção do veganismo—Newkirk menciona o apoio de sua organização ao “21-Day Vegan Kickstart e nosso popularíssimo kit para começar a ser vegano”—o apoio da PETA às reformas do bem-estar e ao ativismo de um só tema é avassalador.
Há alguns anos, o vice-presidente sênior da PETA, Dan Mathews, deu uma entrevista dentro de uma lanchonete McDonald’s. O repórter perguntou seria OK pedir um cheeseburger. Mathews respondeu: “Pode pedir o que quiser”... “A metade dos nossos membros são vegetarianos e a outra metade acha que isso é uma boa ideia”.
Se apenas metade dos membros da PETA são vegetarianos, e não necessariamente veganos, e a outra metade ainda está comendo carnes, laticínios e outros alimentos de origem animal, então fica fácil entender por que a PETA emprega o esforço que emprega nessas campanhas por reformas do bem-estar. É mais fácil atender a uma base de doadores “compassiva” do que a uma base vegana. Então a PETA ficará promovendo reformas do bem-estar porque é isso que a maioria de seus membros quer; eles querem poder consumir produtos animais, mas ainda se considerar defensores dos “direitos animais”.
Há muitos anos, o falecido defensor dos animais Henry Spira decidiu trabalhar com usuários institucionais de animais para tentar efetuar mudanças de “dentro”. Uma de suas campanhas envolvia trabalhar com a indústria de cosméticos para encontrar alternativas ao uso de animais vivos em testes.
Uma defensora dos animais criticou Spira:
Ele está se associando com nosso inimigo. Há seis ou sete anos, tínhamos muito em comum. Tudo que ele fazia na época era colocar o pedregulho no chão para outras pessoas pavimentarem o caminho, o que era crucial. Mas acho que Henry foi enganado pela resposta da indústria. Ele não foi capaz de se libertar do atoleiro em que se meteu quando se tornou um mediador da indústria. A busca de alternativas é um estratagema bastante transparente para manter o status quo.
Essa defensora dos animais era Ingrid Newkirk. O ano,1989.
E as críticas que Newkirk fez, em 1989, à campanha de Spira referente aos cosméticos se aplicam diretamente a essas campanhas contemporâneas para tornar a criação animal mais “humanitária”: elas requerem que as organizações de defesa animal se tornem “mediadoras da indústria” como parte de um “estratagema transparente para manter o status quo.”
*****
Se você não for vegano(a), por favor torne-se vegano(a). Veganismo é não violência. Sobretudo, é não cometer violência contra os outros seres sencientes. Mas também é não cometer violência contra a Terra e contra si mesmo.
Gary L. Francione
Professor, Rutgers University
© 2012 Gary L. Francione
Tradução: Regina Rheda