sábado, 13 de outubro de 2012

Uma resposta à posição da PETA quanto à exploração “feliz” ou “humanitária”



Ingrid Newkirk, da PETA (People for the Ethical Treatment of Animals), escreveu um Alerta da PETA referente à posição dessa organização quanto à exploração “feliz”.
Esse Alerta diz, em parte:
A PETA tem feito, e continuará fazendo, muita pressão para reduzir o total de sofrimento nas indústrias da carne, dos ovos e dos laticínios—porque isso faz uma enorme diferença se você for um porco ou uma galinha numa granja ou fazenda industrial. Cessamos os protestos da PETA na frente do Burger King ou do McDonald’s quando essas lanchonetes concordaram com as reformas, mas isso não significa que estejamos, alguma vez, sugerindo às pessoas que comam carne no Burger King ou em qualquer outro lugar—porque sabemos que cada mordida envolve um sofrimento massivo. Sim, é melhor pagar um pouco mais por um ovo de uma galinha que teve uma vida um pouquinho menos horrível do que uma que sofreu mais, mas devemos fazer mais pelos animais. De fato, ainda temos de encontrar uma fazenda industrial “humanitária” onde os animais não tenham seus rabos decepados e suas orelhas dolorosamente marcadas com cortes, onde eles não sejam debicados, descornados ou castrados sem anestesia, onde não fiquem apinhados sem luz solar ou ar fresco, onde seus filhos queridos não sejam levados embora, onde possam ter companhia, onde não sejam embarcados para um curral de engorda antes do abate, ou onde sejam abatidos instantaneamente sem o trauma da captura, o horror do transporte ou o terror de ver outros animais serem mortos até terem o mesmo destino.
A PETA tem promovido uma vida vegana desde sua origem, em 1980. Nosso mote é: “Os animais não são nossos para comermos, vestirmos, fazermos experiências, usarmos como entretenimento ou abusarmos de qualquer outra maneira”. Com tantos livros de culinária vegana e tantas opções alimentares veganas disponíveis, e com programas como o Physicians Committee for Responsible Medicine’s 21-Day Vegan Kickstart, além do nosso popularíssimo kit para começar a ser vegano, todos podemos ajudar os animais—sem perder nada. Vamos viver e deixar viver, e convidar os outros para se juntarem a nós, lembrando-lhes que os animais têm emoções e necessidades exatamente como os seres humanos.
Não existe carne humanitária. Dar alguns centímetros a mais de espaço para os animais viverem não basta. Eles merecem mais. O momentum está do nosso lado, mas será necessário que cada um de nós realize essa mudança sendo um defensor ativo dos direitos animais. Obrigada!
Reconheço, com gratidão, o fato de que Ingrid Newkirk me apresentou o veganismo. Embora eu tenha me tornado vegetariano no final dos anos 1970, continuei comendo laticínios e ovos por acreditar que isso fosse necessário, já que não estava comendo carne de vaca, aves, peixe, etc. Eu nunca tinha ouvido a palavra “vegan” e não sabia que era possível ter uma vida saudável (e, muito menos, uma vida mais saudável ainda) sem consumir produtos de origem animal. Encontrei Ingrid por acaso, em outubro de 1982—há 30 anos—e ela literalmente jogou fora todos os laticínios que estavam na minha geladeira! Tenho sido vegano desde então. Aprecio o que ela fez e não tenho nenhuma dúvida de que ela tenha um compromisso com o veganismo.
Mas, daqueles anos iniciais para cá, a PETA mudou drasticamente. Desde sua incessante série de campanhas sexistas que meramente reforçam a visão de que os outros são mercadorias, a qual caracteriza tanto o sexismo quanto o especismo, até sua posição quanto ao movimento não-matar, não pode haver dúvidas: a PETA ficou profundamente envolvida com todo o movimento pela exploração “feliz” ou “humanitária”.
A PETA dá prêmios a vários vendedores de carnes e outros produtos animais “felizes”;
A PETA, junto com outros grupos de defesa animal, endossou entusiasticamente o programa/selo “Animal Compassionate” do Whole Foods;
A PETA deu um prêmio em 2004 a Temple Grandin, a planejadora dos matadouros “felizes” e do que Grandin chama de sistema de abate “escadaria para o céu”;
A PETA anuncia e depois suspende boicotes a usuários institucionais de animais, tais como o Kentucky Fried Chicken e o Burger King, e elogia essas empresas por sua suposta preocupação com o bem-estar animal;
A PETA elogia o McDonald’s, afirmando que essa lanchonete “realmente ‘lidera’ as reformas das práticas dos fornecedores de comida rápida envolvendo o tratamento e o abate dos bovinos e aves criados para produzir carne”.
Dizer que isso não constitui um apoio à exploração “feliz” ou “humanitária” é simplesmente incorreto.
Newkirk diz:
Cessamos os protestos da PETA na frente do Burger King ou do McDonald’s quando essas lanchonetes concordaram com as reformas, mas isso não significa que estejamos, alguma vez, sugerindo às pessoas que comam carne no Burger King ou em qualquer outro lugar—porque sabemos que cada mordida envolve um sofrimento massivo.
Mas se a PETA suspende um boicote ou um protesto, ela nem precisa sugerir às pessoas que comam carne no Burger King ou no McDonald’s; assim que ela anuncia que a oposição ativa está no fim, a mensagem transmitida é: quem se preocupa com os animais pode voltar a frequentar essas lanchonetes. Quando a PETA elogia o McDonald’s, o Burger King, o programa “Animal Compassionate” do Whole Foods, ou o Kentucky Fried Chicken, a mensagem que está sendo passada é muito clara. Não há necessidade de dizer “está certo comer um hambúrguer”. Essa mensagem está inquestionavelmente implícita quando a PETA elogia a empresa ou seu programa de selos/rótulos.
Newkirk parece reconhecer que as reformas bem-estaristas fazem muito pouco para melhorar o bem-estar animal. Ela caracteriza os esforços reformistas como algo que proporciona uma “vida um pouquinho menos horrível” aos animais e que dá “alguns centímetros a mais de espaço para os animais viverem”. Eu certamente concordaria com ela, aqui.
Mas então por que a PETA gasta tantos de seus recursos nessas campanhas pelas reformas do bem-estar? Elas não são uma parte pequena do programa da PETA. As campanhas pelas reformas bem-estaristas e as campanhas de um só tema são peças centrais do programa da PETA. De fato, em contraste com seu apoio à promoção do veganismo—Newkirk menciona o apoio de sua organização ao “21-Day Vegan Kickstart e nosso popularíssimo kit para começar a ser vegano”—o apoio da PETA às reformas do bem-estar e ao ativismo de um só tema é avassalador.
Há alguns anos, o vice-presidente sênior da PETA, Dan Mathews, deu uma entrevista dentro de uma lanchonete McDonald’s. O repórter perguntou seria OK pedir um cheeseburger. Mathews respondeu: “Pode pedir o que quiser”... “A metade dos nossos membros são vegetarianos e a outra metade acha que isso é uma boa ideia”.
Se apenas metade dos membros da PETA são vegetarianos, e não necessariamente veganos, e a outra metade ainda está comendo carnes, laticínios e outros alimentos de origem animal, então fica fácil entender por que a PETA emprega o esforço que emprega nessas campanhas por reformas do bem-estar. É mais fácil atender a uma base de doadores “compassiva” do que a uma base vegana. Então a PETA ficará promovendo reformas do bem-estar porque é isso que a maioria de seus membros quer; eles querem poder consumir produtos animais, mas ainda se considerar defensores dos “direitos animais”.
Há muitos anos, o falecido defensor dos animais Henry Spira decidiu trabalhar com usuários institucionais de animais para tentar efetuar mudanças de “dentro”. Uma de suas campanhas envolvia trabalhar com a indústria de cosméticos para encontrar alternativas ao uso de animais vivos em testes.
Uma defensora dos animais criticou Spira:
Ele está se associando com nosso inimigo. Há seis ou sete anos, tínhamos muito em comum. Tudo que ele fazia na época era colocar o pedregulho no chão para outras pessoas pavimentarem o caminho, o que era crucial. Mas acho que Henry foi enganado pela resposta da indústria. Ele não foi capaz de se libertar do atoleiro em que se meteu quando se tornou um mediador da indústria. A busca de alternativas é um estratagema bastante transparente para manter o status quo.
Essa defensora dos animais era Ingrid Newkirk. O ano,1989.
E as críticas que Newkirk fez, em 1989, à campanha de Spira referente aos cosméticos se aplicam diretamente a essas campanhas contemporâneas para tornar a criação animal mais “humanitária”: elas requerem que as organizações de defesa animal se tornem “mediadoras da indústria” como parte de um “estratagema transparente para manter o status quo.”
*****
Se você não for vegano(a), por favor torne-se vegano(a). Veganismo é não violência. Sobretudo, é não cometer violência contra os outros seres sencientes. Mas também é não cometer violência contra a Terra e contra si mesmo.
Gary L. Francione
Professor, Rutgers University
© 2012 Gary L. Francione
Tradução: Regina Rheda

domingo, 7 de outubro de 2012

Meios e fins



Algumas pessoas dizem que não há nenhuma diferença real entre:
A. quem defende a ideia de que devemos abolir o uso de animais, e que o meio para atingir esse fim é promover o veganismo como base moral e rejeitar a exploração “feliz”, e
B. quem diz que espera ver o fim de todo (ou da maior parte do) uso de animais algum dia, e que o meio para atingir esse fim é a exploração “feliz” e as regulações do bem-estar animal.
Mas isso é como dizer que não há nenhuma diferença entre:
A. quem quer a paz mundial e defende a não violência nas nossas relações com os outros como meio para esse fim e
B. quem diz que tem a paz como objetivo mas defende o uso da guerra para chegar ao estado de paz.
Dizer que as diferenças são apenas uma questão de estratégia toma por certo que os meios não têm de ser coerentes com os fins, e podem até ser incoerentes. Então está certo defender o uso animal “feliz” para chegar ao (suposto) fim do uso; está certo defender a guerra para chegar à paz.
Eu diria que, fora a questão de se o uso “feliz” leva ao fim do uso, ou se a guerra realmente leva à paz, menosprezar essas diferenças como se fossem uma mera questão de estratégia ignora as diferenças fundamentais.
Os líderes políticos que fazem guerra sempre alegam que querem chegar a uma paz duradoura. Estou certo de que muitos desses líderes, se não a maioria deles, realmente querem a paz no final. Mas dizer que não podemos distinguir Stalin de Gandhi é, na minha opinião, errado.
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Se você não for vegano(a), por favor torne-se vegano(a). Veganismo é não violência. Sobretudo, é não cometer violência contra os outros seres sencientes. Mas também é não cometer violência contra a Terra e contra si mesmo.
Gary L. Francione
Professor, Rutgers University
© 2012 Gary L. Francione
Tradução: Regina Rheda

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Direitos animais: marginalizados pelo “movimento de defesa animal”



Vários escritores têm alegado que precisamos apoiar outras abordagens que não a abolicionista porque esta foi marginalizada politicamente e fracassou.
Por exemplo, em seu livro Zoopolis: A Political Theory of Animal Rights, os filósofos Sue Donaldson e Will Kymlicka observam:
Uma tarefa central do movimento é descobrir por que a ART [teoria dos direitos animais—TDA] continua sendo tão marginal politicamente. Por que o público em geral está cada vez mais aberto às reformas bem-estaristas e ecológicas, tais como a Proposition 2 ou a legislação sobre as espécies ameaçadas, enquanto permanece implacavelmente resistente aos direitos animais? Tendo reconhecido que os animais são seres vivos cujo sofrimento importa moralmente, por que é tão difícil dar o próximo passo e reconhecer que os animais têm direitos morais a não ser usados como meios para os fins dos humanos?
Donaldson e Kymlicka alegam ser grandes simpatizantes da perspectiva abolicionista. Mas perguntam: por que essa posição permaneceu tão marginal?
Terei muito mais a dizer sobre esse livro em uma resposta que estou escrevendo aos professores Kymlicka e Donaldson, assim como a outros que escreveram recentemente sobre a teoria abolicionista. Mas acho estranho que eles pensem que haja algum mistério aqui.
O “movimento de defesa animal” está dominado por grupos grandes que promovem as reformas do bem-estar e, na realidade, não medem esforços para marginalizar a perspectiva abolicionista.
Assim, não é provável que o público, que está preocupado com a ética animal, vá “dar o próximo passo”, quando Peter Singer, o chamado “pai do movimento pelos direitos animais”, afirma:
se alguém “realmente só comesse animais que tiveram vidas boas, essa poderia ser uma posição ética defensável. Não é a minha posição, mas eu não criticaria alguém que fosse assim tão consciencioso”.
Segundo Singer, se proporcionarmos uma vida razoavelmente agradável e uma morte relativamente agradável, já estaremos cumprindo com nossas obrigações morais para com os animais. Por exemplo, Singer diz:
Para evitar infligir sofrimento aos animais—sem falar no impacto ambiental causado pela produção animal intensiva—precisamos cortar drasticamente os produtos animais que consumimos. Mas isso significa um mundo vegano? É uma solução, mas não necessariamente a única. Se estivermos preocupados com o fato de infligirmos sofrimento, e não com o fato de matarmos, então também posso imaginar um mundo em que as pessoas comam principalmente alimentos vegetais, mas, de vez em quando, se deem o prazer e o luxo de comer ovos de aves criadas soltas, ou, possivelmente, até carne de animais que tenham vidas boas em condições naturais para as suas espécies, e que depois sejam mortos de modo humanitário na fazenda. (The Vegan, outono de 2006).
Então Singer diz ao público que o bem-estar animal é uma resposta moralmente defensável às questões fundamentais da ética animal. Por que alguém deveria ir mais longe? Por que alguém iria mais longe?
Por que as pessoas deveriam se tornar veganas, quando o executivo-chefe da Humane Society of the United States Wayne Pacelle, que é, ele próprio, um vegano, afirma claramente que a carne “feliz” é uma coisa moralmente boa? Pacelle declara:
Eu não acho que todo mundo precise adotar uma dieta vegetariana para fazer uma diferença. Acho que as pequenas escolhas que fazemos—comprar produtos de origem animal de um fazendeiro que esteja criando animais de um modo apropriado e humanitário, ou reduzir um pouquinho o nosso consumo—tudo isso importa. Você não precisa ir até o fim, para ter um impacto. Uma coisa que eu não quero é que as pessoas se sintam paralisadas, que de alguma forma você tenha de se adaptar a um regime ortodoxo para fazer parte disto. Absolutamente não. As pequenas decisões que todos nós tomamos podem ter uma enorme consequência.
Você pode ter um impacto comendo carnes e outros produtos animais “de um fazendeiro que esteja criando animais de um modo apropriado e humanitário”.
Então a HSUS está não apenas sugerindo que os produtos feitos “de um modo apropriado e humanitário” estão realmente disponíveis, mas também que consumi-los é coerente com tratar os animais como membros da comunidade moral e se importar moralmente com eles.
A HSUS promove ativamente o consumo de carnes e outros produtos animais.
Donaldson e Kymlicka observam que mesmo a People for the Ethical Treatment of Animals (PETA), percebida como defensora de uma mensagem radical, promove as reformas do bem-estar.
De novo, se as pessoas que são percebidas pelo público como porta-vozes dos animais afirmam que a reforma do bem-estar é tudo que se requer no plano moral, por que o público pensaria outra coisa?
Conforme declarei no livro que escrevi juntamente com o professor Robert Garner, The Animal Rights Debate: Abolition or Regulation?”:
O movimento de defesa animal moderno nunca promoveu uma mensagem vegana/abolicionista clara e inequívoca. Ao contrário. Quase todos os grupos grandes nos Estados Unidos, no Reino Unido e nos demais lugares promovem uma abordagem bem-estarista, e, na medida em que chegam a falar sobre a abordagem vegana/abolicionista, eles a apresentam como uma espécie de objetivo distante e utópico. Com frequência, rotulam pejorativamente o veganismo de “absolutista”, “fundamentalista” ou “purista” e, seguindo Singer, promovem a ideia de que ser um “onívoro consciencioso ” é ter uma posição moralmente defensável.
Por favor, compreendam que não estou dizendo que se todos os grupos de defesa animal mudassem de foco e fizessem uma campanha vegana/abolicionista clara e inequívoca, aboliríamos a exploração animal de um dia para o outro, ou em algum momento muito próximo. Mas, pelo menos, daríamos início à necessária mudança de paradigma focando a discussão nas questões certas. O modelo bem-estarista fracassou e continuará fracassando porque foca na discussão do conjunto errado de questões. E eu discordo vigorosamente de que o direito a não sofrer, sem uma discussão sobre a moralidade do uso em si, vá levar a algo que não seja mais regulações bem-estaristas do mesmo tipo de sempre.
Então, em resposta à pergunta dos professores Donaldson e Kymlicka, o problema não é que a perspectiva abolicionista seja marginal; o problema é que a posição abolicionista tem sido ativamente marginalizada por um movimento de defesa animal que consiste em enormes associações de caridade pró animais, as quais dominam o mercado de ideias e dizem ao público que as reformas do bem-estar são tudo de que precisamos.
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Se você não for vegano(a), por favor torne-se vegano(a). Veganismo é não violência. Sobretudo, é não cometer violência contra os outros seres sencientes. Mas também é não cometer violência contra a Terra e contra si mesmo.
Gary L. Francione
Professor, Rutgers University
© 2012 Gary L. Francione
Tradução: Regina Rheda

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Nicholas Kristof: por favor, se incomode. Por favor.



Mais uma vez, o colunista Nicholas D. Kristof, do New York Times, nos dá uma ideia de como o espírito liberal pós-moderno lida com a violência e a imoralidade da criação animal.
Kristof obviamente sabe que há algo errado. Senão, ele não escreveria essas colunas sobre as nossas obrigações morais para com os animais.
De fato, parece que o New York Times tem obsessão pelo assunto em geral. Desde colunistas como Kristof e Mark Bittman, que não conseguem parar de tentar nos convencer de que a exploração animal “feliz” é a resposta para a questão básica de como podemos justificar moralmente o nosso uso de animais, até os vários artigos daqueles que nos dizem que as plantas têm “intencionalidade inconsciente” e portanto não devemos concluir que haja uma distinção moral entre uma salada e um bife, o New York Times realmente—realmente—quer nos assegurar que está certo continuar fazendo algo que todos sabemos que é errado.
A mais recente contribuição de Kristof à literatura do tipo “não se preocupe, coma produtos felizes” é um artigo intitulado Where Cows Are Happy and Food Is Healthy. [Onde as vacas são felizes e a comida é saudável].
Nesse artigo, Kristof nos fala de Bob Bansen, “um colega do ensino médio” de Kristof. Bob é um fazendeiro de gado leiteiro “que dá nome a cada um de seus bovinos—230 vacas e 200 novilhas e bezerros—e os ama como se fossem crianças”. Kristof nos diz:
Desde que conheci Bob, ele tem dado nome a cada uma de suas “meninas”, como chama suas vacas. Ande pelo pasto com ele, e ele apresenta você a elas.
Bob “descobriu como ficar bem de vida tocando uma fazenda que é eficiente mas também tem alma”. Você pode ter coração e também ter lucro explorando suas “crianças”. De fato, as vacas “felizes” são mais produtivas:
Hoje, nos Estados Unidos, muitas vacas leiteiras passam a vida em enormes estábulos, comendo grão e feno, enquanto seu leite é bombeado. Mas está aumentando a evidência de que as vacas não têm um bom rendimento quando ficam trancadas, então, agora, muitos produtores de leite estão retomando o método tradicional, em que elas são levadas ao campo para pastar.
“A pastagem é uma maravilha para a saúde da vaca”, disse Bob. “Há tanta evidência de que elas ficam muito mais felizes lá fora! Você pode prolongar tanto suas vidas, mantendo-as longe do concreto, então a tendência é essa”.
É sentimentalismo derramado um fazendeiro querer que suas vacas sejam felizes? Um homem de negócios não deveria se preocupar apenas com seu lucro?
Bob franziu as sobrancelhas. “Para a produtividade, é importante ter vacas felizes”, disse ele. “Se a saúde e a satisfação de uma vaca estão maximizadas, ela é lucrativa. Eu realmente nem administro tanto a minha fazenda do ponto de vista orçamentário quanto do ponto de vista das vacas, porque sei que, se cuidar daquelas vacas, o lucro vai cuidar de si mesmo”.
Mas Nicholas, as vacas morrem de velhice?
Não, aparentemente não:
Quando as vacas envelhecem e sua produção de leite declina, os fazendeiros as abatem. Bob sempre achou dura essa parte da produção de laticínios, então ele está aumentando o uso das vacas mais velhas para amamentar os novilhos. Desse modo, as vacas velhas geram receita para cobrir suas despesas e seu dia do juízo final pode ser adiado—indefinidamente, no caso de suas vacas favoritas.
Provoquei Bob, perguntando se ele não abriria uma casa de repouso para bovinos aposentados, e ele sorriu sem pedir desculpas:
“Eu me sinto bem quanto a isso”, disse simplesmente. “As vacas me sustentam tanto quanto eu as sustento, então é fácil ficar ligado a elas. Quero trabalhar duro para elas porque elas têm cuidado bem de mim”.
Kristof conclui:
Não precisamos nos incomodar quando contemplamos a proveniência da nossa comida.
Na próxima vez que você tomar um copo de leite da marca Organic Valley, ele pode ter vindo de uma das vacas de Bob. Nesse caso, pode apostar que foi uma vaca feliz. E tem um nome.
Relaxe, todo mundo. Por favor. Não se incomodem. Fiquem seguros de que podem explorar com “compaixão”. Sim, esses doces animais encontrarão o seu “dia do juízo final” quando forem abatidos. Mas eles foram “felizes”. Tomem aquele leite. É bom para vocês e para as “crianças” de Bob.
Eu me pergunto se Kristof tem alguma fotografia mostrando a felicidade das “meninas” de Bob naquele “dia do juízo final”.
Mas a profunda esquizofrenia moral da posição de Kristof se resume em uma frase: “E tem um nome”. [Em inglês: “And it has a name.” It é um pronome pessoal usado para coisas ou seres inanimados. Nota da Tradutora]. “Ithas a name. “It.” Apesar da confusa preocupação de Kristof, o ponto é que esses animais são coisas.
E esse é todo o problema em poucas palavras. Para Kristof e outros bem-estaristas, e isso inclui praticamente toda organização grande de “proteção animal” neste país, os animais são coisas. Eles não são pessoas não humanas. Não são membros da comunidade moral. Está certo explorá-los, contanto que os torturemos menos do que eles seriam torturados em uma situação alternativa; contanto que os mandemos para o matadouro com um nome.
E antes que eu receba os costumeiros e-mails irados de bem-estaristas me fazendo alguma versão da pergunta: “mas a fazenda de Bob não é melhor do que uma fazenda de gado leiteiro convencional?”, deixem-me ser claro: É pior impor 10 unidades de sofrimento do que 5 unidades de sofrimento. Mas temos de justificar ambos os casos. E não podemos justificar nenhum deles se a única razão oferecida for o prazer que obtemos com o nosso consumo de leite.
Se o princípio de que o sofrimento desnecessário é errado—um princípio que todo mundo, inclusive os Kristofs deste mundo, professa aceitar—significar alguma coisa, deve significar que o prazer não pode ser uma justificação suficiente para impor dor e sofrimento aos animais. Deve haver uma compulsão; uma necessidade. Não há compulsão aqui. Há apenas a tragédia daqueles que estão escolhendo fazer algo que sabem que é moralmente injustificável e expressando um pensamento transparentemente frívolo disfarçado de pensamento progressista. Mais nada.
Com frequência, ouço os defensores dos animais se queixando de pessoas que dizem: “não me fale de onde vem a minha comida”. Embora eu compreenda o quanto é frustrante ouvir isso, prefiro essas pessoas aos Kristofs, Safran-Foers, Bittmans e toda a comunidade da “proteção animal” que promove esse absurdo do “consumo compassivo” e nos diz que podemos saber de onde a comida vem, e o que ela envolve, e que isso está OK, e que não precisamos “nos incomodar”.
E se você duvidar de que essa abordagem da exploração “feliz” é contraproducente precisamente porque reforça, de forma explícita, a ideia de que não devemos nos “incomodar” quando comemos aquele pedaço de carne ou tomamos aquele copo de leite, então eu diria que você não está pensando com clareza. O artigo de Kristof é um perfeito exemplo desse problema.
Incomodem-se. Por favor, em nome de tudo que há de decente no mundo; em nome da não violência; em nome da justiça básica; em nome das “meninas” de Bob que serão mandadas para seu “dia do juízo final”, por favor, por favor se incomodem.
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Se você não for vegano(a), por favor torne-se vegano(a). Veganismo é não violência. Sobretudo, é não cometer violência contra os outros seres sencientes. Mas também é não cometer violência contra a Terra e contra si mesmo.
Gary L. Francione
Professor, Rutgers University
© 2012 Gary L. Francione
Tradução: Regina Rheda
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quinta-feira, 2 de agosto de 2012

“Pets”: os problemas inerentes à domesticação

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 31 de julho de 2012

Na prática, simplesmente não há meio de termos uma instituição de propriedade de “pets” (ou animais “de estimação”) que seja coerente com uma teoria de direitos animais sólida. Os “pets” são propriedade e, como tal, sua valoração será, no final das contas, uma questão de o que os seus “donos” decidirem.
Mas vocês podem perguntar: “E se fosse possível? Se, em termos hipotéticos, mudássemos o status legal dos cães e gatos para que eles deixassem de ser propriedade e tivessem um status legal mais próximo ao das crianças humanas, seria moralmente justificável continuarmos a produzir cães e gatos (ou outros animais não humanos) e manter ‘pets’?”
Minha resposta a essa pergunta puramente hipotética é “não”. Não podemos justificar o perpetuamento da domesticação para o propósito de manter “pets”.
Os animais domesticados dependem de nós para tudo que é importante em suas vidas: quando e se comem ou tomam água, quando e onde dormem ou fazem suas necessidades, se recebem afeto, se se exercitam, etc. Embora alguém possa dizer o mesmo em relação às crianças humanas, em sua grande maioria elas amadurecem e se tornam seres autônomos, independentes.
Os animais domésticos não são uma parte real nem completa do nosso mundo, e nem do mundo não humano. Eles existem para sempre em um inferno de vulnerabilidades, dependentes de nós para tudo, e correndo o risco de sofrer danos por causa de um ambiente que não entendem de fato. Nós os criamos para ser obedientes e servis, ou para ter características que, na realidade, são prejudiciais para eles mas agradáveis para nós. Podemos fazê-los felizes em um certo sentido, mas o relacionamento nunca pode ser “natural” ou “normal”. Eles não pertencem ao nosso mundo, independentemente de quão bem os tratamos.
Não poderíamos justificar essa instituição, nem mesmo se ela parecesse bem diferente do que é atualmente. Minha companheira e eu vivemos com cinco cachorros resgatados, incluindo alguns que tinham problemas de saúde quando os adotamos. Nós os amamos muito e fazemos de tudo para lhes oferecer o melhor cuidado e tratamento. (E, antes que alguém pergunte, nós sete somos veganos!). Você provavelmente não acharia duas pessoas no planeta que gostem mais de viver com cachorros do que nós.
E nós dois incentivamos todas as pessoas com condições de adotar ou hospedar animais (de qualquer espécie) a fazê-lo o mais que puderem, de maneira responsável.
Mas se restassem apenas uma cadela e um cachorro no universo e dependesse de nós resolver se eles podiam procriar para que pudéssemos continuar vivendo com cães, e mesmo se pudéssemos garantir que todos eles tivessem lares tão cheios de amor como o que lhes proporcionamos, não hesitaríamos por um segundo em dar fim a toda a instituição da propriedade de “pets”.
Consideramos os cachorros que vivem conosco uma espécie de refugiados, e embora gostemos de cuidar deles, é evidente que os humanos não devem continuar trazendo essas criaturas a um mundo em que elas simplesmente não se encaixam.
Eu compreendo que muita gente ficará perplexa com minha argumentação sobre os problemas inerentes à domesticação. Mas isso é porque vivemos em um mundo onde matamos e comemos 56 bilhões de animais por ano (sem contar os peixes) e onde nossa melhor justificação para essa prática é que gostamos do sabor das carnes e outros produtos animais. A maioria de vocês que estão lendo isto agora provavelmente não é vegana. E enquanto vocês pensarem que é aceitável matar e comer animais, a argumentação mais abstrata sobre domesticar animais para usá-los como “pets” provavelmente não repercutirá. Eu entendo isso.
Então, dediquem uns poucos minutos à leitura de alguns dos muitos outros textos deste site que discutem o veganismo, como Por que o veganismo deve ser a base.
E depois reconsiderem a questão dos “pets” ou animais “de estimação”. Eu também a discuto em dois podcasts: “Animais de estimação” e Continuação do Comentário “Animais de estimação”: gatos não-veganos.
*****
Se você não for vegano(a), por favor torne-se vegano(a). Veganismo é não violência. Sobretudo, é não cometer violência contra os outros seres sencientes. Mas também é não cometer violência contra a Terra e contra si mesmo.
Se você tiver condições de adotar ou hospedar algum animal não humano, por favor faça isso. A domesticação é moralmente errada, mas esses animais estão aqui, agora, e necessitam do nosso cuidado. Suas vidas são tão importantes para eles quanto as nossas para nós.
Gary L. Francione
Professor, Rutgers University
© 2012 Gary L. Francione
Tradução: Regina Rheda

terça-feira, 31 de julho de 2012

Os abolicionistas têm uma posição sobre os direitos humanos? Pode apostar que sim!

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 30 de julho de 2012

Hoje uma pessoa me disse (num e-mail): “Sou totalmente a favor dos direitos animais, mas não acho que isso signifique que eu tenha de ser a favor dos direitos das mulheres, direitos dos gays, ou seja o que for”.
Errado.
Pense na lógica. O especismo é errado porque é como o racismo, o sexismo, o heterossexismo, etc., que também envolvem focar num critério irrelevante (raça ou sexo ou orientação sexual ou seja o que for) para justificar não dar igual consideração.
Não podemos dizer que o especismo é errado porque é como essas outras coisas erradas mas não temos uma posição sobre essas outras coisas erradas.
É claro que temos.
E essa posição é que toda discriminação é errada. Ponto final. Não importa se é discriminação baseada em raça, sexo, orientação sexual, classe, idade, etc. É errada.
Se você diz que o especismo é errado mas você não tem uma posição sobre os outros tipos injustos de discriminação, tudo que você faz é reforçar a noção de que o “pessoal da causa animal” não se importa com os humanos.
E o movimento abolicionista não se trata de misantropia.
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Se você não for vegano(a), por favor torne-se vegano(a). Veganismo é não violência. Sobretudo, é não cometer violência contra os outros seres sencientes. Mas também é não cometer violência contra a Terra e contra si mesmo.
Gary L. Francione
Professor, Rutgers University
© 2012 Gary L. Francione
Tradução: Regina Rheda

terça-feira, 24 de julho de 2012

Veganismo e não violência

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 23 de julho de 2012

Se o princípio da não violência significar alguma coisa, significa que você não pode justificar a imposição de nenhuma morte e nenhum sofrimento por razões transparentemente frívolas como o prazer, a diversão ou a conveniência. E fazer “com compaixão” algo que não seja moralmente justificável não muda o fato de que é moralmente injustificável.
Quando você decide o que quer comer, vestir, calçar, usar, você não está agindo sob nenhuma espécie de compulsão. Você está simplesmente se entregando ao prazer do seu paladar, ao seu senso de moda, etc., ou permitindo que o que é conveniente supere os interesses de outro ser senciente.
Portanto, se você abraçar a não violência e não for vegano(a), precisa refletir sobre o que é, inquestionavelmente, uma séria inconsistência.
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Se você não for vegano(a), por favor torne-se vegano(a). Veganismo é não violência. Sobretudo, é não cometer violência contra os outros seres sencientes. Mas também é não cometer violência contra a Terra e contra si mesmo.
Gary L. Francione
Professor, Rutgers University
© 2012 Gary L. Francione
Tradução: Regina Rheda