sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Não é 1946

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 21 de fevereiro de 2011

Caros(as) colegas:
A Vegan Society me informou que na revista The Vegan, número 2, outono de 1946, e em outros números da The Vegan daquele período, que foram editados por Donald Watson, havia anúncios de estabelecimentos vegetarianos que também serviam veganos.
Eu diria que publicar anúncios de estabelecimentos em 1946 que serviam laticínio mas não serviam carne necessariamente reforçava a ideia de que a carne e o laticínio são distinguíveis moralmente, o que Watson alegava rejeitar em 1944. Não há como contornar o fato de que isso é uma inconsistência gritante.
Então, parece que Watson ou não entendia a incoerência entre suas ações em 1946 e sua posição em 1944, ou não acreditava no que dizia em 1944. Eu ainda respeito Watson como visionário e, portanto, assumirei a primeira hipótese. Dada a novidade do veganismo como ideia em 1944, e dado que a Grã-Bretanha tinha acabado de passar pela segunda guerra mundial e sofria um racionamento (que continuou pelos 1950s), o contexto histórico era de tal natureza que, talvez, seja compreensível que Watson simplesmente não enxergasse a inconsistência.
Em todo caso, não estamos em 1946. Já deu tempo suficiente para ver que uma política que aparentemente começou em 1946 não pode ser reconciliada com a posição de que a carne e o laticínio são moralmente indistinguíveis. A inconsistência é clara e gritante.
Devo acrescentar que, quando postei minha primeira observação na página da Vegan Society no Facebook, a relações públicas da Vegan Society declarou: “A aceitação dos anúncios (inclusive encartes) para a revista The Vegan não implica endosso”. Mas, conforme entendo, a política da Vegan Society, aparentemente, é que anúncios de estabelecimentos vegetarianos que também servem comida vegana são aceitáveis e que essa política se justifica com base numa prática que aparentemente começou na segunda metade dos 1940s. Perguntei duas vezes, e ainda não recebi resposta, se a Vegan Society aceitaria publicar anúncios, na The Vegan, que servissem carne. Se não aceitasse, então a política certamente implicaria endosso do ponto de vista de que laticínio é menos objetável, moralmente, do que carne.
Hoje em dia a Vegan Society é uma organização grande, com um quadro de funcionários grande e recursos. É uma sociedade que está funcionando dentro de um movimento moderno que rejeita o veganismo enquanto base moral clara, promove os produtos animais “felizes”, e abraça o “flexitarianismo” e a noção de que a carne e o laticínio são moralmente indistinguíveis. O movimento moderno promove o ovolactovegetarianismo porque considera o veganismo intimidador e difícil demais. Eu ainda não entendo por que, independentemente do que ocorreu em 1946 ou qualquer outra época, a Vegan Society não enxerga claramente, hoje, que, se ela realmente acredita que a carne e o laticínio são indistinguíveis no plano moral, ela não deveria publicar anúncios de lugares que servem um ou outro, e não deveria publicar anúncios de lugares que servem laticínio porque isso apenas reforça uma distinção moral que ela alega concordar que não existe.
Uma coisa é fornecer, a título de conveniência, uma lista de lugares que oferecem opções veganas para viajantes. Mas ganhar dinheiro com anúncios pagos de estabelecimentos que servem ou vendem produtos animais é problemático.
No meu entender, os membros do Conselho de Administração da Vegan Society serão solicitados a considerar uma mudança da sua política. Espero sinceramente que eles decidam não publicar anúncios de estabelecimentos que servem ou vendem qualquer produto animal que seja. A Vegan Society de 2011 precisa ser claríssima quanto a essa questão, mesmo se a Vegan Society de 1946 não tiver percebido a inconsistência em dizer que carne, laticínio ou outros produtos animais eram moralmente indistinguíveis, ao mesmo tempo em que publicava anúncios de estabelecimentos que serviam laticínio ou outros produtos animais que não a carne.
E espero que os membros da Vegan Society deixem claro ao Conselho de Administração que a Vegan Society tem de ser vegana e não deveria promover, de nenhum modo, o consumo de qualquer produto animal que seja, nem reforçar, de nenhum modo, a ideia de que a carne pode ser distinguida dos produtos animais que não a carne.
Se há uma organização que deveria defender, e defender claramente, a proposição de que o veganismo é uma base moral inequívoca e inegociável, essa organização é a Vegan Society.
Se vocês não forem veganos(as), tornem-se veganos(as). É fácil; é melhor para a sua saúde e o planeta. Mas o mais importante é que é a coisa moralmente certa a fazer.
Gary L. Francione
© 2011 Gary L. Francione
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Adendo – 22 de fevereiro de 2011
Um membro da Vegan Society compartilhou comigo uma resposta que recebeu da Vegan Society sobre este assunto. A Vegan Society declara:
Um dos nossos objetivos é incentivar os fornecedores mainstream de comida a oferecerem boas opções veganas em seu cardápio padrão, de modo a proporcionar mais escolhas quando os veganos estiverem comendo fora. Muitas pessoas nos dizem que a razão de não se tornarem ou não permanecerem veganas é que é difícil encontrar comida quando se come fora. Infelizmente, no momento é difícil comer em restaurantes ou ficar em hotéis se escolhermos apenas estabelecimentos puramente veganos, mas, conforme a demanda for crescendo, esperamos que apareçam muito mais estabelecimentos veganos. Trabalhamos em cooperação com os empreendimentos comerciais para incentivá-los a irem numa direção vegana.
De que modo isso responde à questão de se a Vegan Society deve publicar anúncios pagos de restaurantes que servem produtos animais? Resposta: Não responde.
A questão não é se os veganos devem ou não comer/ficar em restaurantes ou hotéis não veganos. A questão é se a Vegan Society deve publicar anúncios pagos de um restaurante que serve ovos e laticínios. O anúncio do Lancrigg descreve o lugar como “um refúgio de paz & inspiração”. Duvido que os animais explorados por seus ovos e leite concordariam com essa linda descrição.
A questão não é se a Vegan Society deve trabalhar “em cooperação com os empreendimentos comerciais para incentivá-los a irem numa direção vegana”. A Society pode fazer isso sem aceitar anúncios pagos por restaurantes ou pousadas que servem os produtos da tortura e da exploração dos animais.
A resposta da Vegan Society continua:
Há uma declaração na frente de todas as revistas The Vegan dizendo: “As opiniões expressas na The Vegan não refletem necessariamente as do editor ou do conselho da Vegan Society.
Nada que está impresso deve ser interpretado como a política da Vegan Society, a menos que esteja declarado o contrário. A Society não assume nenhuma responsabilidade por qualquer questão na revista. A aceitação dos anúncios (inclusive encartes) não implica endosso”.
Espero que meus amigos na Vegan Society me perdoem, mas acho isso ofensivo. Então se uma sociedade para a defesa de mulheres espancadas tem uma revista que publica um anúncio de um lugar que vende pornografia sadomasoquista (ou, de forma mais análoga, oferece oportunidades em suas instalações para a prática do sadomasoquismo e da misoginia com mulheres), podemos simplesmente ter um aviso negando nossa responsabilidade, e está tudo bem? Ninguém aceitaria isso no contexto da defesa das mulheres espancadas e ninguém deveria aceitar isso no contexto animal também.
Se a Vegan Society quer oferecer a viajantes uma lista de lugares amigáveis ao veganismo, ou quer informar comensais sobre onde encontrar uma refeição vegana, é uma coisa. Anúncios pagos sobre esses lugares é outra. Se a Vegan Society publica o anúncio de um produto vegano e esse anúncio diz que o produto está “disponível no Sainsbury’s” é uma coisa. Publicar um anúncio geral do setor de alimentos do Sainsbury’s, que talvez tenha itens veganos, é outra.
Finalmente, dado que a nossa sociedade em geral, e também o movimento de defesa animal, ainda distinguem a carne dos outros produtos animais que não a carne, e consideram a carne mais objetável, no plano moral, do que os produtos animais que não a carne, é extremamente ingênuo dizer que um anúncio de um restaurante vegetariano que serve ovos e laticínios não reforça uma distinção que não tem nenhuma base moral e que a Vegan Society alega rejeitar.
A Vegan Society existe porque supostamente reconhece que há uma diferença entre uma abordagem “flexitariana” da vida e uma abordagem tão consistentemente vegana quanto possível no mundo real. Então por que não promover aquele ideal de todas as maneiras que a Society puder? Há um numero infindável de grupos que dizem encarar o veganismo como uma espécie de ideal mas que promovem o vegetarianismo como uma posição moral coerente. Muitos desses grupos são maiores do que a Vegan Society e podem promover essa mensagem com mais eficácia.
A Vegan Society deveria expressar claramente que vegano significa vegano e deveria ser escrupulosa quanto a não publicar anúncios de produtos não veganos de qualquer estabelecimento que seja.
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Tradução: Regina Rheda