domingo, 27 de fevereiro de 2011

A necessidade de uma Sociedade Vegana

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 23 de fevereiro de 2011

Caros(as) colegas:
A Vegan Society deletou, de seu fórum de discussão no Facebook, a discussão inteira sobre se deve haver anúncios pagos de restaurantes/estabelecimentos não veganos em sua revista The Vegan.
Eu me pergunto: por quê?
Em 21 de fevereiro, recebi um e-mail do chefe de informação da Vegan Society me agradecendo por meus comentários sobre o assunto e reconhecendo que eu havia “levantado uma questão razoável” quanto à política de aceitar anúncios de estabelecimentos que servem laticínios, ovos, etc.
A Vegan Society tem escrito a afiliados, declarando que “os membros do Conselho de Administração estão cientes dos comentários no Facebook em relação aos anúncios e estão discutindo as questões”. Mas, aparentemente, mais ninguém, incluindo afiliados e outras pessoas preocupadas que estavam gastando tempo em debater isto, está autorizado a discutir as questões na própria página do Facebook que os membros do Conselho de Administração estavam lendo para informar sua discussão.
E depois, sem avisar, a Vegan Society decidiu que a discussão desse assunto (que ela mesma reconheceu que levantava uma “questão razoável” e que os membros do Conselho de Administração estavam lendo) violava as normas do fórum da Vegan Society, e deletou a discussão inteira do Facebook.
Copiei a maior parte da discussão antes de a Vegan Society deletá-la e, no momento oportuno, irei disponibilizá-la publicamente para que as pessoas interessadas no assunto possam ver o que a Vegan Society considera um discurso ilegítimo ou inaceitável.
Dado que a discussão continuou por cinco dias antes de a Vegan Society deletá-la, parece que quando eles viram que a opinião estava pesando contra eles, decidiram que a discussão tinha de parar. Também é fascinante que, durante todo o período de discussão, a Vegan Society respondeu apenas uma vez no fórum, para dizer (em parte):
A aceitação dos anúncios (inclusive encartes) para a revista The Vegan não implica endosso”.
(Amanda Baker, 18 de fevereiro de 2011)
Isso é que é envolvimento com uma questão!
Em todo caso, o que está claro é que certamente não está claro que a Vegan Society seja uma sociedade vegana.
Como a Vegan Society se apoiou em sua resposta aos afiliados dizendo que Donald Watson aceitava publicar anúncios de estabelecimentos não veganos em 1946, reli a entrevista que George D. Rodger, da Vegan Society, fez com Watson em 2002.
Acho que podemos fazer duas observações sobre o ponto de vista de Donald Watson.
Primeiro, está claríssimo que, enquanto uma questão moral, Watson considerava os laticínios, os ovos, etc. tão repreensíveis quanto a carne. Foi por essa razão que ele fundou a Vegan Society em 1944.
Segundo, também está claro que, enquanto questão psicológica/sociológica, ele acreditava que a maioria das pessoas pode, ou irá, chegar ao veganismo apenas através do vegetarianismo. Isto é, ele pensava que, por razões que parecem ser em parte psicológicas e em parte sociológicas, a maioria das pessoas terá de, ou pelo menos irá, desistir da carne antes de desistir do laticínio e outros produtos que não a carne.
Mesmo se o argumento psicológico/sociológico de Watson estivesse correto em 1946, quando ele aparentemente aceitava anúncios de estabelecimentos vegetarianos (não veganos), isso certamente não é verdadeiro em 2011. E se fosse verdadeiro, então as páginas da The Vegan deveriam ser repletas de anúncios de laticínios, ovos, etc. e todo tipo de incentivo a se comer mais laticínio e menos carne. A The Vegan deveria não apenas aceitar anúncios pagos pelo Lancrigg, o Paskin’s, etc.; deveria também oferecer espaço de graça a todo estabelecimento que é vegetariano mas não vegano e, na realidade, todo estabelecimento que serve carne mas é amigável a vegetarianos ou veganos, já que seria apenas através do vegetarianismo que a maioria chegaria, ou seria capaz de chegar, ao veganismo.
Até onde o argumento psicológico/sociológico tem alguma validade, não é por causa de alguma “predisposição” humana, nem de algum fato necessário a respeito da sociedade. É porque aqueles de nós que dizem concordar com o argumento moral como verdade moral fundamental não educaram adequadamente as pessoas sobre essa verdade moral. É porque até mesmo os “grupos de defesa animal” estão, em 2011, promovendo produtos animais “felizes”, patrocinando selos e rótulos de carne/laticínio “feliz”, declarando que virar vegano é “difícil” e “intimidador”, afirmando que ser “mais ou menos vegano” já está bom, chamando de “fanáticos” e “puristas” aqueles que promovem o veganismo, e perpetuando a fantasia de que há uma distinção moral coerente entre a carne e os produtos que não a carne, etc., etc., etc.
Aceitar anúncios de lugares como o Lancrigg, ter nas páginas da The Vegan um estabelecimento que serve produtos animais (e que é descrito como “um refúgio de paz & inspiração”), passa uma mensagem: “não precisa ser vegano; ser mais ou menos vegano já está bom”. Passa a mensagem de que a carne e o laticínio são moralmente indistinguíveis. Passa a mensagem de que “um pouco” de exploração é OK.
Passa uma mensagem que não é vegana, conforme eu entendo esse conceito. E é absurdo dizer que uma declaração se isentando de responsabilidade deixa tudo certo.
Estamos em 2011, não em 1946. A Grã-Bretanha não está no meio de um racionamento de comida pós segunda guerra mundial. Já percorremos um longo caminho no entendimento das questões morais que informam o debate sobre a ética animal. Qualquer que tenha sido a posição de Watson quanto às questões psicológicas/sociológicas em 1946 (ou qualquer período, aliás), devemos aceitar que, se realmente abraçamos o princípio moral que Watson expôs em 1944, temos obrigação de ser claros e inequívocos sobre o fato de que não podemos justificar o consumo de laticínio, ovo, etc., assim como não podemos justificar o consumo de carne. Devemos parar de perpetuar a noção de que há uma distinção moralmente coerente entre a carne e os produtos animais que não a carne. Precisamos parar de nos esconder atrás daquelas “advertências” ou declarações negando nossa responsabilidade, que tentam (mas não conseguem) mascarar a rejeição a esse princípio moral quando convém financeiramente.
Eu respeitosamente faço um apelo à Vegan Society para que pare de aceitar anúncios de estabelecimentos não veganos. De novo: uma coisa é ter um anúncio de um produto vegano que também diz “à venda no Sainsbury’s”. Outra é ter um anúncio do departamento de comida do Sainsbury’s, mesmo se o departamento tiver muitos itens veganos. Se a Vegan Society for, realmente , uma luz que destaca o princípio moral em jogo aqui, então ela não tem justificativa para aceitar um anúncio do segundo tipo.
Peço sinceras desculpas se tiver ofendido meus amigos da Vegan Society, mas é que eu penso que essa questão tem uma importância crucial; senão, eu não teria gasto tanto tempo com isso num momento em que estou extremamente ocupado com a universidade e outros compromissos profissionais, lidando com colônias de gatos ferais e acolhimento temporário de animais, etc.
Observo também que a Vegan Society me bloqueou do seu fórum de discussão no Facebook, impedindo totalmente a minha participação. Eu não sabia desse fórum até a semana passada, quando um membro da Vegan Society me pediu para dar uma olhada em certa discussão que ele estava achando problemática. Embora eu tenha me concentrado principalmente no problema dos anúncios não veganos, fiquei contentíssimo por poder participar de estimulantes discussões sobre outros tópicos também. Lamento que, aparentemente, eu não vá mais poder interagir com as pessoas maravilhosas que encontrei no fórum, pelo menos no site da Vegan Society.
Lamento que, ao que parece, não haja nenhuma organização disposta a defender o princípio moral de que nenhuma exploração significa nenhuma exploração. Não há nenhuma organização disposta a promover o veganismo como base moral. Mas isso apenas reforça meu ponto de vista de que o movimento vegano precisa ser um movimento de base.
Fui um forte apoiador da Vegan Society no passado e continuarei promovendo os ideais morais de Donald Watson, mesmo se a Vegan Society não os promover. E oportunamente disponibilizarei a discussão deletada, para que as pessoas possam, por si mesmas, ler o que a Vegan Society aparentemente considera um discurso inaceitável.
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Se vocês não forem veganos(as), tornem-se veganos(as). É fácil; é melhor para a sua saúde e o planeta. Mas o mais importante é que é a coisa moralmente certa a fazer. Vocês nunca farão mais nada tão fácil e tão gratificante em suas vidas.
Gary L. Francione
© 2011 Gary L. Francione
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Tradução: Regina Rheda