sábado, 14 de julho de 2012

O uso de imagens violentas no ativismo pelos direitos animais

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 1 de junho de 2012

Perguntam-me com certa frequência se é aconselhável usar imagens violentas, por exemplo, filmes mostrando matadouros ou granjas industriais, como parte da educação vegana abolicionista. Quando expresso hesitação e preocupação, quem conhece a minha trajetória normalmente pergunta: “Mas visitar um matadouro não teve um profundo efeito sobre você?”
Certamente teve. Mas temos de distinguir entre a fonte da nossa preocupação moral com os animais e os argumentos que defendemos a favor da abolição e do veganismo. No meu post Moral Concern, Moral Impulse, and Logical Argument in Animal Rights Advocacy, afirmei que a racionalidade é absolutamente essencial a uma defesa eficaz dos direitos animais, mas, para uma pessoa ser receptiva à argumentação racional, ela precisa primeiro ter ao menos alguma preocupação moral com os animais. Ela precisa ter um impulso moral de querer fazer a coisa certa com relação a pelo menos alguns animais, para ser capaz de reagir positivamente aos argumentos lógicos sobre o que é a coisa certa a fazer. A preocupação moral e o impulso moral podem vir de muitas fontes. Se, entretanto, a pessoa simplesmente não se importar moralmente com os animais e não os considerar membros da comunidade moral em nenhum sentido, a lógica e a racionalidade não ajudarão muito.
No meu caso, minha preocupação moral com os animais foi acionada por uma visita a um matadouro e um reconhecimento simultâneo de que um compromisso com a não violência está seriamente incompleto se não se aplicar também ao nosso relacionamento com os animais. Foram essa preocupação moral e o fortíssimo impulso moral que dela resultou que me levaram a desenvolver a abordagem abolicionista dos direitos animais, a qual inclui todos os seres sencientes na comunidade moral e identifica o veganismo e a abolição como as únicas respostas coerentes ao reconhecimento do valor moral inerente aos animais.
Mas dizer que algo serviu para acionar ou despertar a preocupação moral em alguém não é o mesmo que dizer que isso também será uma ferramenta eficaz no ativismo dirigido a quem já tem uma preocupação moral mas ainda está confuso quanto à implicação dessa preocupação para sua própria vida e seu próprio ativismo. Mostrar filmes sanguinolentos para alguém pode despertar sua preocupação moral, mas a maioria das pessoas que vão ver esses filmes já estão preocupadas com os animais e estão tentando resolver o que fazer a respeito dessa preocupação. O perigo é que os filmes sanguinolentos fazem as pessoas preocupadas focarem na questão do tratamento e não do uso, particularmente quando são exibidos, como ocorre com frequência, para defender, explícita ou implicitamente, reformas do bem-estar. Esse é o caso dos vídeos que mostram granjas industriais ou os “abusos” da criação intensiva. Muitas pessoas que vão ver esses filmes voltam com uma mensagem bem-estarista muito clara de que a solução está em rótulos e selos “felizes”, fazendas familiares, circuito fechado de televisão e tudo quanto é coisa, exceto o veganismo. Todo nós conhecemos essas pessoas.
E é esse o risco. De fato, quando iniciei este website, havia imagens sanguinolentas no banner. Uma das razões por que eliminei essas imagens foi que algumas pessoas comentaram que os defensores dos animais deveriam focar nas reformas do bem-estar para “melhorar” o tratamento animal. Isso tirava totalmente o sentido do site!
Além disso, penso que há uma significativa diferença entre visitar um matadouro e ver um filme mostrando um matadouro. O filme será sanguinolento e chocante, mas parte do horror de um matadouro é o contato que você faz com certos animais olhando-os diretamente nos olhos, e você nunca mais os esquece. Se esse tipo de experiência não acionar sua predisposição a experienciar a preocupação moral ou a afinidade com os animais não humanos, não sei bem o que acionaria.
Então acho que devemos ter cuidado ao usar esse tipo de material no ativismo. Não sou totalmente contra usá-lo; ele pode ajudar alguma pessoa que esteja se debatendo com essas questões a desenvolver a preocupação moral que a torne receptiva aos argumentos racionais a favor do veganismo e da abolição. E pode ajudar a persuadir alguém que já esteja preocupado, e já tenha um impulso moral, a ir na direção abolicionista. Mas, neste último caso, esse material também pode incentivar essa pessoa a focar no tratamento e não no uso, e então estaremos mudando para o lado da carne “feliz” e da reforma do bem-estar.
Em meu texto sobre preocupação moral, declarei:
Em termos gerais, não estou dizendo que devemos usar a fonte da nossa preocupação moral para argumentar a favor dos direitos animais. Isso não faria sentido. Se a fonte da preocupação moral de uma pessoa com os animais tiver sido a leitura do livro Black Beauty [Beleza Negra] quando ela era criança, não estou dizendo que devamos promover a leitura de Black Beauty como meio para defender os direitos animais. De fato, há muitas pessoas que leram Black Beauty quando crianças e não se tornaram veganas. Mas esse livro (ou tantas outras obras, experiências, etc.) pode ter despertado, em alguma pessoa, o impulso moral que a torna receptiva aos argumentos racionais que podemos defender como abolicionistas para conseguir que ela veja todos os seres sencientes como membros da comunidade moral e o veganismo como a única reação coerente à sua preocupação moral. Mas se ela não tiver nenhuma preocupação moral em primeiro lugar, ela não estará receptiva a esses argumentos.
Uma pessoa pode ter desenvolvido seu sentido de preocupação moral trabalhando numa fazenda, de criação intensiva ou não, mas nós não falaríamos para as pessoas trabalharem nesse lugares a fim de convencê-las a se tornar veganas. Isso não seria prático, e além disso não está claro que seria tão eficaz quanto os argumentos lógicos apresentados a alguém que já tenha preocupação moral.
Conheci uma pessoa cuja preocupação moral foi acionada quando ela trabalhou como assistente num laboratório que usava animais. Ela parou de trabalhar no laboratório, passou a trabalhar como voluntária para um grupo grande do bem-estar animal e tornou-se vegetariana. Alguns anos depois, tornou-se vegana ao ler Introduction to Animal Rights; parou de promover as reformas do bem-estar e começou a educar as pessoas a ser veganas. Ela reagiu aos argumentos lógicos do Introduction to Animal Rights porque estava preocupada moralmente com os animais como resultado de sua experiência no laboratório. Mas eu certamente nunca recomendaria que alguém que fosse trabalhar como assistente num laboratório de animais para se tornar vegano.
Para concluir: não confunda a fonte da preocupação moral, que pode ser praticamente qualquer coisa, com os argumentos lógicos que defendemos a favor do veganismo e da abolição.
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Se você não for vegano(a), por favor torne-se vegano(a). É fácil, melhor para sua saúde e o ambiente, e, mais importante ainda, é a coisa moralmente certa a fazer.
Gary L. Francione
Professor, Rutgers University
© 2012 Gary L. Francione
Tradução: Regina Rheda