Perguntam-me com certa frequência se é aconselhável usar imagens
violentas, por exemplo, filmes mostrando matadouros ou granjas industriais,
como parte da educação vegana abolicionista. Quando expresso hesitação e
preocupação, quem conhece a minha trajetória normalmente pergunta: “Mas visitar
um matadouro não teve um profundo efeito sobre você?”
Certamente teve. Mas temos de distinguir entre a fonte da nossa preocupação moral com os animais e os argumentos que defendemos a favor da
abolição e do veganismo. No meu post Moral Concern,
Moral Impulse, and Logical Argument in Animal Rights Advocacy,
afirmei que a racionalidade é absolutamente essencial a uma defesa eficaz dos
direitos animais, mas, para uma pessoa ser receptiva à argumentação racional,
ela precisa primeiro ter ao menos alguma preocupação moral com os animais. Ela
precisa ter um impulso moral de querer fazer a coisa certa com relação a pelo
menos alguns animais, para ser capaz de reagir positivamente aos argumentos
lógicos sobre o que é a coisa certa a fazer. A preocupação moral e o impulso
moral podem vir de muitas fontes. Se, entretanto, a pessoa simplesmente não se
importar moralmente com os animais e não os considerar membros da comunidade
moral em nenhum sentido, a lógica e a racionalidade não ajudarão muito.
No meu caso, minha preocupação moral com os animais foi acionada por uma
visita a um matadouro e um reconhecimento simultâneo de que um compromisso com
a não violência está seriamente incompleto se não se aplicar também ao nosso
relacionamento com os animais. Foram essa preocupação moral e o fortíssimo
impulso moral que dela resultou que me levaram a desenvolver a abordagem
abolicionista dos direitos animais, a qual inclui todos os seres sencientes na
comunidade moral e identifica o veganismo e a abolição como as únicas respostas
coerentes ao reconhecimento do valor moral inerente aos animais.
Mas dizer que algo serviu para acionar ou despertar a preocupação moral
em alguém não é o mesmo que dizer que isso também será uma ferramenta eficaz no
ativismo dirigido a quem já tem uma preocupação moral mas ainda está confuso
quanto à implicação dessa preocupação para sua própria vida e seu próprio
ativismo. Mostrar filmes sanguinolentos para alguém pode despertar sua
preocupação moral, mas a maioria das pessoas que vão ver esses filmes já estão
preocupadas com os animais e estão tentando resolver o que fazer a respeito
dessa preocupação. O perigo é que os filmes sanguinolentos fazem as pessoas
preocupadas focarem na questão do tratamento
e não do uso, particularmente quando
são exibidos, como ocorre com frequência, para defender, explícita ou
implicitamente, reformas do bem-estar. Esse é o caso dos vídeos que mostram
granjas industriais ou os “abusos” da criação intensiva. Muitas pessoas que vão
ver esses filmes voltam com uma mensagem bem-estarista muito clara de que a
solução está em rótulos e selos “felizes”, fazendas familiares, circuito
fechado de televisão e tudo quanto é coisa, exceto
o veganismo. Todo nós conhecemos essas pessoas.
E é esse o risco. De fato, quando iniciei este website, havia imagens sanguinolentas no banner. Uma das razões por que eliminei essas imagens foi que
algumas pessoas comentaram que os defensores dos animais deveriam focar nas
reformas do bem-estar para “melhorar” o tratamento animal. Isso tirava
totalmente o sentido do site!
Além disso, penso que há uma significativa diferença entre visitar um
matadouro e ver um filme mostrando um matadouro. O filme será sanguinolento e
chocante, mas parte do horror de um matadouro é o contato que você faz com
certos animais olhando-os diretamente nos olhos, e você nunca mais os esquece.
Se esse tipo de experiência não acionar sua predisposição a experienciar a
preocupação moral ou a afinidade com os animais não humanos, não sei bem o que
acionaria.
Então acho que devemos ter cuidado ao usar esse tipo de material no
ativismo. Não sou totalmente contra usá-lo; ele pode ajudar alguma pessoa que
esteja se debatendo com essas questões a desenvolver a preocupação moral que a
torne receptiva aos argumentos racionais a favor do veganismo e da abolição. E
pode ajudar a persuadir alguém que já esteja preocupado, e já tenha um impulso
moral, a ir na direção abolicionista. Mas, neste último caso, esse material
também pode incentivar essa pessoa a focar no tratamento e não no uso, e então
estaremos mudando para o lado da carne “feliz” e da reforma do bem-estar.
Em meu texto
sobre preocupação moral, declarei:
Em termos gerais, não estou dizendo que devemos usar a fonte da nossa
preocupação moral para argumentar a favor dos direitos animais. Isso não faria
sentido. Se a fonte da preocupação moral de uma pessoa com os animais tiver
sido a leitura do livro Black Beauty [Beleza Negra] quando ela era criança,
não estou dizendo que devamos promover a leitura de Black Beauty como
meio para defender os direitos animais. De fato, há muitas pessoas que leram Black Beauty quando crianças e
não se tornaram veganas. Mas esse livro (ou tantas outras obras, experiências,
etc.) pode ter despertado, em alguma pessoa, o impulso moral que a torna
receptiva aos argumentos racionais que podemos defender como abolicionistas
para conseguir que ela veja todos os seres sencientes como membros da
comunidade moral e o veganismo como a única reação coerente à sua preocupação
moral. Mas se ela não tiver nenhuma preocupação moral em primeiro lugar, ela
não estará receptiva a esses argumentos.
Uma pessoa pode ter desenvolvido seu sentido de preocupação moral
trabalhando numa fazenda, de criação intensiva ou não, mas nós não falaríamos
para as pessoas trabalharem nesse lugares a fim de convencê-las a se tornar
veganas. Isso não seria prático, e além disso não está claro que seria tão
eficaz quanto os argumentos lógicos apresentados a alguém que já tenha
preocupação moral.
Conheci uma pessoa cuja preocupação moral foi acionada quando ela trabalhou
como assistente num laboratório que usava animais. Ela parou de trabalhar no
laboratório, passou a trabalhar como voluntária para um grupo grande do
bem-estar animal e tornou-se vegetariana. Alguns anos depois, tornou-se vegana
ao ler Introduction to
Animal Rights; parou de promover as reformas do bem-estar e
começou a educar as pessoas a ser veganas. Ela reagiu aos argumentos lógicos do
Introduction to Animal Rights porque estava preocupada moralmente com os
animais como resultado de sua experiência no laboratório. Mas eu certamente nunca
recomendaria que alguém que fosse trabalhar como assistente num laboratório de
animais para se tornar vegano.
Para concluir: não confunda a fonte da preocupação moral, que pode ser praticamente
qualquer coisa, com os argumentos lógicos que defendemos a favor do veganismo e
da abolição.
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Se você não for vegano(a), por favor torne-se vegano(a). É fácil, melhor
para sua saúde e o ambiente, e, mais importante ainda, é a coisa moralmente
certa a fazer.
Gary L. Francione
Professor, Rutgers University
© 2012 Gary L. Francione
Tradução: Regina Rheda