Caros(as) colegas:
Em um artigo na Time Magazine, a cofundadora da PETA, Ingrid Newkirk, discute o “flexitarianismo” ou “vegetarianismo de meio período”.
O objetivo de muitos ativistas é simplesmente convencer mais pessoas a comerem menos carne. “Os puristas absolutos deveriam estar vivendo em uma caverna”, diz Ingrid Newkirk, presidente da organização People for the Ethical Treatment of Animals (PETA). “Qualquer pessoa que testemunhe o sofrimento dos animais e tenha um fio de esperança de reduzir esse sofrimento não pode ter a posição do ‘ou tudo ou nada’. Temos de ser pragmáticos. Dane-se o princípio”.
Podemos fazer várias observações sobre as declarações de Newkirk:
Primeiro, Newkirk repete o mantra do movimento neobem-estarista (ou novo bem-estarista): o de que as reformas do bem-estar realmente reduzem o sofrimento. As reformas que são promovidas pela PETA e os outros grupos neobem-estaristas geralmente não oferecem benefícios significativos aos animais em termos de bem-estar. Elas apenas representam uma forma diferente de tortura. Simular o afogamento de uma pessoa amarrada sobre uma prancha dura é tortura, e simular o afogamento dessa pessoa amarrada sobre uma prancha acolchoada continua sendo tortura.
Além do mais, em geral a indústria acabaria adotando essas reformas de qualquer maneira, porque elas normalmente aumentam a eficiência da produção. Dar um pouquinho mais de espaço aos vitelos ou usar alternativas às celas de gestação resultam num aumento da produção de animais, na redução dos custos veterinários e em mais lucro para os produtores. A PETA reconhece explicitamente que asfixiar aves com gás é uma coisa economicamente eficiente a se fazer. A relação simbiótica entre os grupos grandes de defesa animal e os exploradores institucionais fica clara quando vemos que grupos como a PETA e os exploradores institucionais estão fazendo um teatro onde os defensores dos animais dirigem seus ataques a uma prática economicamente vulnerável; a indústria reage com uma luta mínima e simbólica; a reforma, ou alguma modificação da reforma, é eventualmente aceita porque não prejudica (e normalmente ajuda) a indústria; os grupos de defesa animal declaram vitória; os exploradores de animais desfrutam dos elogios que a indústria recebe dos defensores dos animais. Só os animais é que saem perdendo.
Segundo, Newkirk convenientemente ignora que a obstinada promoção dessas reformas do bem-estar pela PETA e outros grupos neobem-estaristas, e as alegações de que essas reformas tornam a exploração mais “humanitária”, fazem o público se sentir mais à vontade quanto a consumir animais e, como resultado, o consumo aumenta. É interessante notar que o consumo per capita de produtos animais está subindo, não descendo. Quando grupos como a PETA dão um prêmio à projetista de matadouros Temple Grandin, ou elogiam comerciantes de carnes e outros produtos animais, ou suspendem o boicote ao KFC no Canadá porque o KFC concordou em passar gradualmente a comprar frangos asfixiados dos produtores, o que isso diz ao público? É um grande selo de aprovação fornecido pelos “direitos animais”.
Graças à PETA, agora as pessoas que comem no KFC no Canadá ou no McDonald’s, ou que compram carnes ou outros produtos animais “felizes” no Whole Foods, podem se autoproclamar defensoras dos “direitos animais”.
Teria de ficar cada vez mais claro que o movimento a favor das “carnes/produtos animais felizes” é um gigantesco passo para trás.
Terceiro, Newkirk convenientemente ignora o ponto mais importante do debate sobre se devemos defender uma base moral vegana clara ou se, em vez disso, devemos defender reformas bem-estaristas.
Trata-se de um jogo de soma zero. Quer dizer, vivemos num mundo onde os recursos são limitados. Cada centavo, cada segundo, cada esforço que dedicamos às reformas do bem-estar é menos dinheiro, menos tempo e menos esforço que dedicamos à defesa clara e inequívoca do veganismo. Se as grandes corporações neobem-estaristas empregassem todos seus recursos na promoção do veganismo, elas poderiam reduzir o sofrimento e a morte, ao reduzir a demanda e ao ajudar a desviar o paradigma da noção de que os animais são coisas que podemos usar se os tratarmos de modo “humanitário” para a noção de que os animais são seres com valor moral inerente que não deveríamos estar usando de jeito nenhum.
Considere o seguinte exemplo: você dispõe de uma hora, hoje, para gastar na defesa dos animais. Você deveria gastar essa hora educando as pessoas a comerem ovos de aves livres de gaiolas, ou a não comerem ovos (ou produtos animais) de jeito nenhum? Você não pode fazer as duas coisas e, dentro da medida em que você diz às pessoas — como fazem essas organizações — que elas podem satisfazer suas obrigações morais para com os animais comendo ovos de aves livres de gaiola ou outros produtos animais “felizes”, você essencialmente garante que o melhor que vai acontecer é que as pessoas optarão por uma forma diferente de tortura, em vez de optarem pela não-tortura.
A escolha não é, como Newkirk sugere, entre reduzir o sofrimento ou promover o veganismo. É somente promovendo o veganismo — trabalhando com o elemento demanda da equação, em vez de trabalhar com a oferta (o foco das reformas bem-estaristas) — que reduziremos o sofrimento e a morte.
Um ponto relacionado a esse é que não é apenas o sofrimento que importa, como Newkirk sugere; matar também importa. Newkirk aparentemente acredita na visão de Peter Singer de que os animais, em sua maioria, não têm interesse em continuar a viver mas têm interesse somente em não sofrer. Eu rejeito essa visão como questão factual. Negar que qualquer ser senciente tenha interesse em continuar a viver — isto é, que todos os seres sencientes prefiram, ou queiram, ou desejem continuar a viver — é absurdo. A posição bem-estarista, que Newkirk e Singer aceitam, é que a vida animal, em si, não tem valor moral. Isso pode explicar por que a PETA mata a maioria dos animais que ela acolhe em suas instalações em Norfolk. Em todo caso, eu rejeito essa visão porque ela é especista.
Enquanto a questão for como tratamos os animais, enquanto pensarmos que temos justificativa para explorá-los contanto que os tratemos de modo “humanitário”, e não que não podemos justificar a exploração animal por mais “humanitária” que ela seja, o paradigma não vai mudar.
Quarto, eu compreendo por que empresas de exploração animal como a PETA promovem princípios “flexitarianos” e são hostis ao veganismo. Elas querem o maior número de doadores possível. Segundo um executivo da PETA, a metade dos membros da PETA não é nem vegetariana. Se você quer que essas pessoas lhe deem dinheiro e o ponham em seus testamentos, você precisa fazê-las se sentir bem quanto ao fato de continuarem a explorar os animais. Se você quer badalar com as celebridades de Hollywood e outras pessoas famosas que consomem animais, você não pode ter uma política vegana clara. Então, em vez disso, você tem uma postura que inclui todo mundo, mas, precisamente porque não rejeita nenhum comportamento por ele ser moralmente inaceitável, essa postura não significa coisa alguma.
A esquizofrenia moral é inacreditável. A PETA rotineiramente condena exploradores institucionais de animais, mas depois não reconhece que os consumidores de produtos animais —incluindo todos aqueles membros da PETA que não são veganos — são os exploradores de animais que criam a demanda, em primeiro lugar.
Em suma, é triste que os maiores opositores do veganismo como base moral sejam os chamados defensores dos animais como Newkirk e Singer (1; 2). É angustiante quando as respostas de Newkirk ao veganismo baseado em princípio são “Dane-se o princípio” e que aqueles que defendem o veganismo baseado em princípio “deveriam estar vivendo em uma caverna”.
É motivo de preocupação quando aqueles que gritam mais alto que o veganismo é difícil ou intimidador são os chamados defensores dos animais.
Por favor, compreendam, eu não estou questionando a sinceridade de Newkirk. Apenas acredito, sinceramente, que ela está muito, muito errada.
Se você não for vegano(a), por favor considere tornar-se vegano(a). Não acredite na falsa dicotomia entre carnes e outros produtos animais. Não há nenhuma distinção moralmente coerente entre carnes e outros produtos animais. Os animais usados para laticínios geralmente vivem mais, são tratados tão mal quanto (ou pior ainda do que) os animais criados para carne, e no fim são mortos nos mesmos horríveis matadouros que eles.
Ser vegano é fácil (apesar do que afirmam algumas organizações grandes de defesa animal); é melhor para sua saúde; é melhor para o planeta; e o mais importante de tudo é que é a coisa moralmente certa a fazer. Veganismo não é uma questão de compaixão ou misericórdia; é uma questão de justiça fundamental.
O veganismo é o mínimo que devemos aos não-humanos sencientes.
Gary L. Francione
© 2010 Gary L. Francione
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Tradução: Regina Rheda