Caros(as) colegas:
Em seu Report from the Seal Slaughter: Special Chance to Help [Relatório sobre o abate de focas: uma chance especial de ajudar], Wayne Pacelle, o executivo-chefe da HSUS [Sociedade humanitária dos Estados Unidos], escreve:
É um dia que eu temo todos os anos: a primeira pancada ou bala desferida contra um filhote de foca perto da costa leste do Canadá. Isso marca o início da maior matança intencional de mamíferos marinhos do mundo”.
A solução da HSUS? Ela tem duas partes.
Primeiro, a HSUS lançou a campanha “Save a Seal Today” [Salve uma foca hoje], que pede para as pessoas se comprometerem a “não comprar peixes e frutos do mar produzidos no Canadá —como caranguejo da neve, bacalhau, vieira e camarão— até o Canadá cessar definitivamente sua caça comercial de focas”.
Então, segundo a HSUS, nós devemos boicotar os peixes e os frutos do mar produzidos no Canadá, e comer, em vez disso, peixes e frutos do mar produzidos nos Estados Unidos, França, Noruega, Japão, etc. Mas não tenham medo. Não precisamos abrir mão daqueles saborosos animais marinhos canadenses para sempre. Uma vez que os canadenses cessem a matança comercial de focas, podemos voltar a comê-los.
A primeira parte da solução oferecida pela HSUS não apenas faz o que todas as campanhas de um só tema fazem —dá a mensagem de que alguns animais, sejam eles focas, lobos ou primatas não-humanos, têm mais valor moral do que outros— mas também reforça explicitamente essa avaliação especista, ao incentivar o consumo de animais marinhos que não sejam canadenses até que o Canadá pare de matar as focas (enquanto um empreendimento comercial).
Eu entendo que os humanos acham as focas mais fofinhas do que o bacalhau, o camarão, a vieira, etc., mas as percepções humanas da fofura não deveriam ser o critério para determinar quem participa da comunidade moral.
A HSUS observa:
Por que boicotar os peixes e frutos do mar canadenses? Por que isso está funcionando.
Um pequeno grupo de pescadores comerciais no leste do Canadá mata filhotes de focas por causa de sua pele, ganhando assim uma pequena parte de sua renda anual. A receita bruta de sua indústria despencou desde que iniciamos o boicote, há alguns anos.
Portanto, se nosso boicote continuar e a matança de focas cessar, a indústria canadense de peixes e frutos do mar poderá emergir novamente, e continuar matando aquela quantidade maior de peixes e outros não-humanos aquáticos que matava antes.
A diferença é que o bacalhau, o camarão, a vieira, etc., embora sejam, presumivelmente, atraentes para outros bacalhaus, camarões, vieiras, etc., não têm aquelas carinhas que deixam os humanos derretidos.
Mas os animais marinhos sencientes valorizam as próprias vidas, da mesma forma que as focas valorizam as delas.
Portanto, a primeira parte da solução da HSUS para a matança das focas é explicitamente especista e reforça deliberadamente a noção de que alguns animais têm mais importância do que outros. Isso é bem típico dessas campanhas de um só tema. E a HSUS ainda vai mais longe, incentivando o público a consumir os animais menos favorecidos, a fim de beneficiar os mais favorecidos.
As organizações protetoras de animais estão usando cada vez mais boicotes que promovem explicitamente a exploração animal. Por exemplo, a PETA anunciou um boicote ao Kentucky Fried Chicken até que o KFC concordasse em comprar seus frangos de produtores que matassem as aves com gás, coisa que a PETA promove como um modo mais “humanitário” de matar as aves e mais lucrativo para os produtores de frangos. Quando o KFC do Canadá concordou em matar frangos com gás, a PETA cancelou seu boicote (no Canadá). A mensagem que foi dada é clara como a água: é moralmente aceitável consumir aves que foram mortas com gás.
Segundo, Pacelle declara:
Esta luta pode ser insalubre. Mas precisamos nos manter firmes em nossa meta. Hoje estou lhe pedindo que nos ajude a acabar com isso de uma vez por todas. Se você fizer uma doação agora para contribuir com nossos esforços de salvar as focas, sua doação será triplicada pela Giant Steps Foundation e outros generosos doadores. Com cada dólar que você nos der até que atinjamos um total de $400.000, esses outros doadores nos darão dois dólares. Por favor, considere uma dádiva especial —com esta chance de transformar em três dólares todo dólar que você doar— para nos ajudar a finalmente vencer a batalha.
Então, segundo a HSUS, sua contribuição em dinheiro pode ajudá-la a “finalmente vencer a batalha” porque uma contribuição total de $400.000 valerá $1.2 milhões para ela.
Não entendo.
Como alguém pode dizer, na cara dura, que $1.2 milhões a mais farão uma diferença significativa? Pacelle reconhece que a HSUS tem um orçamento anual de $150 milhões, e os relatórios financeiros indicam que ela tem ativos de quase $225 milhões.
Mas é de outros $1.2 milhões que precisamos para “nos ajudar a finalmente vencer a batalha”?
Evidentemente, é terrível que as focas estejam sendo mortas. Mas também é terrível que algumas pessoas usem essa tragédia para cavar mais uns dólares.
Devo acrescentar que a campanha pelas focas da HSUS está sendo dirigida pela Humane Society International (HSI). A HSI lançou o selo “Humane Choice” na Austrália que, alega, “garantirá ao consumidor que o animal foi tratado com respeito e cuidado, desde o nascimento até a morte”. Um produto portando o selo “Humane Choice” da HSI assegura o seguinte ao consumidor:
O animal teve a melhor vida e a melhor morte oferecidas a qualquer animal de fazenda. Eles basicamente vivem como viveriam nas fazendas antigas, podendo satisfazer suas necessidades comportamentais, podendo pastar ou forragear e se movimentar, sem correntes nem jaulas, com livre acesso a áreas externas, com sombra no calor e abrigo no frio, uma boa dieta e uma morte humanitária.
Então vamos “temer” o dia em que a matança de focas começar, mas vamos reassegurar ao público que não há problema com a matança diária de milhões de animais de fazenda.
E Pacelle, em uma recente conferência para a imprensa sobre animais usados para comida, declarou:
Não estamos pedindo o fim dos confinamentos de animais em edificações. Estamos pedindo que eles não sejam amontoados e espremidos em gaiolas e cercados que são só um pouquinho maiores do que seus corpos.
Então vamos “vencer a batalha” contra a matança de focas mas oferecer um pouco mais de espaço aos animais torturados nas fazendas industriais.
Deveria ser visível para vocês que os grupos predominantes (e eles são todos iguais) estão explorando os animais como um negócio, como um empreendimento comercial, e nada disso tem a ver com trocar o paradigma dos animais como propriedade pelo paradigma dos animais como pessoas morais.
A campanha contra a matança de focas vem sendo realizada há décadas. Ela ainda não acabou. Mas muitos dos grupos predominantes têm faturado milhões e milhões de dólares com a campanha, ao longo dessas décadas.
Há um modo de mudar o status quo: tirar as pessoas da posição automática de que os animais são coisas. Há um meio para esse fim: a educação vegana não-violenta criativa.
A alternativa é dizer às pessoas que elas devem comer bacalhau americano em vez de bacalhau canadense até que o Canadá pare de matar certos animais que têm a sorte de ser atraentes para nós. A alternativa é fazer de conta que há uma diferença entre a pele da foca e a pele dos outros animais. A alternativa é afirmar que devemos parar de matar filhotes fofinhos de foca mas podemos continuar consumindo vacas, porcos e frangos que tiverem o selo “Humane Choice” estampado em seus corpos mortos.
As alternativas não fazem nenhum sentido. Na realidade, elas são contraproducentes pois enganam o público, levando-o a crer que podemos fazer distinções morais significativas entre diferentes tipos de exploração animal.
Por isso eu digo a Wayne Pacelle, que conheço há muitos anos: Wayne, você quer de verdade que consigamos “finalmente vencer a batalha”? Então coloque seu talento, o talento de seus colegas na HSUS e os consideráveis recursos dessa organização por trás de uma simples e clara mensagem:
Tornem-se veganos(as). Parem de consumir ou usar animais não-humanos para comida, roupa e tudo mais.
Wayne, se você realmente quer que as coisas mudem, pare de promover a noção de que alguns animais contam mais, como questão moral, do que outros. Pare de promover carnes e outros produtos animais “felizes”. Pare de promover a noção da “criação/reprodução responsável de animais”. Pare de promover a fantasia de que alguns matadouros são “abusivos” e outros não. Eduque seus 11 milhões de membros sobre o fato de que a questão é o uso de animais, sem transformar determinados animais em fetiche em detrimento dos outros, nem reformar a tortura animal, reforma essa que, dada a condição dos animais como propriedade, jamais resultará em melhor proteção para os animais e apenas fará o público se sentir mais à vontade quanto a explorá-los e consumi-los. Sim, seus doadores mais conservadores vão objetar, mas e daí? Imagine o impacto que você poderia ter se deixasse claro que uma sociedade “humanitária” é aquela que rejeita todo uso de animais.
A todos vocês: se não forem veganos, tornem-se veganos. É incrivelmente fácil; é melhor para sua saúde física e para o planeta. Mas o mais importante é que é a coisa moralmente certa a fazer.
E, depois, eduquem os outros sobre o veganismo, usando meios não-violentos e criativos. Uma ideia compartilhada com as outras pessoas vale muito mais do que um dólar doado às já fantasticamente ricas corporações —mesmo se o dólar que você doar for triplicado.
Finalmente, no meio de todo o foco em focas e outros animais “especiais”, por favor não esqueçam o fato de que há milhões de cães, gatos, ratos, peixes, aves, camundongos e outros não-humanos que precisam de lares hoje. Já. Por favor, adotem um animal não-humano sem lar. Agora, existem mais animais precisando de lares do que nunca. A crise da habitação está privando de lares não só os humanos como também os não-humanos. Por favor, adotem. Nós somos responsáveis pelo fato de os animais domesticados existirem num mundo onde eles não se encaixam. O mínimo que podemos fazer é lhes dar um lugar como refúgio. A adoção é uma importante forma de ativismo pelos direitos animais.
Gary L. Francione
© 2010 Gary L. Francione
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Tradução: Regina Rheda