terça-feira, 21 de setembro de 2010

Uma oportunidade perdida

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 19 de setembro de 2010

Caros(as) colegas:
Fico triste toda vez que uma questão vem à baila nas notícias e os defensores dos animais rejeitam a chance de educar o público sobre o veganismo porque querem, em vez disso, embarcar na caravana neobem-estarista e fazer o público se sentir melhor quanto à exploração animal.
Hoje, no jornal britânico The Mail on Sunday, saiu uma reportagem dizendo que muita carne servida na Grã-Bretanha é halal, ou de animais abatidos de acordo com a lei islâmica. O abate halal se assemelha ao ritual de abate judaico kashrut e envolve fazer um profundo corte no pescoço do animal, rompendo as veias jugulares e as artérias carótidas de ambos os lados, mas deixando a medula espinhal intacta. Os animais mortos desse modo não são atordoados, e os abates halal e kosher têm recebido críticas de quem os considera cruéis e causadores de mais dor e sofrimento do que o método de abate com atordoamento, que teria a finalidade de deixar o animal inconsciente antes dele ser morto.
Muitas pessoas no Reino Unido estão perturbadas com a ideia de que a carne que elas estão comendo é de animais que não foram mortos de modo “humanitário”.
Eu diria que nenhum animal consumido por seja quem for, na Grã-Bretanha ou em qualquer outro lugar do planeta, foi tratado e morto de um modo que possa ser chamado de “humanitário” sem se fazer um uso repulsivamente errado dessa palavra.
Então a reportagem deu, aos defensores dos animais, a oportunidade de explicar, a um público preocupado, que não existe essa coisa de “carne produzida de modo humanitário”; que todo tipo de carne — e todo tipo de produto animal — provém de animais não humanos que foram torturados, mesmo nas melhores condições. E não podemos justificar o fato de matarmos animais sob qualquer circunstância que seja, quando nossa única justificativa é que eles têm um sabor gostoso.
Os defensores dos animais agarraram a oportunidade?
Não.
Em vez disso, eles caracterizaram o tema como uma questão envolvendo a prática de uma determinada religião. Por exemplo, o grupo VIVA! foi citado no artigo:
Outras práticas que podem ocorrer por razões religiosas, como a poligamia ou o apedrejamento de adúlteras, não são permitidas no Reino Unido.
A liberdade religiosa não sobrepuja outras considerações morais, e o sofrimento causado por essa forma de abate é tão grave que não se deve permitir que a religião nos impeça de fazer algo a respeito. Os consumidores podem fazer sua parte, boicotando os lugares que insistem em vender carne de animais não atordoados.
Acho uma tristeza que o grupo VIVA! tenha escolhido caracterizar isso como uma questão de uma prática islâmica concernente a como os animais são abatidos, em vez de que eles são abatidos. Infelizmente, os islâmicos não têm o monopólio dos maus tratos aos animais, e os comentários do VIVA! encorajam a islamofobia, que já está ocorrendo de maneira desenfreada no Reino Unido e nos Estados Unidos. E, como foi mencionado acima, os judeus usam um método semelhante de abate, e o método com atordoamento, que todo mundo pensa que é tão melhor do que o usado ou pelos islâmicos ou pelos judeus, também é realmente horrível.
Acreditar que há alguma diferença significativa entre a carne halal e a carne “humanitária” não passa de pura fantasia. Tudo isso envolve tortura e morte. É simplesmente desonesto perpetuar a ideia de que podemos, simultaneamente, considerar os animais como membros da comunidade moral e continuar a comê-los e comer produtos feitos a partir deles.
Sinto muito, mas todo mundo que consome animais está no mesmo barco. Não existe nenhum barco especial designado apenas para islâmicos ou judeus. Ao criticar o halal ou o kashrut, fazemos de conta que há uma diferença moralmente significativa, e que aqueles que comem carne de animais atordoados são moralmente superiores porque se importam mais com o bem-estar animal. Estamos novamente participando da atividade neobem-estarista favorita, que é tentar fazer as pessoas se sentirem bem quanto à exploração animal contanto que ela seja realizada “humanitariamente” e com consideração pelo “bem-estar animal”.
Devo dizer que muita carne vendida nos Estados Unidos, particularmente no nordeste, é de animais submetidos ao abate kosher, então a mesma questão também existe neste lado do Atlântico.
Em todo caso, a solução não é assegurar que você compre carne de animais atordoados, ou boicote lugares que vendem carne halal ou kosher.
A solução é se perguntar: se eu me importo com essa questão; se eu me oponho à tortura e à morte desnecessárias, então por que estou comendo carne ou qualquer outro produto animal que seja?
A resposta é ou reconhecer que você não se importa de verdade, ou começar a pensar seriamente em se tornar vegano.
É uma vergonha que grupos como o VIVA! continuem insistindo que o veganismo é intimidador demais para ser entendido por uma pessoa comum. Não é, e essa posição paternalista se torna uma profecia autocumprida, facilitando a caracterização do veganismo como exagerado ou “extremo”.
O que é difícil de entender, na verdade, é como um movimento social que supostamente se opõe à exploração animal pode se recusar a promover o veganismo como base moral, e, em vez disso, se contenta em promover as carnes e outros produtos animais “felizes” como superiores aos produzidos em fazendas intensivas, ou em perpetuar a ideia de que há uma distinção moral significativa entre a carne e os outros produtos animais.
Se você não for vegano(a), torne-se vegano(a). É muito fácil, melhor para a saúde e o planeta. E o mais importante de tudo é que é a coisa moralmente certa e justa a fazer.

Gary L. Francione
© 2010 Gary L. Francione
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Tradução: Regina Rheda