Caros(as) colegas:
O dia de hoje marca o início de uma nova e importante campanha em prol dos animais:
Sexta-feira sem peixes pequenos de criação intensiva
O objetivo da campanha é incentivar as pessoas a não comerem, na sexta-feira, peixes criados em fazendas intensivas, e, em vez disso, consumirem outros produtos animais, para criar consciência no público quanto à má situação dos peixes pequenos produzidos em fazendas intensivas.
Por que peixe?
Embora seja verdade que todos os animais sofrem e o sofrimento de cada animal é o sofrimento dele ou dela, e é algo que ele/a não quer experienciar, e embora não possamos, sem tomar as questões morais como resolvidas, classificar o sofrimento de um animal como mais importante ou menos importante do que o de outro, decidimos focar apenas nos peixes e em nenhum outro animal, e propor que não se coma peixe de fazenda intensiva, em vez de propor o veganismo.
Fizemos isso por uma razão simples: o público simplesmente não é inteligente o bastante, ou não está emocionalmente preparado, para se confrontar com o fato de que todos os seres sencientes são... bem... sencientes. Isto é, os seres sencientes, em virtude de serem sencientes, não querem experienciar dor, sofrimento, aflição e outros estados negativos. Portanto, embora nesse sentido todos os seres sencientes sejam indistinguíveis no plano moral, nós decidimos fazer uma distinção reconhecidamente indefensável entre o peixe e outros animais não humanos porque precisamos trazer o público gradualmente para dentro disso tudo. A verdade poderia chocar o público, poderia sobrecarregar sua capacidade cognitiva, então decidimos que era melhor fazer de conta que comer peixe é moralmente distinguível de comer outros produtos animais, ou vestir ou usar produtos animais.
Esta campanha de vanguarda, focada em peixes pequenos criados em fazendas intensivas, é realmente uma campanha de “porta de entrada”, parte de uma estratégia geral que visa propor, eventualmente, o veganismo como base moral. Baseados nas atuais circunstâncias, faremos isso daqui a mais ou menos quatro séculos, mas teremos de ir bem devagar mesmo então. Agora estamos planejando anunciar as “Quintas-feiras sem peixes pequenos de criação intensiva” em algum dia do ano de 2020. Uma revolução começa com o primeiro passo!
As pessoas não vão virar veganas de um dia para o outro, vocês sabem. E nós estamos fazendo todo o possível para assegurar que mais pessoas não virem veganas, ao caracterizarmos constantemente o veganismo como difícil e ao tomarmos o cuidado de não promovê-lo como um princípio ou base moral. Devemos ser práticos, e não simplesmente ideológicos.
Devemos lembrar que muitos dentre nós não viraram veganos durante anos porque os grupos de defesa animal com os quais estávamos envolvidos nos diziam que era moralmente aceitável comer diversos produtos animais. É importante que esses erros sejam repetidos muitas vezes, senão todos os nossos erros terão sido em vão. Em vez de reconhecer que não há nenhuma distinção moral coerente entre a carne e os laticínios ou outros produtos animais, devemos continuar perpetuando a fantasia de que o vegetarianismo é uma postura moral significativa. Seria errado promover a posição de que todo uso de animais é injustificável e que o veganismo é a base moral, e, desse modo, dar às pessoas algo a que aspirarem, independentemente de onde elas estejam em um dado momento e do fato de elas estarem ou não preparadas para virar veganas na mesma hora. Em vez disso, devemos dizer que os padrões aquém do veganismo são OK, para fazê-las se sentir bem. Devemos dar nosso selo de aprovação ao consumo de vários produtos animais.
Embora tratemos temas de direitos humanos fundamentais como questões que têm uma resposta moralmente correta e incorreta (ninguém diz que a condição moral da escravidão, do estupro ou do abuso sexual infantil é uma questão de opinião), devemos sempre fingir que as questões da ética animal são simplesmente questões de escolha de estilo de vida, ou de preferência, ou de mera opinião, sem mais importância moral do que a escolha de um lugar para a gente passar as férias ou que tipo de música a gente aprecia. Devemos adotar o “flexitarianismo”, senão vamos parecer rígidos demais e correr o risco de ser considerados “fanáticos” pelas pessoas. É importante nunca caracterizar o veganismo como a base moral, como aquilo que devemos aos animais não humanos; é importante nunca ser honesto ou dizer francamente que não podemos justificar nosso consumo de qualquer produto animal que seja. Os humanos merecem justiça; os animais ganham apenas nossa misericórdia ou compaixão.
Por que peixes pequenos?
Boa pergunta! Decidimos focar nos peixes pequenos porque a maioria das pessoas não acha que peixe é um animal fofinho, então pensamos que elas talvez achem os peixes pequenos mais fofinhos do que os grandes. E, sendo defensores dos direitos animais, estamos muito cientes do velho ditado: “animal fofinho vende campanhas”. Pensando bem, a maioria das campanhas de um só tema se concentra em animais que nós, humanos, achamos atraentes, sejam eles filhotes de foca, ou elefantes, golfinhos, filhotes de cachorro, bezerrinhos, lobos, etc. Somente fomos levantar campanhas bem-estaristas de um só tema envolvendo porcos quando o filme Babe apareceu e deu pontos para a fofura dos porcos e outros animais de fazenda.
Embora não haja nenhuma distinção moralmente significativa entre um peixe grande e um pequeno (ou entre um peixe e uma vaca, etc.), pensamos com muito cuidado sobre essa questão e decidimos que o público simplesmente não estava pronto para lidar com a ideia de que não devemos comer nenhum peixe (ou nenhum produto animal), então resolvemos ir com calma e focar a atenção do público apenas em peixes pequenos e mais fofinhos. E depois do Finding Nemo, há mais pessoas achando que os peixes pequenos são fofinhos. Devemos alcançar as pessoas indo até onde elas estão.
Lembrem-se, temos de fazer isso passo a passo. O veganismo é extremamente difícil. Os grupos grandes vivem repetindo isso, portanto deve estar certo e não devemos discordar. Como podemos sequer pensar que as pessoas vão achar absolutamente deliciosos todos os maravilhosos alimentos veganos disponíveis hoje em dia? Como podemos sequer esperar que as pessoas levem a moralidade a sério?
Por que peixes pequenos criados em fazendas intensivas?
A resposta é fácil. Há três razões.
Primeiro, Peter Singer, o pai do movimento, deixou claro que os não humanos, diferentemente dos humanos, não têm a capacidade cognitiva tão sofisticada quanto a nossa, e o resultado disso é que eles não têm interesse em continuar a viver. Eles não têm o senso de ter uma vida, e suas vidas têm um valor menor em termos morais. Os animais não ligam para o fato de que os usamos e comemos; eles só ligam para o modo como os usamos. Eles só se importam em não sofrer demais e em ser mortos de um modo relativamente indolor, mas não ligam para continuar a viver.
Agora: os peixes estão bem lá embaixo, naquela escala cognitiva, segundo os bem-estaristas, e o resultado é que eles não ganham muitos pontos na escala que mede “quão próximo seu sentido de autoconsciência está daquele do humano adulto normal”. Portanto o problema não é comê-los, em si; o problema é fazê-los sofrer. Podemos nos dar o “luxo” de comer peixe, se o peixe tiver sido criado e morto de modo “humanitário”.
Segundo, ao focar nos peixes pequenos criados em fazendas intensivas, garantimos toda sorte de “vitórias” insignificantes que deixarão as pessoas mais tranquilas quanto a consumirem peixes pequenos “felizes”. Estamos tentando convencer Temple Grandin, que foi premiada pela PETA, a projetar novas instalações para matar peixes; e o supermercado Whole Foods, que foi premiado pela PETA, vende muitos corpos de peixes mortos e coloca cartazes dizendo que eles são “peixes selvagens” capturados em seu ambiente natural. Então as coisas já estão começando a mudar para os peixes! Já há vitórias! E é só uma questão de tempo para que todas as corporações grandes de bem-estar animal coloquem selos de “peixe morto feliz” em cadáveres de peixes. O resultado desses selos será mais dinheiro entrando nos cofres dessas corporações. Imaginem quanto o “peixe feliz” fará para ajudar os animais!
Terceiro, e mais uma vez, nós acreditamos que o público ainda não está pronto para lidar com a ideia de não comer todos os peixes pequenos. Estamos propondo meramente que eles não comam peixes pequenos criados em fazendas intensivas. O público não tem a inteligência que nós temos. Nós podemos achar os argumentos pró veganismo muito fáceis de entender, mas a maioria das pessoas tem a cabeça tão dura que nem dá para imaginar.
Sabemos que alguns defensores dos animais criticarão esta campanha e proporão que deveríamos estar educando o público sobre o veganismo; que deveríamos estar mudando o paradigma, afastando o discurso do tratamento e direcionando-o para o uso. Esses críticos são meros elitistas divisionistas que não reconhecem que o público é inacreditavelmente imbecil. Esses críticos não sabem reconhecer que a divergência racional é divisionista. Esses críticos não têm ideia do quanto esta campanha é vanguardista. Foi só em abril deste ano que a HSUS anunciou uma campanha para salvar focas fofinhas por meio do boicote aos peixes e frutos do mar canadenses e do consumo de peixes capturados e comercializados por outros países. E a HSUS nem sequer distinguiu peixes pequenos de grandes! Nossa campanha vai muito, muito além disso, pelo menos nas sextas-feiras. Embora não estejamos promovendo o boicote a todos os peixes e frutos do mar canadenses, estamos promovendo um boicote aos peixes pequenos de todos os países nas sextas-feiras. Estamos pedindo formalmente à HSUS que mude sua campanha e passe a promover o boicote aos peixes pequenos canadenses e também aos peixes pequenos de todos os outros países, mas apenas na sexta-feira porque não queremos ser radicais demais.
Embora seja verdade que muita gente vai comer apenas carne de vaca, ovo e sorvete em vez de peixe, ou talvez coma peixe “selvagem” vendido por um comerciante de peixe morto “feliz”, nós temos de fazer alguma coisa agora para ajudar os animais, e esta é a melhor coisa que conseguimos pensar.
Por fim, achamos que esta campanha realmente vai pegar porque as pessoas vão ter de fazer muito pouco em termos de mudar de verdade as coisas. Podemos lhes mostrar como elas podem ser “defensoras dos direitos animais” fazendo apenas isto: se abstendo de peixes pequenos de criação intensiva na sexta-feira. Elas vão se sentir tão bondosas que vão assinar um cheque para mandar a um dos grupos grandes de defesa animal. Outra vitória! E daqui a uma década conseguiremos fazê-las focarem em não comer peixes pequenos de criação intensiva na quinta-feira. E daqui a duas décadas conseguiremos fazê-las focarem nas quartas-feiras. E assim por diante. Depois focaremos em peixes de tamanho médio de criação intensiva. E o público nunca vai se dar conta. Somos tão inteligentes!
Portanto, pelos animais, por favor apoiem nossa campanha de vanguarda para ajudar o público mental e emocionalmente limitado a entender a verdade moral que apenas alguns dentre nós conseguem entender. Sim, sabemos que aqueles dentre vocês que são verdadeiramente elitistas e divisionistas vão querer ficar agarrados ao veganismo como princípio ou base moral. Para eles, dizemos: “Dane-se o princípio”.
*****
Francamente, eu não consigo entender o pensamento das pessoas que defendem coisas como a Segunda-feira sem carne. Essas campanhas fazem distinções onde não há nenhuma, encorajam os outros a consumirem produtos animais em geral e supõem que o público é incapaz de entender uma ideia simples. Para conhecerem algumas ideias sobre como falar sobre veganismo com não veganos, ouçam meu recente Comentário sobre o assunto.
Os defensores dos animais que de fato se opõem a todo uso de animais não deveriam estar propondo o vegetarianismo (ou qualquer situação que fique aquém do veganismo) como um passo na direção do veganismo. Em primeiro lugar, todos nós conhecemos muitas pessoas que têm sido vegetarianas durante décadas e nunca viraram veganas, então, em termos empíricos, não está claro, de jeito nenhum, que o vegetarianismo seja algum tipo de passo transicional. Segundo, os vegetarianos tendem a comer mais laticínios e outros produtos animais quando desistem da carne. Esses outros produtos animais causam tanto sofrimento e tanta morte aos animais quanto a carne, se é que não causam mais ainda. Então, em termos de volume de sofrimento animal, uma dieta vegetariana com muito laticínio, ovo, etc. pode não ser melhor.
O argumento de que o público acha o veganismo difícil é uma profecia autocumprida: as organizações grandes de defesa animal são as piores ofensoras, reforçando constantemente a noção de que o veganismo é difícil e requer um sacrifício e uma força de vontade hercúleos. E mesmo se o público achar o veganismo difícil, isso não quer dizer que nossa mensagem deve mudar. Vivemos num mundo onde ainda existe muito racismo; as pessoas acham difícil parar de tomar decisões quanto à inclusão na comunidade moral baseadas na cor da pele. Isso quer dizer que devemos parar de promover a mensagem de que todo racismo é moralmente injustificável? Claro que não.
Devemos sempre deixar claro como a água que não podemos justificar o nosso consumo ou uso de produtos animais, quaisquer que sejam esses produtos. Se uma pessoa decide não se abster completamente, ou pelo menos não no começo, então deixe que isso seja a escolha dela, e não o resultado de pormos um selo de aprovação em algo aquém do veganismo. Nunca faríamos isso ao tratar de questões de direitos humanos fundamentais; o fato de fazermos isso no contexto dos animais é nada mais, nada menos que especismo.
Para mais discussão sobre as questões abordadas aqui, vejam os ensaios 1, 2, 3; e ouçam este Comentário sobre o vegetarianismo como uma suposta “porta de entrada” para o veganismo.
A luta pelos direitos animais não é simplesmente uma questão de compaixão; sim, devemos ter empatia para com o outro não humano. Mas “direitos animais” é muito mais do que isso: é a postura de que não podemos justificar a exploração dos animais não humanos, por mais “humanitária” ou “compassiva” que seja nossa exploração. Os direitos animais, em seu cerne, são uma questão de justiça.
Então façam de todo dia um “Dia sem produtos animais”. Tornem-se veganos(as). É fácil. É melhor para sua saúde e o planeta. Mas o mais importante de tudo é que é a coisa moralmente certa e justa a fazer.
Gary L. Francione
© 2010 Gary L. Francione
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