sábado, 26 de novembro de 2011

Matar animais e fazê-los sofrer

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 22 de novembro de 2011

A base do movimento de bem-estar animal, desde sua origem no século 19 até hoje, é que o uso de animais, em si, é aceitável porque os animais não têm interesse em continuar a viver. Segundo os bem-estaristas, os animais não humanos não são autoconscientes e cognitivamente sofisticados à maneira dos humanos. Isso significa que as vidas dos não humanos são menos valiosas do que as dos humanos. Segundo Peter Singer:
Enquanto a autoconsciência, a capacidade de pensar adiante e ter esperanças e aspirações para o futuro, a capacidade de ter relações significativas com os outros, etc., não são relevantes para a questão de infligir dor... essas capacidades são relevantes para a questão de tirar a vida. Não é arbitrário afirmar que a vida de um ser autoconsciente, capaz de ter pensamento abstrato, de fazer planos para o futuro, de realizar atos complexos de comunicação, etc., é mais valiosa do que a vida de um ser sem essas capacidades.
Os bem-estaristas fazem uma distinção entre matar, que para eles não é moralmente objetável em si, e a imposição de sofrimento “desnecessário”, que é moralmente objetável. Se dermos aos animais uma vida razoavelmente agradável e uma morte relativamente indolor, então a nossa exploração de animais pode ser moralmente aceitável. De novo, segundo Singer:
Se é com o fato de infligir sofrimento que estamos preocupados, em vez de com o fato de matar, então eu também posso imaginar um mundo em que as pessoas comem principalmente alimentos vegetais, mas de vez em quando se dão o prazer e o luxo de comer ovos de aves criadas soltas, ou possivelmente até carnes de animais que viveram uma vida boa, em condições naturais para suas espécies, e depois foram mortos de modo humanitário na fazenda.
Foi esse tipo de pensamento que impulsionou o “movimento pelas carnes/produtos animais “felizes” que é promovido por Singer e praticamente todas as organizações grandes de defesa animal nos Estados Unidos e na Europa. Para eles, usar animais não é o problema; o problema é o sofrimento dos animais. Assim, se diminuirmos o sofrimento por meio das reformas do bem-estar, tornamos a exploração animal menos objetável moralmente. O público pode continuar a consumir animais e se sentir bem por se achar “compassivo”.
Não é de surpreender que cada vez mais pessoas estejam se sentindo tranquilas quanto a consumir produtos animais. Afinal de contas, os “especialistas” estão lhes assegurando que o sofrimento está diminuindo e elas podem comprar carne “feliz”, ovos de aves “criadas soltas”, etc. Esses produtos vêm até com selos de aprovação dados pelas organizações de defesa animal. O movimento de bem-estar animal está na verdade incentivando o consumo “compassivo” de produtos animais.
As reformas do bem-estar animal fazem muito pouco para aumentar a proteção dada aos interesses dos animais por causa do fator econômico envolvido na equação: os animais são propriedade. Eles são coisas que não têm valor intrínseco ou moral. Isso significa que os padrões de bem-estar, seja para animais usados para comida, experimentação, ou qualquer outro propósito, serão baixos e ligados ao nível de bem-estar necessário a fim de explorar o animal de um modo economicamente eficiente para aquele uso específico. Simplificando: geralmente protegemos os interesses dos animais apenas dentro da medida em obtemos um benefício econômico fazendo isso. O conceito de sofrimento “desnecessário” é entendido como o nível de sofrimento que vai frustrar aquele uso específico do animal. E isso pode ser muitíssimo sofrimento.
Mas a posição do bem-estar animal – de que é o sofrimento dos animais, e não o fato em si de os matarmos, que suscita um problema moral – toma como certa uma questão muito importante: supõe que como as mentes dos animais são diferentes das mentes humanas, os animais, diferentemente dos humanos, não têm o tipo de autoconsciência que se traduz em um interesse em continuar vivendo. A posição do bem-estar necessariamente supõe que a vida animal tem menos valor moral do que a vida humana. E os bem-estaristas concordam explicitamente com isso, conforme está claro em meu livro The Animal Rights Debate: Abolition or Regulation?
Um dos pontos centrais do meu trabalho tem sido desafiar essa suposição bem-estarista e argumentar que a única posição não especista que devemos assumir é que qualquer ser senciente – qualquer ser perceptivamente consciente e que tenha estados subjetivos de consciência – tem interesse em continuar vivendo. Qualquer outra posição dá uma preferência arbitrária à cognição humana. É especista afirmar que a vida animal tem menos valor do que a vida humana. Isso não significa necessariamente que devemos tratar os não humanos do mesmo modo que tratamos os humanos, em todas as esferas. Mas significa que, para a questão de ser tratado exclusivamente como recurso alheio, todos os seres sencientes são iguais e não podemos justificar o fato de tratar como recurso qualquer ser senciente que seja.
Se os animais tiverem interesse em continuar a viver, como eu afirmo pelo simples fato de eles serem sencientes, e se esse interesse importar moralmente, como eu argumento, então só há uma conclusão plausível: qualquer uso de animais – por mais “humanitário” que seja – é injusto.
Se você não for vegano(a), por favor considere tornar-se vegano(a). É fácil ser vegano(a); é melhor para a sua saúde e o planeta; e o mais importante é que é a coisa moralmente certa a fazer.
E por favor lembre-se: as reformas do bem-estar fazem pouco, se é que fazem alguma coisa, para reduzir o sofrimento animal. Mas, em todo caso, o ponto importante é que o veganismo não é apenas uma questão de reduzir sofrimento; é uma questão de justiça moral fundamental. É o que devemos àqueles que, como nós, valorizam suas vidas e querem continuar a viver.
Gary L. Francione
Professor, Rutgers University
© 2011 Gary L. Francione
Tradução: Regina Rheda
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