domingo, 27 de fevereiro de 2011

A necessidade de uma Sociedade Vegana

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 23 de fevereiro de 2011

Caros(as) colegas:
A Vegan Society deletou, de seu fórum de discussão no Facebook, a discussão inteira sobre se deve haver anúncios pagos de restaurantes/estabelecimentos não veganos em sua revista The Vegan.
Eu me pergunto: por quê?
Em 21 de fevereiro, recebi um e-mail do chefe de informação da Vegan Society me agradecendo por meus comentários sobre o assunto e reconhecendo que eu havia “levantado uma questão razoável” quanto à política de aceitar anúncios de estabelecimentos que servem laticínios, ovos, etc.
A Vegan Society tem escrito a afiliados, declarando que “os membros do Conselho de Administração estão cientes dos comentários no Facebook em relação aos anúncios e estão discutindo as questões”. Mas, aparentemente, mais ninguém, incluindo afiliados e outras pessoas preocupadas que estavam gastando tempo em debater isto, está autorizado a discutir as questões na própria página do Facebook que os membros do Conselho de Administração estavam lendo para informar sua discussão.
E depois, sem avisar, a Vegan Society decidiu que a discussão desse assunto (que ela mesma reconheceu que levantava uma “questão razoável” e que os membros do Conselho de Administração estavam lendo) violava as normas do fórum da Vegan Society, e deletou a discussão inteira do Facebook.
Copiei a maior parte da discussão antes de a Vegan Society deletá-la e, no momento oportuno, irei disponibilizá-la publicamente para que as pessoas interessadas no assunto possam ver o que a Vegan Society considera um discurso ilegítimo ou inaceitável.
Dado que a discussão continuou por cinco dias antes de a Vegan Society deletá-la, parece que quando eles viram que a opinião estava pesando contra eles, decidiram que a discussão tinha de parar. Também é fascinante que, durante todo o período de discussão, a Vegan Society respondeu apenas uma vez no fórum, para dizer (em parte):
A aceitação dos anúncios (inclusive encartes) para a revista The Vegan não implica endosso”.
(Amanda Baker, 18 de fevereiro de 2011)
Isso é que é envolvimento com uma questão!
Em todo caso, o que está claro é que certamente não está claro que a Vegan Society seja uma sociedade vegana.
Como a Vegan Society se apoiou em sua resposta aos afiliados dizendo que Donald Watson aceitava publicar anúncios de estabelecimentos não veganos em 1946, reli a entrevista que George D. Rodger, da Vegan Society, fez com Watson em 2002.
Acho que podemos fazer duas observações sobre o ponto de vista de Donald Watson.
Primeiro, está claríssimo que, enquanto uma questão moral, Watson considerava os laticínios, os ovos, etc. tão repreensíveis quanto a carne. Foi por essa razão que ele fundou a Vegan Society em 1944.
Segundo, também está claro que, enquanto questão psicológica/sociológica, ele acreditava que a maioria das pessoas pode, ou irá, chegar ao veganismo apenas através do vegetarianismo. Isto é, ele pensava que, por razões que parecem ser em parte psicológicas e em parte sociológicas, a maioria das pessoas terá de, ou pelo menos irá, desistir da carne antes de desistir do laticínio e outros produtos que não a carne.
Mesmo se o argumento psicológico/sociológico de Watson estivesse correto em 1946, quando ele aparentemente aceitava anúncios de estabelecimentos vegetarianos (não veganos), isso certamente não é verdadeiro em 2011. E se fosse verdadeiro, então as páginas da The Vegan deveriam ser repletas de anúncios de laticínios, ovos, etc. e todo tipo de incentivo a se comer mais laticínio e menos carne. A The Vegan deveria não apenas aceitar anúncios pagos pelo Lancrigg, o Paskin’s, etc.; deveria também oferecer espaço de graça a todo estabelecimento que é vegetariano mas não vegano e, na realidade, todo estabelecimento que serve carne mas é amigável a vegetarianos ou veganos, já que seria apenas através do vegetarianismo que a maioria chegaria, ou seria capaz de chegar, ao veganismo.
Até onde o argumento psicológico/sociológico tem alguma validade, não é por causa de alguma “predisposição” humana, nem de algum fato necessário a respeito da sociedade. É porque aqueles de nós que dizem concordar com o argumento moral como verdade moral fundamental não educaram adequadamente as pessoas sobre essa verdade moral. É porque até mesmo os “grupos de defesa animal” estão, em 2011, promovendo produtos animais “felizes”, patrocinando selos e rótulos de carne/laticínio “feliz”, declarando que virar vegano é “difícil” e “intimidador”, afirmando que ser “mais ou menos vegano” já está bom, chamando de “fanáticos” e “puristas” aqueles que promovem o veganismo, e perpetuando a fantasia de que há uma distinção moral coerente entre a carne e os produtos que não a carne, etc., etc., etc.
Aceitar anúncios de lugares como o Lancrigg, ter nas páginas da The Vegan um estabelecimento que serve produtos animais (e que é descrito como “um refúgio de paz & inspiração”), passa uma mensagem: “não precisa ser vegano; ser mais ou menos vegano já está bom”. Passa a mensagem de que a carne e o laticínio são moralmente indistinguíveis. Passa a mensagem de que “um pouco” de exploração é OK.
Passa uma mensagem que não é vegana, conforme eu entendo esse conceito. E é absurdo dizer que uma declaração se isentando de responsabilidade deixa tudo certo.
Estamos em 2011, não em 1946. A Grã-Bretanha não está no meio de um racionamento de comida pós segunda guerra mundial. Já percorremos um longo caminho no entendimento das questões morais que informam o debate sobre a ética animal. Qualquer que tenha sido a posição de Watson quanto às questões psicológicas/sociológicas em 1946 (ou qualquer período, aliás), devemos aceitar que, se realmente abraçamos o princípio moral que Watson expôs em 1944, temos obrigação de ser claros e inequívocos sobre o fato de que não podemos justificar o consumo de laticínio, ovo, etc., assim como não podemos justificar o consumo de carne. Devemos parar de perpetuar a noção de que há uma distinção moralmente coerente entre a carne e os produtos animais que não a carne. Precisamos parar de nos esconder atrás daquelas “advertências” ou declarações negando nossa responsabilidade, que tentam (mas não conseguem) mascarar a rejeição a esse princípio moral quando convém financeiramente.
Eu respeitosamente faço um apelo à Vegan Society para que pare de aceitar anúncios de estabelecimentos não veganos. De novo: uma coisa é ter um anúncio de um produto vegano que também diz “à venda no Sainsbury’s”. Outra é ter um anúncio do departamento de comida do Sainsbury’s, mesmo se o departamento tiver muitos itens veganos. Se a Vegan Society for, realmente , uma luz que destaca o princípio moral em jogo aqui, então ela não tem justificativa para aceitar um anúncio do segundo tipo.
Peço sinceras desculpas se tiver ofendido meus amigos da Vegan Society, mas é que eu penso que essa questão tem uma importância crucial; senão, eu não teria gasto tanto tempo com isso num momento em que estou extremamente ocupado com a universidade e outros compromissos profissionais, lidando com colônias de gatos ferais e acolhimento temporário de animais, etc.
Observo também que a Vegan Society me bloqueou do seu fórum de discussão no Facebook, impedindo totalmente a minha participação. Eu não sabia desse fórum até a semana passada, quando um membro da Vegan Society me pediu para dar uma olhada em certa discussão que ele estava achando problemática. Embora eu tenha me concentrado principalmente no problema dos anúncios não veganos, fiquei contentíssimo por poder participar de estimulantes discussões sobre outros tópicos também. Lamento que, aparentemente, eu não vá mais poder interagir com as pessoas maravilhosas que encontrei no fórum, pelo menos no site da Vegan Society.
Lamento que, ao que parece, não haja nenhuma organização disposta a defender o princípio moral de que nenhuma exploração significa nenhuma exploração. Não há nenhuma organização disposta a promover o veganismo como base moral. Mas isso apenas reforça meu ponto de vista de que o movimento vegano precisa ser um movimento de base.
Fui um forte apoiador da Vegan Society no passado e continuarei promovendo os ideais morais de Donald Watson, mesmo se a Vegan Society não os promover. E oportunamente disponibilizarei a discussão deletada, para que as pessoas possam, por si mesmas, ler o que a Vegan Society aparentemente considera um discurso inaceitável.
**********
Se vocês não forem veganos(as), tornem-se veganos(as). É fácil; é melhor para a sua saúde e o planeta. Mas o mais importante é que é a coisa moralmente certa a fazer. Vocês nunca farão mais nada tão fácil e tão gratificante em suas vidas.
Gary L. Francione
© 2011 Gary L. Francione
Posts relacionados:
2.    Não é 1946
Tradução: Regina Rheda

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Não é 1946

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 21 de fevereiro de 2011

Caros(as) colegas:
A Vegan Society me informou que na revista The Vegan, número 2, outono de 1946, e em outros números da The Vegan daquele período, que foram editados por Donald Watson, havia anúncios de estabelecimentos vegetarianos que também serviam veganos.
Eu diria que publicar anúncios de estabelecimentos em 1946 que serviam laticínio mas não serviam carne necessariamente reforçava a ideia de que a carne e o laticínio são distinguíveis moralmente, o que Watson alegava rejeitar em 1944. Não há como contornar o fato de que isso é uma inconsistência gritante.
Então, parece que Watson ou não entendia a incoerência entre suas ações em 1946 e sua posição em 1944, ou não acreditava no que dizia em 1944. Eu ainda respeito Watson como visionário e, portanto, assumirei a primeira hipótese. Dada a novidade do veganismo como ideia em 1944, e dado que a Grã-Bretanha tinha acabado de passar pela segunda guerra mundial e sofria um racionamento (que continuou pelos 1950s), o contexto histórico era de tal natureza que, talvez, seja compreensível que Watson simplesmente não enxergasse a inconsistência.
Em todo caso, não estamos em 1946. Já deu tempo suficiente para ver que uma política que aparentemente começou em 1946 não pode ser reconciliada com a posição de que a carne e o laticínio são moralmente indistinguíveis. A inconsistência é clara e gritante.
Devo acrescentar que, quando postei minha primeira observação na página da Vegan Society no Facebook, a relações públicas da Vegan Society declarou: “A aceitação dos anúncios (inclusive encartes) para a revista The Vegan não implica endosso”. Mas, conforme entendo, a política da Vegan Society, aparentemente, é que anúncios de estabelecimentos vegetarianos que também servem comida vegana são aceitáveis e que essa política se justifica com base numa prática que aparentemente começou na segunda metade dos 1940s. Perguntei duas vezes, e ainda não recebi resposta, se a Vegan Society aceitaria publicar anúncios, na The Vegan, que servissem carne. Se não aceitasse, então a política certamente implicaria endosso do ponto de vista de que laticínio é menos objetável, moralmente, do que carne.
Hoje em dia a Vegan Society é uma organização grande, com um quadro de funcionários grande e recursos. É uma sociedade que está funcionando dentro de um movimento moderno que rejeita o veganismo enquanto base moral clara, promove os produtos animais “felizes”, e abraça o “flexitarianismo” e a noção de que a carne e o laticínio são moralmente indistinguíveis. O movimento moderno promove o ovolactovegetarianismo porque considera o veganismo intimidador e difícil demais. Eu ainda não entendo por que, independentemente do que ocorreu em 1946 ou qualquer outra época, a Vegan Society não enxerga claramente, hoje, que, se ela realmente acredita que a carne e o laticínio são indistinguíveis no plano moral, ela não deveria publicar anúncios de lugares que servem um ou outro, e não deveria publicar anúncios de lugares que servem laticínio porque isso apenas reforça uma distinção moral que ela alega concordar que não existe.
Uma coisa é fornecer, a título de conveniência, uma lista de lugares que oferecem opções veganas para viajantes. Mas ganhar dinheiro com anúncios pagos de estabelecimentos que servem ou vendem produtos animais é problemático.
No meu entender, os membros do Conselho de Administração da Vegan Society serão solicitados a considerar uma mudança da sua política. Espero sinceramente que eles decidam não publicar anúncios de estabelecimentos que servem ou vendem qualquer produto animal que seja. A Vegan Society de 2011 precisa ser claríssima quanto a essa questão, mesmo se a Vegan Society de 1946 não tiver percebido a inconsistência em dizer que carne, laticínio ou outros produtos animais eram moralmente indistinguíveis, ao mesmo tempo em que publicava anúncios de estabelecimentos que serviam laticínio ou outros produtos animais que não a carne.
E espero que os membros da Vegan Society deixem claro ao Conselho de Administração que a Vegan Society tem de ser vegana e não deveria promover, de nenhum modo, o consumo de qualquer produto animal que seja, nem reforçar, de nenhum modo, a ideia de que a carne pode ser distinguida dos produtos animais que não a carne.
Se há uma organização que deveria defender, e defender claramente, a proposição de que o veganismo é uma base moral inequívoca e inegociável, essa organização é a Vegan Society.
Se vocês não forem veganos(as), tornem-se veganos(as). É fácil; é melhor para a sua saúde e o planeta. Mas o mais importante é que é a coisa moralmente certa a fazer.
Gary L. Francione
© 2011 Gary L. Francione
**********
Adendo – 22 de fevereiro de 2011
Um membro da Vegan Society compartilhou comigo uma resposta que recebeu da Vegan Society sobre este assunto. A Vegan Society declara:
Um dos nossos objetivos é incentivar os fornecedores mainstream de comida a oferecerem boas opções veganas em seu cardápio padrão, de modo a proporcionar mais escolhas quando os veganos estiverem comendo fora. Muitas pessoas nos dizem que a razão de não se tornarem ou não permanecerem veganas é que é difícil encontrar comida quando se come fora. Infelizmente, no momento é difícil comer em restaurantes ou ficar em hotéis se escolhermos apenas estabelecimentos puramente veganos, mas, conforme a demanda for crescendo, esperamos que apareçam muito mais estabelecimentos veganos. Trabalhamos em cooperação com os empreendimentos comerciais para incentivá-los a irem numa direção vegana.
De que modo isso responde à questão de se a Vegan Society deve publicar anúncios pagos de restaurantes que servem produtos animais? Resposta: Não responde.
A questão não é se os veganos devem ou não comer/ficar em restaurantes ou hotéis não veganos. A questão é se a Vegan Society deve publicar anúncios pagos de um restaurante que serve ovos e laticínios. O anúncio do Lancrigg descreve o lugar como “um refúgio de paz & inspiração”. Duvido que os animais explorados por seus ovos e leite concordariam com essa linda descrição.
A questão não é se a Vegan Society deve trabalhar “em cooperação com os empreendimentos comerciais para incentivá-los a irem numa direção vegana”. A Society pode fazer isso sem aceitar anúncios pagos por restaurantes ou pousadas que servem os produtos da tortura e da exploração dos animais.
A resposta da Vegan Society continua:
Há uma declaração na frente de todas as revistas The Vegan dizendo: “As opiniões expressas na The Vegan não refletem necessariamente as do editor ou do conselho da Vegan Society.
Nada que está impresso deve ser interpretado como a política da Vegan Society, a menos que esteja declarado o contrário. A Society não assume nenhuma responsabilidade por qualquer questão na revista. A aceitação dos anúncios (inclusive encartes) não implica endosso”.
Espero que meus amigos na Vegan Society me perdoem, mas acho isso ofensivo. Então se uma sociedade para a defesa de mulheres espancadas tem uma revista que publica um anúncio de um lugar que vende pornografia sadomasoquista (ou, de forma mais análoga, oferece oportunidades em suas instalações para a prática do sadomasoquismo e da misoginia com mulheres), podemos simplesmente ter um aviso negando nossa responsabilidade, e está tudo bem? Ninguém aceitaria isso no contexto da defesa das mulheres espancadas e ninguém deveria aceitar isso no contexto animal também.
Se a Vegan Society quer oferecer a viajantes uma lista de lugares amigáveis ao veganismo, ou quer informar comensais sobre onde encontrar uma refeição vegana, é uma coisa. Anúncios pagos sobre esses lugares é outra. Se a Vegan Society publica o anúncio de um produto vegano e esse anúncio diz que o produto está “disponível no Sainsbury’s” é uma coisa. Publicar um anúncio geral do setor de alimentos do Sainsbury’s, que talvez tenha itens veganos, é outra.
Finalmente, dado que a nossa sociedade em geral, e também o movimento de defesa animal, ainda distinguem a carne dos outros produtos animais que não a carne, e consideram a carne mais objetável, no plano moral, do que os produtos animais que não a carne, é extremamente ingênuo dizer que um anúncio de um restaurante vegetariano que serve ovos e laticínios não reforça uma distinção que não tem nenhuma base moral e que a Vegan Society alega rejeitar.
A Vegan Society existe porque supostamente reconhece que há uma diferença entre uma abordagem “flexitariana” da vida e uma abordagem tão consistentemente vegana quanto possível no mundo real. Então por que não promover aquele ideal de todas as maneiras que a Society puder? Há um numero infindável de grupos que dizem encarar o veganismo como uma espécie de ideal mas que promovem o vegetarianismo como uma posição moral coerente. Muitos desses grupos são maiores do que a Vegan Society e podem promover essa mensagem com mais eficácia.
A Vegan Society deveria expressar claramente que vegano significa vegano e deveria ser escrupulosa quanto a não publicar anúncios de produtos não veganos de qualquer estabelecimento que seja.
Post relacionado:
Tradução: Regina Rheda

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Eu me pergunto o que pensaria Donald Watson, fundador da Vegan Society

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 20 de fevereiro de 2011

Caros(as) colegas:
Vocês, que leem este site (vejam 1, 2) e conhecem meu trabalho em geral, sabem que eu considero Donald Watson (1910-2005), fundador da Vegan Society na Grã Bretanha, uma pessoa notável e uma das mentes mais iluminadas do século 20. Escrevi o verbete sobre Watson para a recém publicada Cultural Encyclopedia of Vegetarianism. Este site também tem um texto de Eva Batt (1908-1989), que desempenhou um importante papel nos primórdios e ao longo da história da Vegan Society. Embora eu não entre em organizações e, portanto, não seja membro da Vegan Society e não receba sua revista The Vegan regularmente, fui entrevistado na The Vegan e escrevi um artigo para essa publicação.
Então, é com surpresa e grande decepção que relato o seguinte.
Após receber alguns e-mails de veganos do Reino Unido, que estavam preocupados com determinados textos na The Vegan escritos por um autor que defende a postura de que devemos desviar nosso foco do veganismo e do especismo porque isso aliena as pessoas, eu solicitei que a Society me mandasse uma cópia em PDF desses textos, já que a revista só está disponível em papel e não on line. A Society generosamente respondeu e me mandou o material pela internet.
Notei que, além dos textos sobre os quais alguns membros expressaram preocupação, a edição mais recente da The Vegan continha uma resenha feita por Rob Jackson, o encarregado da parte de educação da Vegan Society, de meu novo livro, em coautoria com o professor Garner, The Animal Rights Debate: Abolition or Regulation?. Um foco central do livro é meu argumento de que o ativismo de educação vegana criativa e não violenta é a mais importante forma de mudança incremental, e que um movimento que queira abolir o uso de animais deve focar seus esforços exclusivamente no veganismo. Garner argumenta que a educação vegana é importante mas ele apoia as campanhas por reformas do bem-estar, as quais eu rejeito por várias razões teóricas e práticas. Também reprovo os fenômenos “flexitarianismo” e “carne feliz”; Garner acredita que essas coisas representam progresso.
Deixem-me ser bem claro: Mr. Jackson não disse nada de negativo sobre o livro e eu não ligaria se ele dissesse. Mas sua resenha do livro não mencionou o veganismo nenhuma vez. Não estou brincando. Nenhuma vez.
Francamente, dizer que Mr. Jackson ignorou a questão essencial do livro seria um eufemismo. Embora alguns “resenhistas” leiam apenas as primeiras páginas do livro que estão “resenhando”, se Jackson tivesse lido só a introdução e não o livro em si, ele teria visto, mesmo ali, que o tema central do debate é se um movimento que busca reivindicar os direitos animais deve ser realmente um movimento vegano ou deve ser um movimento pela reforma do bem-estar. No livro, eu critico as organizações grandes de defesa animal por não tomarem a posição de que o veganismo é a base moral inequívoca.
Mas não há sequer um único sinal na The Vegan, a revista da Vegan Society, de que o livro é um debate sobre se uma teoria de direitos animais coerente requer o veganismo e a defesa vegana. Sinto muito, mas isso é absolutamente peculiar.
E depois, conforme fui olhando outras coisas na revista, vi algo que achei ainda mais desconcertante e mais perturbador.
Na página 3 da The Vegan encontra-se um anúncio do Lancrigg Vegetarian & Organic House Hotel and Green Valley Cafe & Restaurant. O Lancrigg está descrito como “um refúgio de paz & inspiração”. Há uma bela foto dele, que fica no Lake District, na Inglaterra. Fui à página do restaurante do Lancrigg e vi que os fregueses podiam tomar café da manhã que incluía ovos escalfados e doces dinamarqueses caseiros feitos com queijo orgânico local. Baixei a amostra do cardápio e vi itens de jantar que incluíam diferentes queijos, maionese, sorvete, cheese cake, etc.
Continuei explorando e vi que pelo menos mais dois lugares não veganos estavam anunciados na seção de classificados.
Fiquei confuso. Há algum tempo, critiquei o grupo Viva! por promover o Lancrigg (assim como outros restaurantes/pousadas não veganos) e por vender livros de culinária não veganos. Embora o grupo Viva! alegue ser uma organização vegana, ele promove explicitamente o vegetarianismo e afirma que o veganismo é difícil e intimidador, e promove campanhas por reformas do bem-estar. Mas a Vegan Society?
Donald Watson cunhou a palavra “vegan” e fundou a Vegan Society em 1944 precisamente por que queria enfatizar que não comer carne não bastava. Ele queria apagar a linha arbitrária que separava a carne de tudo mais. Nas palavras do próprio Watson:
A desculpa de que não é necessário matar para obter laticínio é indefensável para aqueles que têm conhecimento dos métodos de criação de animais de fazenda e da competição que até mesmo os fazendeiros humanitários devem enfrentar se quiserem manter seu negócio.
Durante anos, muitos de nós aceitaram, enquanto lactovegetarianos, o fato de que a indústria da carne e a indústria do laticínio estavam inter-relacionadas, e que uma subsidiava a outra de diferentes modos. Aceitamos, portanto, que o argumento ético pelo desuso dessas comidas era excepcionalmente forte, e tivemos a esperança de que, mais cedo ou mais tarde, uma crise de consciência nos libertasse.
Agora essa liberdade veio até nós. Tendo seguido uma dieta isenta de todos os alimentos animais por períodos variando de algumas semanas, em alguns casos, a muitos anos, em outros, acreditamos que nossas ideias e experiências estejam suficientemente maduras para ser registradas. A inquestionável crueldade associada à produção de laticínio deixou claro que o lactovegetarianismo é um estágio transicional, e ainda muito incompleto, entre comer carne e uma dieta verdadeiramente humanitária e civilizada, e cremos, portanto, que, durante nossa vida na Terra, devemos tentar evoluir o suficiente para fazer a “jornada completa”.
Então, como a Vegan Society pôde anunciar um restaurante que servia os mesmos itens que, de acordo com Watson, não eram diferentes da carne?
Fui à página da Vegan Society no Facebook e postei um comentário para iniciar a discussão do tema.
Logo depois que iniciei a discussão, Amanda Baker, relações públicas e encarregada da mídia e da web da Vegan Society, respondeu, em parte:
A aceitação dos anúncios (inclusive encartes) para a revista The Vegan não implica endosso.
Temos dois tipos de output. Um se trata de declarações/impressos/comunicados à mídia, emitidos pela The Vegan Society. O outro tipo é exemplificado pelas nossas páginas no Facebook e pela revista The Vegan.
Na revista temos a seguinte advertência:
“As opiniões expressas na The Vegan não refletem necessariamente as do editor ou do conselho da Vegan Society. Nada que está impresso deve ser interpretado como a política da Vegan Society, a menos que esteja declarado o contrário.
Essa resposta me deixou ainda mais estupefato do que quando vi o anúncio. Na verdade, achei essa resposta ofensiva e semelhante ao tipo de absurdo que todos nós frequentemente ouvimos de nossos políticos em ambos os lados do Atlântico.
Posso entender que se diga que publicar um texto de um autor convidado não implica, necessariamente, um endosso dos pontos de vista desse autor. Tudo bem. Mas é simplesmente para lá de tolo dizer que a “aceitação dos anúncios (inclusive encartes) para a revista The Vegan não implica endosso”. É claro que implica. Se a Vegan Society acha que alguém lendo a The Vegan não pensa que o anúncio incentiva as pessoas a irem comer no restaurante Lancrigg, então a Vegan Society está se iludindo. Se a Vegan Society não acha que um anúncio como esse reforça a ideia que Watson explícita e muito corretamente rejeitava— a ideia de que não podemos fazer uma distinção moral coerente entre a carne e os outros produtos animais—então, de novo, a Vegan Society simplesmente não está sendo realista.
Além do mais, não faz sentido afirmar que a Vegan Society só está dizendo que é aceitável ir ao Lancrigg para comer itens veganos. Por essa linha de raciocínio, a Vegan Society poderia, como fazem alguns grupos de defesa animal supostamente pró veganos, vender livros de culinária com receitas envolvendo ingredientes animais contanto que também houvesse algumas receitas veganas.
Mas seja o que for que os leitores possam ou não possam achar que o anúncio está implicando, por que a Vegan Society—a sociedade formada em 1944 precisamente para rejeitar a distinção entre a carne, o laticínio e os outros produtos animais, e para promover o fim do consumo de todos os produtos animais—está publicando anúncios de um restaurante que serve laticínios?
Eu também postei sobre esse tema na página do Abolitionist Approach no Facebook. Em um de meus comentários, declarei que supunha que a Vegan Society não aceitaria um anúncio de um restaurante que servisse carne e, portanto, não fazia sentido aceitar um anúncio de um restaurante que servisse laticínio. Uma pessoa alegando ter sido funcionária da Vegan Society respondeu que a política da Vegan Society era que ela aceitaria um anúncio de um restaurante que servisse carne contanto que ele tivesse uma opção vegana. Eu não sei qual a política da Vegan Society quanto a essa questão, e perguntei. Colocarei um postscriptum neste texto, se for necessário, quando obtiver uma resposta. Deveria bastar dizer, entretanto, que mesmo que a Vegan Society pusesse um anúncio de uma churrascaria que tivesse uma opção vegana, isso significaria que eles não estavam distinguindo carne de laticínio e obviamente levantaria um problema geral, igualmente sério, quanto a uma organização vegana aceitando dinheiro para promover empreendimentos que servem ou vendem carne e laticínio.
Por enquanto, estou lidando com uma questão: o problema da The Vegan ter um anúncio de um restaurante que serve laticínio. Acho que isso conflita clara e explicitamente com a própria base e razão para a fundação da Vegan Society em 1944.
Que uma sociedade iniciada por uma das mentes visionárias do século 20 esteja indo nessa direção me entristece profundamente. Donald Watson foi claro sobre o que significava veganismo. Embora ele enfatizasse a dieta vegana, também não usava couro nem lã. Também evitava matar minhocas quando trabalhava no jardim. Também era comprometido com a não violência e foi um objetor de consciência durante a segunda guerra mundial. Era uma pessoa séria, com uma filosofia séria que não parou nos animais não humanos e se estendeu à vida em geral.
Embora Watson não discutisse explicitamente o conceito de direitos animais, nem entrasse em questões de reforma do bem-estar, nem discutisse a condição dos animais como propriedade e como isso necessariamente restringiria os padrões de bem-estar, nem distinguisse questões de uso e questões de tratamento, nem defendesse o fim de toda domesticação, eu considero Watson um abolicionista simplesmente por ele ter reconhecido que não havia distinção entre a carne e os outros produtos animais e que não podíamos justificar o uso e o consumo de nenhum produto animal. Esse é o porquê de eu dizer que o veganismo está no cerne da abolição.
Discutindo essa questão com uma amiga, comentei: “Pobre Watson. Agora eles vão colocar mulheres nuas na The Vegan.” A resposta dela: “Olhe o website. Eles já têm uma lá.” Visitei o website outra vez e notei uma mulher aparentemente nua, com uma cesta de frutas e vegetais na frente do peito.
Por que isso? Será que a Vegan Society realmente pensa que alguém vai se tornar vegano por causa de uma imagem de uma mulher nua abraçando uma cesta de produtos vegetais? Ou isso é um mero “também tô nessa” de baixo nível, para mostrar apoio ao sexismo que parece caracterizar toda e qualquer campanha da PETA?
Donald Watson merecia mais que isso, e desejo sinceramente que a Vegan Society retorne a suas raízes e não sucumba a virar apenas outro “grupo de defesa animal” que promove autores que pensam que falar sobre veganismo aliena as pessoas, resenha um livro sobre veganismo mas deixa de mencionar que é sobre veganismo, promove o sexismo, ou toma a posição de que um anúncio de um restaurante ou empreendimento que serve produtos animais não implica nenhum endosso, ou recebe dinheiro para anunciar ou promover um empreendimento desse tipo, seja o que for que isso pretenda implicar.
Eu prontamente admito que há casos difíceis em que, mesmo se a pousada Lancrigg Inn fosse exclusivamente vegana, ela poderia pertencer a indivíduos que exploram animais, ou a uma corporação que explora animais. Acho que há algumas questões complicadas, pois existem muito poucos produtos veganos onde não haja uma empresa matriz ou subsidiária não vegana por trás. É uma trágica consequência da corporatização do nosso mundo e, na minha opinião, milita contra depender demais de qualquer renda obtida com anúncios. Mas aqui o problema não é complicado. O restaurante em questão serve produtos não veganos e a Vegan Society está anunciando o restaurante. Considero isso problemático pelas razões que discuti aqui.
Eu imagino que a Vegan Society pudesse publicar uma “lista de conveniência” dos lugares que têm opções veganas para viajantes, embora eu ache que, mesmo nesse caso, a Society deveria deixar claro que essa lista é apenas para a conveniência dos leitores e que a Society não encoraja, de modo algum, as pessoas a irem a estabelecimentos que sirvam algum produto animal. Mas anunciar os restaurantes ou empreendimentos que servem produtos animais é, na minha opinião, profundamente preocupante.
Em todo caso, se a Vegan Society necessita do dinheiro de empreendimentos que vendem produtos animais para realizar a The Vegan, então eu acho que ela deveria considerar fazer a revista exclusivamente em versão eletrônica, o que cortará custos.
Espero que meus amigos na Vegan Society considerem minhas opiniões como oferecidas com o maior respeito pelos valores que, creio eu, Donald Watson representava, e espero sinceramente que a Society reflita escrupulosamente esses valores.
**********
Se vocês não forem veganos(as), tornem-se veganos(as). É fácil; é melhor para a sua saúde e o planeta. Mas o mais importante é que é a coisa moralmente certa a fazer. Vocês nunca farão mais nada tão fácil e tão gratificante em suas vidas.
Gary L. Francione
© 2011 Gary L. Francione
**********
Adendo - 21 de fevereiro de 2011:
Janet Whittington, proprietária do Lancrigg Vegetarian & Organic House Hotel and Green Valley Cafe & Restaurant, respondeu na página da Vegan Society no Facebook. Por favor, notem que a Ms. Whittington alega que seu comentário foi “removido” do meu site. Não é verdade. A seção de “comentários” do www.abolitionistapproach.com nunca foi ativada, então o comentário dela não foi removido porque não poderia ter sido postado, em primeiro lugar. O comentário dela está acessível através da palavra respondeu, lincada acima.
Em todo caso, a Ms. Whittington apresenta uma pergunta & resposta de Donald Watson:
Pergunta: Você tem alguma mensagem para os vegetarianos?
Resposta: Aceitem que o vegetarianismo é somente um passo entre comer carne e o veganismo. Pode haver veganos que fizeram a mudança em um salto apenas, mas estou certo de que, para a maioria das pessoas, o vegetarianismo é uma etapa necessária. Ainda sou membro da Vegetarian Society para me manter em contato com o movimento. Fiquei contentíssimo por saber que, na conferência vegetariana mundial em Edinburgh, a dieta foi vegana e os representantes não tiveram escolha. Essa sementinha que plantei há 60 anos está fazendo sentir sua presença.
Sim? E daí? O que isso diz sobre se a VEGAN Society deveria publicar anúncios pagos promovendo restaurantes que servem laticínios? Resposta: Absolutamente nada. Segundo o raciocínio da Ms. Whittington, The Vegan deveria ser repleta de páginas e mais páginas de anúncios de leite, sorvete, queijo, etc., e de anúncios de restaurantes não veganos, como o Lancrigg.
Watson estava apresentando uma ideia simples: a maioria das pessoas trata o vegetarianismo como um passo para o veganismo. Isso pode ser verdade, e pode haver todo tipo de razões para isso, inclusive o fato de que as organizações de defesa animal têm tradicionalmente distinguido entre a carne e o laticínio, e têm tratado o laticínio como menos objetável, moralmente, do que a carne. Mas essa distinção é precisamente o que Watson rejeitava em 1944, quando formou a Vegan Society e cunhou “vegan”. As organizações de defesa animal continuam, até hoje, a caracterizar o veganismo como difícil e intimidador. Isso também contribui para o problema.
Mas nada disso significa que a Vegan Society deveria estar promovendo o vegetarianismo. De novo: se esse fosse o caso, então The Vegan deveria ser absolutamente cheia de anúncios de laticínios para incentivar os comedores de carne a darem o “passo” do ovolactovegetarianismo.
Por favor, observem que Watson expressa contentamento pelo fato de que os representantes da conferência vegetariana mundial “não tiveram escolha” a não ser consumir produtos que não tinham origem animal. Ele não disse “isso foi uma tragédia para as pessoas que ainda veem o vegetarianismo como uma etapa” ou “eles deveriam ter atendido também as pessoas que queriam laticínio”. Não. Ele estava feliz que os representantes não puderam obter comidas com ingredientes animais–como podem fazer no Lancrigg.
Continua a Ms. Whittington:
Nosso cardápio, sendo mais do tipo vegano com vegetariano “para inglês ver”, está do lado totalmente oposto à carne e peixe com vegetariano “para inglês ver” e vegano “com dificuldade”, que se encontra em 99% dos restaurantes, e apreciaríamos um apoio, já que esta é uma rota difícil de seguir.
Questões morais fundamentais não são uma questão de porcentagem. Uma loja que vende mais pornografia infantil é, em um sentido, pior do que uma loja que vende menos. Mas deveríamos ter tolerância zero para a pornografia infantil, e seria absurdo dizer que uma loja que vende “só um pouquinho” de pornografia infantil é OK e deveria ser apoiada pelos defensores dos direitos das crianças como sendo “um passo”.
O mesmo vale para produtos animais. Se realmente acreditamos que os animais são membros iguais da comunidade moral e não são coisas, então não podemos justificar moralmente o fato de os tratarmos, do modo que for, como nossos recursos.
Essa é a posição da Vegan Society ou não?
Ms. Whittington declara:
Entendo que os puristas sejam necessários e também acho que todo movimento em direção ao ideal é uma coisa boa.
“Puristas”? Isso diz tudo, não?
Não, Ms. Whittington, “veganos”. Não “puristas”. Simplesmente “veganos”.
Conforme mencionei acima, muitas organizações de defesa animal reforçam a ideia de que o veganismo é difícil ou intimidador. O Lancrigg tem a oportunidade de mostrar às pessoas que esse não é o caso, e que ser vegano não requer nenhum sacrifício. Absolutamente nenhum. Mas, em vez disso, o Lancrigg escolheu perpetuar a noção de que uma culinária excelente requer sofrimento, morte e exploração.
Lamento que o Lancrigg tenha escolhido fazer isso. Mas, de novo, não acho que isso justifique, de modo algum, o fato de a Vegan Society anunciar restaurantes que servem laticínio. Na realidade, eu acho que os comentários da Ms. Whittington apoiam meu ponto de vista, e não o refutam.
Certamente espero que a Vegan Society se considere uma representante daquilo a que a Ms. Whittington se refere como “purista”. Senão, talvez ela deva se fundir à Vegetarian Society, já que não haverá nenhuma diferença.

Post relacionado:
Tradução: Regina Rheda

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Entrevista em The Believer

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 17 de fevereiro de 2011

Caros(as) colegas:
Fiquei muito satisfeito por ter sido entrevistado pela romancista premiada Deb Olin Unferth em The Believer, uma revista de ampla circulação que lida com artes e cultura.
Espero que vocês gostem da entrevista, que está aqui. [A entrevista traduzida estará disponível em breve neste site].
Se vocês não forem veganos(as), tornem-se veganos(as). É fácil; é melhor para a sua saúde e o planeta. Mas o mais importante é que é a coisa moralmente certa a fazer. Vocês nunca farão qualquer outra coisa tão fácil e tão gratificante em suas vidas.
Gary L. Francione
© 2011 Gary L. Francione
Posts relacionados:
Tradução: Regina Rheda

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Comentário nº 23 – uma discussão sobre abolição vs. regulação com Robert Garner

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 3 de fevereiro de 2011

Caros(as) colegas:
Meu livro mais recente, The Animal Rights Debate: Abolition or Regulation?, envolve um debate entre mim e o Professor Robert Garner da University of Leicester.
Neste Comentário, o professor Garner e eu discutimos nosso livro. A posição de Garner, embora seja uma forma daquilo que eu chamo de “novo bem-estarismo” ou “neobem-estarismo”, é diferente da posição de Singer e a maioria dos demais. Para começar, Garner não é um utilitarista de ato, como é Singer. Como Singer (e Regan), Garner não reconhece que a vida animal tem valor moral igual à vida humana, mas ele acha que o interesse do animal em não sofrer deveria ser protegido por um “direito”. Ele é vago e ambíguo quanto a se esse direito é um direito a não sofrer “inaceitavelmente”, em cujo caso sua posição cai numa forma de bem-estar (semelhante ao que discuti em meu livro de 1995, Animals, Property, and the Law, como o “direito a um tratamento humanitário” neobem-estarista), ou se o direito a não sofrer é um direito absoluto, em cujo caso a posição de Robert eliminaria todo uso de animais porque, conforme mostro em nosso livro, todo uso envolve alguma forma de sofrimento, aflição, etc. Conforme também discuto em nosso livro, se Garner entende esse direito num sentido absoluto, então há problemas teóricos em entender a derivação de qualquer direito desse tipo, e a defesa que Garner faz da reforma bem-estarista é, tanto em termos práticos quanto teóricos, inconsistente com qualquer direito desse tipo.
Em nossa discussão aqui, focamos nas seguintes perguntas que eu preparei:
1. Em nosso livro, você declara que os animais têm direito a não sofrer “inaceitavelmente”. Como você determina quais os níveis de sofrimento que são “inaceitáveis”?
2. Embora você ache que a fazenda industrial de animais não pode ser justificada moralmente, se os animais pudessem ser criados de um modo agradável com um sofrimento mínimo, e pudessem ser mortos de um modo relativamente indolor para ser comidos, ou se eles pudessem ser usados em experimentação com um sofrimento mínimo e benefícios significativos para os humanos, você não poderia objetar, poderia?
Tomemos um exemplo bem claro: eu tenho uma vaca que vive no quintal. Eu trato muito bem dela. Dou um tiro nela (uma bala; morte instantânea), mato-a e a como. Fiz alguma coisa moralmente errada?
3. Eu nosso livro você declara: “Estou aceitando o ponto de vista de que, todas as coisas sendo iguais, a vida animal não humana (da maioria das espécies não humanas, pelo menos) tem menos valor moral do que a vida humana.”- p. 187. Por que você toma essa posição?
4. Um ponto central de divergência entre nós é que você acredita que os grupos regulacionistas, como a RSPCA, CIWF, PETA e HSUS, estão buscando e obtendo vitórias “que valem a pena”. Você acredita que alguma dessas “vitórias” faz muito mais do que tornar o uso de animais mais eficiente em termos econômicos? Se sim, pode identificá-las?
5. Você acredita que esses grupos estão estimulando a demanda por produtos feitos com “bem-estar superior” de um modo que afetará adversamente a demanda geral? Dado que todos esses produtos estão promovendo selos de exploração “feliz”, você pode duvidar que, qualquer que venha a ser o efeito, esses grupos acreditam que esses selos farão as pessoas se sentirem mais à vontade quanto à exploração?
Espero que vocês gostem da discussão.
Se não forem veganos(as), tornem-se veganos(as). É fácil; é melhor para a sua saúde e o planeta. Mas o mais importante é que é a coisa moralmente certa a fazer.
Gary L. Francione
© 2011 Gary L. Francione
Posts relacionados:
Tradução: Regina Rheda