domingo, 28 de março de 2010

Singer aprova (outra vez) a exploração animal; Drayson sobre a vivissecção no Reino Unido

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 26 de março de 2010

Caros(as) colegas:
Duas coisas dignas de nota vieram parar na minha escrivaninha nestes últimos dias:
Primeiro, Peter Singer, “o pai do movimento pelos direitos animais”, disse em uma entrevista:
PROFESSOR PETER SINGER: Se vamos comer produtos animais, então eu acho que pesa sobre nós a responsabilidade de assegurar que os animais não tenham sofrido. E isso pode envolver um pouquinho de compra em mercados locais ou, no mínimo, comprar produtos com certificação orgânica, dado o sistema atual.
E isso será definitivamente melhor do que a produção da fazenda industrial. Eu acho que são opções. De qualquer modo, não acho que deveríamos estar comendo tanta carne ou produtos animais quanto estamos.
Portanto, ao consumirmos carnes e outros produtos animais produzidos localmente, ou produtos com “certificação orgânica”, nós cumprimos com a responsabilidade que “pesa sobre nós” de “assegurar que os animais não tenham sofrido”. Isso é absurdo. Carnes/produtos produzidos localmente ou orgânicos vêm de animais que são torturados. O comentário de Singer não é diferente de dizer:
Se vamos molestar crianças, acho que pesa sobre nós a responsabilidade de assegurar que as crianças não sofram. E isso pode envolver dar a elas um pouquinho de chocolate.
E Singer acrescenta que, de qualquer modo, não deveríamos “estar comendo tanta carne ou produtos animais quanto estamos”.
Peter, a quantidade que deveríamos estar comendo é zero.
Muito obrigado ao Nosso Pai por, mais uma vez, reforçar a ideia de que a exploração animal é moralmente aceitável.
Segundo, Lord Drayson, o ministro da Ciência do Reino Unido, observou que, apesar da ação direta militante atacar vivissectores, o número de experimentos com animais no Reino Unido aumentou 14% desde o ano passado, e um estudo
mostra que apenas um terço dos britânicos adultos gostaria de que a experimentação animal fosse proibida, enquanto o número de pessoas que agora aceitam incondicionalmente a necessidade da pesquisa usando animais aumentou 28% desde 1999.
A abordagem atual não está funcionando. E fora a questão da moralidade da violência, a ação direta militante não faz mais do que aumentar a percepção de que os direitos animais são uma questão periférica promovida por loucos que não devem ser levados a sério. Mas isso não deveria nos surpreender. Em um mundo onde a grande maioria das pessoas pensa que é moralmente aceitável impor dor, sofrimento e morte a 56 bilhões de animais anualmente só porque eles têm um sabor gostoso, o público não vai considerar outra coisa que não loucos aqueles que defendem a prática da violência contra um uso de animais que tem sido vendido para ele como “necessário” à sua saúde. Isso impede uma discussão séria sobre a moralidade do uso de animais.
Precisamos desviar o paradigma da condição de propriedade e direcioná-lo para a personalidade (personhood) moral. E o único modo de fazer isso é através da educação vegana não-violenta criativa.
Gary L. Francione
© 2010 Gary L. Francione

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Tradução: Regina Rheda

sábado, 27 de março de 2010

Comentário nº 16: Respondendo perguntas: as campanhas de um só tema e a oposição dos partidários da “ação direta militante” à abordagem abolicionista

Postado por Gary L. Francione em seu blog/podcast em 26 de março de 2010

Caros(as) colegas:
Há algumas semanas, pedi para as pessoas me enviarem perguntas que elas gostariam que eu respondesse. Recebi aproximadamente 80 perguntas. Pretendo fazer alguns Comentários no podcast discutindo ao menos algumas delas.
Algumas das perguntas que eu recebi têm a ver com campanhas de um só tema, então este Comentário lida principalmente com esse tópico e com a questão de por que muitos daqueles que promovem a violência são contra a abordagem abolicionista.
Gary L. Francione
© 2010 Gary L. Francione

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Tradução: Regina Rheda

sexta-feira, 19 de março de 2010

Euforia? Para quem?

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 17 de março de 2010

Caros(as) colegas:
Em meu post anterior, Sócios na exploração, discuti os vários esquemas de selo e rotulagem que são apoiados e promovidos pela HSUS, a PETA e outras corporações de bem-estar animal.
Bem, vejam só. Ontem fui ao Whole Foods Market local, vocês sabem, aquele que a PETA premiou como o melhor varejista amigo dos animais (Best Animal-Friendly Retailer) e peguei a revista do Whole Foods, “Whole Deal”.
E havia um cupom para os “All Natural Brown Cow Parfaits”, que aparentemente são combinações de diferentes sabores de iogurte.
Iogurte? Mas isso não envolve sofrimento e morte de animais?
Não se preocupem. Conforme podem ver:
Esse iogurte porta o “Certified Humane Raised & Handled Label”. O Certified Humane Raised and Handled Label é o selo de aprovação fornecido por uma organização chamada Humane Farm Animal Care, que o desenvolveu com seus parceiros, incluindo a Humane Society of the United States. O selo HFAC/HSUS é descrito como “uma certificação ao consumidor e um programa de rotulagem” para assegurar aos consumidores que os produtos com o selo, como “ovos, laticínios e carne de vaca ou frango foram produzidos tendo-se em mente o bem-estar do animais de fazenda”.
Na parte do cupom que tem letras miudinhas, está escrito que o Brown Cow Parfait:
“Cumpre os padrões do programa da Humane Farm Animal Care, que inclui uma dieta nutritiva sem antibióticos ou hormônios, e animais criados com abrigo, áreas para descanso, espaço suficiente e condições para ter comportamentos naturais”.
Por favor, notem que a vaca no cupom está usando uma touquinha de serviço e segurando uma colher com a boca. Então está tudo certo. Como veem, ela está lhes servindo de livre e espontânea vontade esse produto feito com o sofrimento e a morte dela e de seus filhos.
Na parte de cima do cupom está escrito “Euforia!” A palavra “euforia” é definida como “uma sensação de felicidade ou bem-estar”.
E euforia de quem? Estamos falando da sensação de felicidade ou bem-estar de quem?
Talvez a euforia da organização Humane Farm Animal Care, que cobra uma taxa por seu selinho de aprovação? Talvez a euforia da HSUS, que promove esses produtos “humanitários” de forma que seus membros e o público em geral possam se sentir bonzinhos comendo os produtos feitos com a tortura de animais? Talvez a euforia do Whole Foods, que vende carne “humanitária” e produtos animais “felizes” e ganha uma fortuna fazendo isso? Talvez a euforia da PETA, que dá prêmios a lugares como o Whole Foods de forma que, como a HSUS, possa tirar proveito da arrecadação de fundos “carne feliz” e encorajar o consumo de animais?
De uma coisa podemos estar totalmente certos: não é a euforia da vaca.
Se vocês não forem veganos(as), tornem-se veganos(as). É incrivelmente fácil. É melhor para a sua saúde. É melhor para o planeta, que sustenta todas as formas de vida. E o mais importante é que é a coisa moralmente certa a fazer.
Gary L. Francione
© 2010 Gary L. Francione

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Tradução: Regina Rheda

domingo, 14 de março de 2010

Sócios na exploração

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 12 de março de 2010

Caros(as) colegas:
Fazer a sociedade se sentir mais à vontade quanto à exploração animal e encorajar o consumo são, frequentemente, um objetivo explícito das campanhas e organizações de bem-estar animal.
Por exemplo, muitos dos grupos grandes de defesa animal nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha promovem esquemas de rotulagem em que carnes ou outros produtos animais recebem um selo de aprovação. O Humane Farm Animal Care (HFAC), com seus sócios HSUS, American Society for the Prevention of Cruelty to Animals, Animal People, the World Society for the Protection of Animals e outros, promove o selo “Certified Humane Raised & Handled”, que o grupo descreve como “uma certificação ao consumidor e um programa de rotulagem” destinado a assegurar aos consumidores que os produtos com o selo, tais como “ovos, laticínios e carne de vaca ou frango foram produzidos tendo-se em mente o bem-estar do animais de fazenda”.
O HFAC enfatiza que “nos animais criados para comida, o estresse pode afetar a qualidade da carne... e a saúde geral [do animal]” e que o selo “cria uma situação em que todos saem ganhando: varejistas e restaurantes, produtores e consumidores. Para os fazendeiros, ganhar significa que eles podem conseguir um diferencial, aumentar sua participação no mercado e ter mais lucratividade por escolherem práticas mais sustentáveis”. Os varejistas também ganham porque, “na categoria secos e molhados, o comércio de alimentos naturais e orgânicos está entre os que mais cresceram nos últimos anos. Agora, comerciantes de secos e molhados, varejistas, restaurantes, operadores de serviços alimentares e produtores podem se beneficiar de oportunidades para vendas e lucros, com o selo Certified Humane Raised & Handled”.
O grupo The Humane Society International, um braço da HSUS, lançou o selo “Humane Choice” na Austrália, que ele afirma que “garantirá ao consumidor que o animal foi tratado com respeito e cuidado, desde o nascimento até a morte”. Um produto trazendo o selo “Humane Choice” assegura o seguinte ao consumidor:
O animal teve a melhor vida e a melhor morte oferecidas a qualquer animal de fazenda. Eles basicamente vivem como viveriam nas fazendas antigas, podendo satisfazer suas necessidades comportamentais, podendo pastar ou forragear e se movimentar, sem correntes nem jaulas, com livre acesso a áreas externas, com sombra no calor e abrigo no frio, uma boa dieta e uma morte humanitária.
A rede de supermercados Whole Foods Market, Inc., localizada nos Estados Unidos, Canadá e Grã-Bretanha, que a PETA premiou como o melhor varejista amigo dos animais (Best Animal-Friendly Retailer), afirma que está trabalhando “com nossos bem-informados e empolgados abastecedores de carne de vaca e de aves, e com especialistas em tratamento animal humanitário que pensam no futuro”, a fim de “não apenas melhorar a qualidade e a segurança da carne que vendemos, mas também apoiar condições de vida humanitárias para os animais”. A cadeia Whole Foods também afirma que “atualmente estão sendo desenvolvidos os padrões Animal Compassionate específicos para cada espécie, que requerem ambientes e condições que atendam às necessidades físicas, emocionais e comportamentais do animal. Os produtores que conseguirem cumprir esses padrões voluntários poderão rotular seus produtos com a designação especial ‘Animal Compassionate’”. A PETA, Peter Singer e outras organizações bem-estaristas endossaram com entusiasmo os padrões “Animal Compassionate”.
A RSPCA na Grã-Bretanha tem o selo “Freedom Food”, que é “o esquema para selos e rótulos de alimentos e para certificação de fazendas estabelecido pela RSPCA, uma das principais organizações de bem-estar animal do mundo. O esquema é uma verdadeira instituição de caridade, fundada em 1994 para aumentar o bem-estar dos animais de fazenda e oferecer aos consumidores a opção de um bem-estar superior”. A RSPCA fornece “certificação para fazendeiros, transportadores, abatedouros, processadores e frigoríficos, e o esquema aprova fazendas que forem bem administradas, sejam de animais criados soltos, de produção orgânica ou fazendas internas".
O selo Freedom Food “dá aos consumidores a garantia de que o esquema é respaldado pela RSPCA, uma das mais respeitadas instituições de caridade para com os animais no mundo”. A RSPCA dá o conselho de que os consumidores podem mostrar seu apoio ao aumento do bem-estar dos animais de fazenda e aos padrões superiores de bem-estar “escolhendo produtos com o logotipo Freedom Food”. Os produtores podem agregar valor aos seus produtos animais porque o selo Freedom Food “diferencia seu produto e pode lhes dar uma vantagem competitiva. Exibir o logotipo Freedom Food capacita os consumidores a identificar seus produtos como ‘de bem-estar superior’”. Os produtores também se beneficiam por causa do aumento das margens de lucro, do desenvolvimento de um “nicho” para os produtos “de bem-estar superior” que permitem que eles “ampliem o mercado-alvo”, e da “associação com a RSPCA, uma das mais famosas instituições de caridade de bem-estar animal no mundo”. Além disso, os produtores podem “ganhar credibilidade dentro da rede de abastecimento” e obter outros benefícios econômicos, que incluem um seguro mais barato para as fazendas, fornecido por meio da RSPCA. E a RSPCA realmente ajudará os produtores a comercializarem suas carnes e outros produtos animais: “Usamos uma variedade de ferramentas de marketing incluindo comerciais, relações públicas, website, exposições, amostras e promoções nas lojas. Também trabalhamos de perto com varejistas nacionais para desenvolver atividades promocionais conjuntas, realizar campanhas conjuntas com a RSPCA e oferecer apoio de marketing a nossos membros”.
Na minha opinião, está claro que essas corporações grandes, ligadas à defesa animal, se tornaram sócias da indústria para promover o consumo de produtos animais.
Este tópico será discutido e debatido no livro The Animal Rights Debate: Abolition or Regulation?, que eu escrevi em coautoria com o professor Robert Garner e que a Columbia University Press publicará em breve.
Gary L. Francione
© 2010 Gary L. Francione

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Tradução: Regina Rheda

quinta-feira, 11 de março de 2010

Oito animais

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 10 de março de 2010

Caros(as) colegas:
Esta manhã a AOL News publicou a matéria PETA’S Euthanasia Rates Have Critics Fuming [Índice de eutanásia praticada pela PETA enfurece críticos].
A matéria afirma que a PETA:
pratica eutanásia em mais de 90% dos cães e gatos que são abandonados em sua matriz em Norfolk, VA. Segundo dados do estado da Virgínia, em 2009 a PETA praticou eutanásia em 2.301 cães e gatos —97% dos que haviam sido levados à organização— e adotou apenas oito. E o índice de matança vem aumentando na PETA. De 2004 a 2008, as eutanásias praticadas pela organização aumentaram em 10%.
Eu chequei os documentos que a PETA protocolou junto à Secretaria da Agricultura e Serviços ao Consumidor da Virgínia [Virginia Department of Agriculture and Consumer Services] e confirmei que a notícia da AOL está correta. A PETA matou 681 cães e 1620 gatos. Ela também matou 51 “animais de companhia de outros tipos”.
São 2352 animais no total.
E a PETA adotou oito animais. Oito animais.
Isso é uma desgraça. “Eutanásia” é a morte que é do interesse do humano ou não-humano em quem ela é praticada. A eutanásia nunca é do interesse de um ser saudável.
A PETA aparentemente compartilha da visão de Peter Singer, segundo a qual uma morte relativamente indolor não constitui um dano aos animais não-humanos porque, ao contrário dos humanos, a maioria dos não-humanos não tem consciência de si e não pode apreender o que significa “ter uma vida”. Para ter interesse em continuar existindo, você precisa ser humano. Então, aqueles 2352 animais que a PETA matou não foram realmente prejudicados. Eles não se importavam com suas vidas, de qualquer maneira. Nada foi tirado deles quando eles foram mortos.
Um absurdo especista total e absoluto.
De acordo com o Economic Research Institute, a PETA tem uma receita de US$ 31.053.316 e US$19.759.999 em ativos.
Quanto desse dinheiro foi para um programa de adoção?
Quantas celebridades da PETA estão promovendo a adoção de animais da PETA, em vez de tirar a roupa para “ficar nuas” para a glória e a obstinada publicidade dessa organização?
Oito animais? Acho que só o pessoal do escritório já poderia ter adotado mais que isso.
Combinem isso tudo com o sexismo da PETA e o fato de essa organização premiar projetistas de matadouros e redes de supermercados que vendem carnes e outros produtos animais “felizes”, e fica claro que PETA não passa de uma piada, embora, para os animais, seja uma piada das mais trágicas.
Gary L. Francione
© 2010 Gary L. Francione

P.S. Adendo de 11 março de 2010:
Ontem à noite eu postei um comentário no Twitter:
Temple Grandin está anunciando que vai projetar instalações “humanitárias” na PETA para manejar o abate de milhares de animais “resgatados”.
Obviamente minha intenção foi parodiar o fato de que a PETA premiou Grandin e a chama de “visionária” por projetar matadouros que a PETA elogia.
Um considerável número de pessoas pensou que o comentário fosse sério. Acho isto fascinante: a PETA foi tão longe, na direção da exploração animal, que as pessoas chegam a pensar que o comentário é sério. Isso nos diz muito sobre a desenfreada confusão que reina num movimento onde o termo “direitos animais” significa “acolhemos 2300 animais; matamos todos, menos 8”.
Por falar nisso, eu também postei o seguinte no Twitter:
A HBO vai trocar o titulo do documentário sobre Newkirk, da PETA. Em vez de I Am An Animal [Eu sou um animal], o título será I Am An Animal (But Not One of the Ones We “Rescue” and Kill) [Eu sou um animal, mas nenhum daqueles que nós “resgatamos” e matamos].
Isso também foi uma piada, apesar de também ser uma possibilidade, eu suponho.

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Tradução: Regina Rheda

segunda-feira, 8 de março de 2010

Veganismo: apenas mais um meio de reduzir sofrimento ou um princípio fundamental de justiça & não-violência?

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 7 de março de 2010

Caros(as) colegas:
É importante entender que há diferenças significativas entre as pessoas que se consideram veganas.
Uma diferença importante é aquela entre quem afirma que o veganismo é simplesmente um meio de reduzir o sofrimento e quem afirma que o veganismo é um compromisso fundamental com a justiça, a não-violência e o reconhecimento da personalidade moral [moral personhood] dos animais não-humanos.
A diferença entre esses dois grupos não é uma mera questão de teoria abstrata—ela tem profundas consequências práticas.
Entre os novos bem-estaristas (ou neobem-estaristas), a postura predominante com relação ao veganismo é que o veganismo é um meio—um dos meios—de reduzir o sofrimento. Entendido dessa maneira, o veganismo não difere de comer ovos de aves livres de gaiolas de bateria ou carne produzida num matadouro projetado pela ganhadora do prêmio da PETA, Temple Grandin. Segundo os novos bem-estaristas, todos esses são apenas meios de reduzir o sofrimento. Se X opta por reduzir o sofrimento sendo vegano, ótimo; se Y opta por reduzir o sofrimento comendo ovos de aves livres de gaiolas de bateria, ótimo. Se X decide reduzir o sofrimento não comendo nenhum produto animal nas segundas-feiras, e, nas terças-feiras, comendo produtos animais produzidos de modo “humanitário”, está certo. Afirmar que, por uma questão moral, X deveria ser vegano não só nas segundas e terças-feiras, como também em todos os outros dias, é ser “absolutista”, “fundamentalista” ou “fanático”.
Pessoas como Peter Singer e grupos como o “Vegan” Outreach e a PETA mantêm essa postura. Por exemplo, Singer sustenta que ser um “onívoro consciencioso” é uma “postura ética defensável”. Ele alega que ser um vegano consistente é “fanatismo”. Ele se rotula como um vegano “flexível” que deixará de ser vegano nas ocasiões em que isto for conveniente. Ele menciona comer laticínios e ovos de animais criados soltos. Ele fala sobre o “luxo” de comer carnes e outros produtos oriundos de animais que tenham sido bem tratados, no modo de ver dele, e mortos de modo “humanitário”. A PETA alega que a adesão ao veganismo como questão de princípio é uma questão de “pureza pessoal”, “modismo cultural narcisista” e “obsessão fanática”. O “Vegan” Outreach deixa clara sua ênfase no sofrimento e minimiza a importância do uso de animais ao afirmar que o veganismo:
não é um fim em si mesmo. Não é um dogma ou uma religião, nem uma lista de ingredientes proibidos ou leis imutáveis—é apenas uma ferramenta para nos opormos à crueldade e reduzirmos o sofrimento.
Uma pressuposição fundamental da postura neobem-estarista é que matar animais, em si, não causa dano aos animais. Os animais não se importam que os usemos e os matemos; eles só ligam para como os tratamos e os matamos. Contanto que eles não sofram demais, eles são indiferentes ao fato de os usarmos. Eles não têm nenhum interesse em continuar a existir.
Foi esse pensamento que guiou as pessoas rumo ao movimento a favor de carnes/produtos animais “felizes”, o mais grave revés na luta por justiça para os animais não-humanos em décadas. É esse pensamento que leva a PETA e Singer a afirmarem que pode ser que tenhamos a obrigação moral de não ser veganos em situações em que outras pessoas fiquem aborrecidas ou desconcertadas com a insistência no veganismo.
Eu rejeito esse ponto de vista. Creio que é especista afirmar que os animais não-humanos precisam ter mentes semelhantes às mentes humanas para terem interesse na existência continuada. Qualquer ser senciente tem interesse na vida continuada, pois ele prefere, quer ou deseja permanecer vivo.
Assim como não podemos justificar a escravidão humana, não podemos justificar o uso de animais não-humanos como recursos dos humanos. O uso de animais e a escravidão humana têm pelo menos um importante ponto em comum: as duas instituições tratam seres sencientes exclusivamente como recurso alheio. Isso não pode se justificar com respeito aos humanos; não pode se justificar com respeito aos não-humanos—por mais “humanitário” que seja o modo de os tratarmos.
A abordagem abolicionista vê o veganismo como a aplicação do princípio da abolição à vida do indivíduo. É a nossa expressão pessoal de que aceitamos a personalidade moral de todos os seres sencientes e rejeitamos a condição dos animais não-humanos como propriedade. O veganismo é uma parte essencial do nosso compromisso com a não-violência.
O veganismo não é simplesmente um meio de reduzir o sofrimento; é o mínimo que a justiça para os não-humanos requer. Não é o último passo na nossa jornada para rejeitar a esquizofrenia moral que caracteriza a relação humanos/não-humanos; é o primeiro passo. Se os animais tiverem alguma importância moral, então não podemos usá-los para comida, roupa ou qualquer outra finalidade. Um vegano não é um vegano somente nas segundas-feiras ou somente quando for conveniente. Um vegano é um vegano o tempo todo. Eu não deixaria de ser vegano só porque meu veganismo deixou alguém constrangido, da mesma forma que, se alguém contasse uma piada racista ou assediasse uma mulher, eu não ficaria calado só porque objetar deixaria o ofensor constrangido.
Não é “absolutista” nem “fanático” ser um vegano consistente, assim como não é absolutista nem fanático ser consistente quanto a rejeitar o estupro e a pedofilia. Na verdade, caracterizar o veganismo consistente como “absolutista” é especista precisamente porque não caracterizaríamos assim a nossa rejeição total às formas fundamentais de exploração humana.
Se você não for vegano(a), torne-se vegano(a). É realmente fácil. É melhor para a nossa saúde e reduz a violência que praticamos contra nós mesmos. É melhor para o planeta e reduz os danos que causamos aos lares de seres sencientes e aos ecossistemas que sustentam a vida. Mas o mais importante é que é a coisa moralmente certa a fazer. Todos nós dizemos rejeitar a violência. Então vamos levar a sério o que dizemos. Vamos dar um importante passo para reduzir a violência no mundo, começando por aquilo que pomos na nossa boca e no nosso corpo.
E lembre-se, isto não é uma impossibilidade: O MUNDO É VEGANO! Se você quiser.
Gary L. Francione
© 2010 Gary L. Francione

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Tradução: Regina Rheda