quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Celebre a paz nas festas de fim de ano

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 20 de dezembro de 2011

As pessoas me dizem com frequência que estão com uma sensação de derrota diante da pobreza e da violência da vida moderna.
Vivemos certamente numa época difícil e repleta de desafios. Mas isso não quer dizer que não podemos fazer uma diferença. Podemos sim.
Eis três sugestões para ajudá-lo(a) a celebrar a paz nas festas deste final de ano:
Primeiro, não consuma. Pegue o dinheiro que está pensando em gastar na compra de mais coisas de que você não precisa, e dê esse dinheiro a alguém ou alguma família que necessita de ajuda nestes tempos tão difíceis. Ou use esse dinheiro para providenciar comida vegana ou cobertores sem lã aos manifestantes do movimento Ocupe na sua cidade.
Segundo, se você não for vegano(a), torne-se vegano(a) e pare de comer, vestir ou consumir produtos de origem animal. Não há justificativa para isso. E dedique uma parte de cada dia à educação vegana criativa e não violenta. Os esforços educativos podem tomar diversas formas.
Terceiro, adote um animal sem lar. Há tantos que precisam de você. Se você não tiver espaço ou outras condições para adotar um cachorro ou um gato, adote um hamster, um coelho, ou um peixe. Algum refugiado não humano por aí se encaixará na sua vida. E se você adotar um (ou mais), estará não apenas salvando a vida de outro indivíduo, como também enriquecendo imensamente a sua.
Gary L. Francione
Professor, Rutgers University
© 2011 Gary L. Francione
Tradução: Regina Rheda
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Comentário nº 22: a Rede de Defesa da Paz e a Campanha Promessa Vegana

sábado, 26 de novembro de 2011

Matar animais e fazê-los sofrer

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 22 de novembro de 2011

A base do movimento de bem-estar animal, desde sua origem no século 19 até hoje, é que o uso de animais, em si, é aceitável porque os animais não têm interesse em continuar a viver. Segundo os bem-estaristas, os animais não humanos não são autoconscientes e cognitivamente sofisticados à maneira dos humanos. Isso significa que as vidas dos não humanos são menos valiosas do que as dos humanos. Segundo Peter Singer:
Enquanto a autoconsciência, a capacidade de pensar adiante e ter esperanças e aspirações para o futuro, a capacidade de ter relações significativas com os outros, etc., não são relevantes para a questão de infligir dor... essas capacidades são relevantes para a questão de tirar a vida. Não é arbitrário afirmar que a vida de um ser autoconsciente, capaz de ter pensamento abstrato, de fazer planos para o futuro, de realizar atos complexos de comunicação, etc., é mais valiosa do que a vida de um ser sem essas capacidades.
Os bem-estaristas fazem uma distinção entre matar, que para eles não é moralmente objetável em si, e a imposição de sofrimento “desnecessário”, que é moralmente objetável. Se dermos aos animais uma vida razoavelmente agradável e uma morte relativamente indolor, então a nossa exploração de animais pode ser moralmente aceitável. De novo, segundo Singer:
Se é com o fato de infligir sofrimento que estamos preocupados, em vez de com o fato de matar, então eu também posso imaginar um mundo em que as pessoas comem principalmente alimentos vegetais, mas de vez em quando se dão o prazer e o luxo de comer ovos de aves criadas soltas, ou possivelmente até carnes de animais que viveram uma vida boa, em condições naturais para suas espécies, e depois foram mortos de modo humanitário na fazenda.
Foi esse tipo de pensamento que impulsionou o “movimento pelas carnes/produtos animais “felizes” que é promovido por Singer e praticamente todas as organizações grandes de defesa animal nos Estados Unidos e na Europa. Para eles, usar animais não é o problema; o problema é o sofrimento dos animais. Assim, se diminuirmos o sofrimento por meio das reformas do bem-estar, tornamos a exploração animal menos objetável moralmente. O público pode continuar a consumir animais e se sentir bem por se achar “compassivo”.
Não é de surpreender que cada vez mais pessoas estejam se sentindo tranquilas quanto a consumir produtos animais. Afinal de contas, os “especialistas” estão lhes assegurando que o sofrimento está diminuindo e elas podem comprar carne “feliz”, ovos de aves “criadas soltas”, etc. Esses produtos vêm até com selos de aprovação dados pelas organizações de defesa animal. O movimento de bem-estar animal está na verdade incentivando o consumo “compassivo” de produtos animais.
As reformas do bem-estar animal fazem muito pouco para aumentar a proteção dada aos interesses dos animais por causa do fator econômico envolvido na equação: os animais são propriedade. Eles são coisas que não têm valor intrínseco ou moral. Isso significa que os padrões de bem-estar, seja para animais usados para comida, experimentação, ou qualquer outro propósito, serão baixos e ligados ao nível de bem-estar necessário a fim de explorar o animal de um modo economicamente eficiente para aquele uso específico. Simplificando: geralmente protegemos os interesses dos animais apenas dentro da medida em obtemos um benefício econômico fazendo isso. O conceito de sofrimento “desnecessário” é entendido como o nível de sofrimento que vai frustrar aquele uso específico do animal. E isso pode ser muitíssimo sofrimento.
Mas a posição do bem-estar animal – de que é o sofrimento dos animais, e não o fato em si de os matarmos, que suscita um problema moral – toma como certa uma questão muito importante: supõe que como as mentes dos animais são diferentes das mentes humanas, os animais, diferentemente dos humanos, não têm o tipo de autoconsciência que se traduz em um interesse em continuar vivendo. A posição do bem-estar necessariamente supõe que a vida animal tem menos valor moral do que a vida humana. E os bem-estaristas concordam explicitamente com isso, conforme está claro em meu livro The Animal Rights Debate: Abolition or Regulation?
Um dos pontos centrais do meu trabalho tem sido desafiar essa suposição bem-estarista e argumentar que a única posição não especista que devemos assumir é que qualquer ser senciente – qualquer ser perceptivamente consciente e que tenha estados subjetivos de consciência – tem interesse em continuar vivendo. Qualquer outra posição dá uma preferência arbitrária à cognição humana. É especista afirmar que a vida animal tem menos valor do que a vida humana. Isso não significa necessariamente que devemos tratar os não humanos do mesmo modo que tratamos os humanos, em todas as esferas. Mas significa que, para a questão de ser tratado exclusivamente como recurso alheio, todos os seres sencientes são iguais e não podemos justificar o fato de tratar como recurso qualquer ser senciente que seja.
Se os animais tiverem interesse em continuar a viver, como eu afirmo pelo simples fato de eles serem sencientes, e se esse interesse importar moralmente, como eu argumento, então só há uma conclusão plausível: qualquer uso de animais – por mais “humanitário” que seja – é injusto.
Se você não for vegano(a), por favor considere tornar-se vegano(a). É fácil ser vegano(a); é melhor para a sua saúde e o planeta; e o mais importante é que é a coisa moralmente certa a fazer.
E por favor lembre-se: as reformas do bem-estar fazem pouco, se é que fazem alguma coisa, para reduzir o sofrimento animal. Mas, em todo caso, o ponto importante é que o veganismo não é apenas uma questão de reduzir sofrimento; é uma questão de justiça moral fundamental. É o que devemos àqueles que, como nós, valorizam suas vidas e querem continuar a viver.
Gary L. Francione
Professor, Rutgers University
© 2011 Gary L. Francione
Tradução: Regina Rheda
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3.    Oito animais

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Tem fé (no bem-estar animal)?

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 2 de outubro de 2011


Eu rejeito as reformas do bem-estar animal e as campanhas de um só tema, não apenas porque elas são incoerentes com as reivindicações de justiça que devemos estar fazendo se realmente acreditamos que a exploração animal é uma coisa errada, como também porque essas abordagens não podem funcionar em termos práticos. Os animais são propriedade e custa dinheiro proteger seus interesses; portanto, o nível de proteção dado a esses interesses sempre será baixo e, mesmo nas melhores circunstâncias, os animais ainda serão tratados de um modo que constituiria tortura se fosse aplicado a seres humanos.
Ao endossar as reformas bem-estaristas que supostamente tornam a exploração mais “compassiva”, ou as campanhas de um só tema que sugerem, falsamente, que há uma distinção moral coerente entre a carne e o laticínio, ou entre a pele e a lã, ou entre o bife e o patê de foie gras, nós traímos o princípio de justiça que diz que todos os seres sencientes são iguais para o propósito de não ser usados exclusivamente como recursos dos humanos. E, no nível prático, não fazemos nada além de tornar as pessoas mais tranquilas quanto à exploração animal.
Eu sustento que aqueles que acreditam que os animais são membros da comunidade moral deveriam, em vez disso, deixar claro que o veganismo, definido como não comer, não vestir e não usar animais, é a base moral inegociável e inequívoca, e deveriam investir seu trabalho e seus recursos na educação vegana de base que pode tomar inúmeras formas criativas, mas nunca deve envolver violência.
Meus críticos argumentam que minha posição quanto à necessidade da defesa vegana criativa e não violenta requer uma espécie de fé em que essa abordagem vai funcionar.
Considero essa crítica uma ironia pois, se é que alguma posição requer fé (definida como uma crença mantida contra toda evidência empírica existente), essa posição é a de que as reformas do bem-estar e as campanhas de um só tema darão em alguma coisa que não seja mais exploração animal.
Bem-estar animal: por quê?
Por que alguém pode acreditar que as reformas do bem-estar levarão à abolição? Se olharmos a história das reformas do bem-estar animal, veremos que a maioria se trata de reformas menores, a maioria nem sequer se cumpre, e a maioria na verdade aumenta a eficiência produtiva e beneficia economicamente os produtores. Há 200 anos que temos o paradigma do bem-estar animal e estamos explorando mais animais agora, e de maneiras mais horríveis, do que em qualquer outra época da história humana.
Por que alguém pode acreditar que promover a exploração “feliz” levará à abolição da exploração? Use o bom senso. A exploração “feliz” não levará a nada, exceto a um público que se sente melhor quanto a determinadas formas de exploração animal. Se esse não fosse o caso, as indústrias de exploração animal, em parceria com as grandes corporações do bem-estar animal, não estariam investindo todos os recursos que estão investindo em campanhas pela exploração “feliz” e selos de certificação “humanitária”.
Por que alguém pode acreditar que continuando a reforçar e consolidar o paradigma que trata os animais como propriedade, eventualmente aboliremos sua exploração?
Por que alguém pode acreditar que as campanhas de um só tema levarão à abolição da exploração? Dê uma olhada nas campanhas de um só tema que já duram há muito tempo, como a campanha contra a pele. Ela vem sendo feita há décadas e a indústria da pele está mais forte que nunca. Por quê? Porque não existe um princípio moral que possa servir para distinguir a pele da lã ou do couro, ou para distinguir comer animais de vestir roupas feitas de animais. Enquanto as pessoas não entenderem e não aceitarem o princípio moral geral, elas não conseguirão enxergar o problema dos usos específicos. E dizer, como muitos defensores dos animais dizem, que a pele representa um uso gratuito de animais, não é resposta. Comer animais também é um uso gratuito de animais. Nós os comemos porque eles têm um sabor gostoso. E o prazer do paladar não é uma justificativa melhor do que a moda.
Conforme já escrevi em outros lugares, os apoiadores das reformas do bem-estar nunca tratam dessas questões; eles simplesmente declaram que qualquer crítica é “divisionista” ou que qualquer alternativa é “idealista demais”. Em outras palavras, eles não têm nada a dizer.
O veganismo como base moral: por que não?
O apelo da defesa vegana criativa e não violenta é que ela desafia as pessoas a aplicarem um princípio moral que a maioria já aceita e diz que considera importante: que é moralmente errado infligir sofrimento e morte aos animais a menos que seja necessário, e o prazer, a diversão e a conveniência não podem ser suficientes para demonstrar necessidade. Quando as pessoas são confrontadas com o argumento de que criticar Michael Vick por causa da rinha de cães não faz sentido se estamos comendo animais ou produtos de origem animal, ou com a semelhança entre os animais que elas amam e os que elas comem ou vestem, pode ser que elas todas não virem veganas imediatamente, mas pelo menos conseguimos fazê-las começar a pensar sobre a questão geral do uso de animais em termos morais. E dentro da medida em que esse argumento repercute – e vai repercutir para muita gente – elas começarão a avaliar as questões da ética animal de uma maneira diferente.
Se, como eu sustento, não podemos justificar o uso de animais, por mais “humanitário” que seja, então temos de ser claros quanto a isso. Devemos ser claros quanto ao fato de que não podemos justificar comer, vestir ou usar animais. Ponto final. Se as pessoas preocupadas com a questão ainda não estiverem dispostas a desistir de usar animais e virar veganas, elas podem dar os passos graduais que quiserem. Mas esses passos graduais nunca devem ser caracterizados como normativamente desejáveis, se de fato acreditarmos que o uso de animais é injusto. Assim como nunca diríamos que o sexismo ou o racismo “humanitário” ou “feliz” é aceitável, nunca deveríamos caracterizar como moralmente aceitável a carne ou o laticínio ou qualquer outro produto animal “humanitário” ou “feliz”.
Finalmente, se promover o veganismo como base moral é uma questão de “pureza” moral, então promover a justiça, quando se trata de seres humanos, também é. Certas pessoas nos dizem que mesmo se virarmos veganos não poderemos evitar causar prejuízos ao não humanos. É verdade. Viver no mundo e praticar qualquer tipo de ação tem, necessariamente, consequências adversas para outros seres, humanos e não humanos. Devemos, é claro, nos empenhar em causar o menor dano possível a todos os seres sencientes. Mas o fato de não podermos evitar todos os danos não significa que não devamos, pelo menos, cessar todo dano intencional que infligimos aos não humanos sencientes, assim como o fato de não podermos eliminar toda a violência no mundo não significa que seja moralmente aceitável assassinarmos outros humanos.
Se é que algum dia abandonaremos o paradigma da propriedade, precisamos conseguir que as pessoas reconheçam que o uso de animais, por mais “humanitário” que seja, não pode ser justificado moralmente. Estou confiante no fato de que a defesa vegana criativa e não violenta é não apenas coerente com a exigência de justiça que, a meu ver, está implicada na posição dos direitos animais, como também é o melhor modo de atingir o objetivo de sair do paradigma da propriedade em direção à noção de que os animais são pessoas morais.
Todos os defensores que estão engajados na educação vegana criativa e não violenta contam que os resultados são surpreendentes; que as pessoas reagem, e reagem positivamente.
E estou certo de que qualquer crença de que as reformas do bem-estar, as campanhas de um só tema, a exploração “feliz”, etc. darão em algo que não seja mais tranquilidade quanto à exploração animal requer um forma particularmente cega de fé.
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Se você não for vegano(a), por favor considere tornar-se vegano(a). É fácil ser vegano; é melhor para a sua saúde e o planeta; e o mais importante é que é a coisa moralmente certa a fazer.
Se você for vegano(a), eduque todo mundo com que entrar em contato, de um modo criativo e não violento, sobre o veganismo. Se realmente considerarmos os animais como membros da comunidade moral; se realmente acreditarmos que não podemos justificar a morte e o sofrimento desnecessários, então não podemos justificar bilhões de mortes de animais com base no prazer do nosso paladar.
E lembrem-se, por favor: o veganismo não é apenas uma questão de reduzir o sofrimento; é uma questão de justiça moral fundamental. É o que devemos àqueles que, como nós, valorizam suas vidas e querem continuar a viver.
Gary L. Francione
© 2011 Gary L. Francione
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Tradução: Regina Rheda

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Uma nota sobre a inteligência semelhante à humana e o valor moral

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 2 de outubro de 2011


Com frequência vemos notícias de que os cientistas determinaram que os animais não humanos têm certas características cognitivas que associamos à inteligência humana. A implicação disso é que se os animais não humanos têm uma inteligência parecida com a dos humanos, então eles têm mais valor moral; quanto mais “inteligentes” eles forem em termos humanos, mais valiosos moralmente eles são.
Essa abordagem é problemática por várias razões:
Primeiro, não há absolutamente nenhuma relação lógica entre a posse de inteligência semelhante à humana e a moralidade de usar animais como recursos. A posse de inteligência semelhante à humana pode indicar que certos animais têm interesses que os outros animais talvez não tenham. Os grandes símios não humanos, que realmente possuem uma inteligência semelhante à humana sob muitos aspectos, podem ter interesses que cães ou peixes não têm. Mas os grandes símios não humanos, os cães e os peixes têm, todos eles, interesse em não ser tratados como recursos, simplesmente porque são sencientes, ou têm consciência subjetiva. Todos os seres sencientes têm interesse em não sofrer e em continuar a viver, e esses interesses são necessariamente frustrados se eles são tratados como recursos dos humanos.
Proclamamos que a inteligência humana é moralmente valiosa per se porque somos humanos. Se fôssemos pássaros, proclamaríamos que a habilidade de voar é moralmente valiosa per se. Se fôssemos peixes, proclamaríamos que a habilidade de viver debaixo d’água é moralmente valiosa per se. Mas, independente das nossas proclamações obviamente interesseiras, não há nada de moralmente valioso per se na inteligência humana.
Segundo, se alegamos que a inteligência semelhante à humana é moralmente relevante, então ficamos necessariamente com a ideia de que os humanos com mais inteligência são mais valiosos, moralmente, do que os humanos com menos inteligência. É verdade: podemos não tratar todos os humanos da mesma forma. Pagamos mais a um neurocirurgião do que a um faxineiro porque valorizamos mais a perícia do neurocirurgião. Mas, mesmo acreditando que essa diferença salarial seja legítima, será que diríamos que o faxineiro vale menos do que o cirurgião para o propósito de decidir quem deveria ser usado como doador forçado de órgãos, ou como participante involuntário de um experimento doloroso? Claro que não. Para o propósito de ser usado exclusivamente como recurso dos outros, ambos são iguais.
E a menos que queiramos ser especistas, devemos concluir que todos os sencientes – humanos ou não humanos – são iguais para o propósito de não ser tratados como recursos.
Terceiro, o jogo dos “inteligentes” é um jogo que os animais não humanos nunca podem ganhar. Há décadas que sabemos que os grandes símios não humanos têm uma inteligência parecida com a humana, o que não deveria surpreender, dada a semelhança genética entre os humanos e os grandes símios não humanos. Provavelmente nenhum outro animal não humano jamais exibirá maior grau de inteligência parecida com a humana. Mesmo assim, continuamos a explorar os grandes símios não humanos (e muitos outros primatas não humanos) de tudo quando é maneira.
O jogo dos “inteligentes” não passa disso – um jogo. É mais uma razão para não darmos valor moral aos animais hoje, preferindo fazer mais pesquisas tolas (e que os prejudicam) para determinar se eles podem resolver quebra-cabeças matemáticos humanos e realizar outras tarefas sem nenhuma relevância moral.
Nós já sabemos tudo que precisamos saber para concluir que não podemos justificar comer ou usar animais – que, como nós, os animais são sencientes. Eles são subjetivamente conscientes. Eles têm interesse em não sofrer e em continuar a viver.
Nada mais é necessário.
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Se você não for vegano(a), por favor considere tornar-se vegano(a). É fácil fazer isso; é melhor para a sua saúde e o planeta; e o mais importante é que é a coisa moralmente certa a fazer.
Se você for vegano(a), eduque todo mundo com que entrar em contato, de um modo criativo e não violento, sobre o veganismo.
Gary L. Francione
© 2011 Gary L. Francione
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Tradução: Regina Rheda

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Cuidado e controle de animais: o triste fracasso do sistema de abrigos municipais de Nova York

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 19 de maio de 2011

Caros(as) colegas:
O Animal Care and Control of New York City (Cuidado e Controle de Animais da Cidade de Nova York, ou ACC), que opera o sistema municipal de abrigos para animais em Nova York desde 1995, é uma instituição infestada de problemas. Há chocantes alegações de negligência e abuso de animais, incluindo a recente informação de que o ACC matou oito filhotes de cachorro que poderiam ter sido salvos e encontrado lares graças a grupos de resgate.
O programa de avaliação comportamental, que inclui tirar a comida ou um brinquedo de um cachorro faminto ou estressado, ou ver como um cachorro estressado reage ao ser confrontado por outro cachorro, suscita significativas dúvidas quanto a se os potenciais adotantes estão obtendo um quadro preciso de como os cães vão se comportar quando adotados.
Uma lista de cães e gatos que serão mortos entre as 5 e as 6 hs da tarde é fornecida pelo ACC na véspera do dia da matança desses animais. O ACC fecha às 8 hs da noite e reabre às 8 hs da manhã seguinte, mas é difícil, se não impossível, comunicar-se por telefone. A matança começa em torno das 10 ou 11 hs. Não dá tempo de os grupos de resgate e os adotantes retirarem os animais dos três abrigos operados pelo ACC. Todas as noites há uma tentativa frenética de salvar vidas e, embora muitos animais sejam salvos pelos grupos de resgate apesar da política restritiva e irracional do ACC, muitos animais sadios são mortos.
Uma notícia de 16 de maio de 2011 dá uma preocupante ideia do que acontece no ACC. Emily Tanen trabalhava para o ACC num programa que supostamente atua como uma ligação entre o ACC e os grupos de resgate:
Emily se responsabilizou por fotografar todos os cachorros no abrigo – ela possuía um dom especial para captar a beleza interior de seus sujeitos.
Graças às suas fotos tocantes, comoventes, foram salvos muitos cães que, se não fosse isso, seriam vistos como “de difícil colocação” ou mesmo “não adotáveis”.
Mas, aparentemente, suas lindas fotos de cães sem lar incluíam algo que “o poder” do Cuidado e Controle de Animais de Nova York não queria – fotos de cachorros recebendo contato humano.
Suas maravilhosas imagens faziam, frequentemente, a diferença entre a vida e a morte – para os cães que não têm a habilidade de falar em defesa própria, as comoventes fotos eram com frequência a chave para um resgate que salvaria suas vidas...
Imagens que tocavam o coração – imagens que conseguiam dar a sensação, em quem as via, de que uma vida podia ser literalmente salva.
Mas agora ela saiu abrigo – uma poderosa defensora dos animais que não têm voz não está mais ali para ajudar.
Fotos apagadas, lúgubres, sem emoção são tudo que vai restar.
Eu compreendo que administrar um abrigo de animais em um lugar como a cidade de Nova York é difícil para as pessoas com as melhores intenções. Mas está ficando cada vez mais visível que o ACC tem algumas práticas e diretrizes que, ao que parece, são, na melhor das hipóteses, contraproducentes. E mesmo se apenas uma pequena parte das alegações de negligência no ACC for verdade, então o ACC é um inferno para os animais que têm a infelicidade de estar lá.
Matar um animal sadio nunca é moralmente justificável, e um animal sadio morto no ACC, ou em qualquer outro abrigo, já é demasiado. O ACC não está apenas matando centenas de animais por mês, mas também parece ter pressa de fazer isso, e de fazer tudo que puder para frustrar os esforços dos grupos de resgate e de pessoas dedicadas (como Emily Tanen) de salvar esses animais. Além disso, o ACC dá um trabalho terrível aos grupos de resgate, forçando-os a uma frenética corrida diária para salvar qualquer animal que puderem.
Já está mais do que na hora de haver um controle melhor do Cuidado e Controle de Animais de Nova York. E está na hora da cidade de Nova York mudar para uma situação progressista em que os abrigos não matem animais. Isso pode ser alcançado se os nova-iorquinos tiverem a vontade política de fazer isso acontecer.
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Se você não for vegano(a), torne-se vegano(a). É fácil; é melhor para a sua saúde e o planeta. Mas o mais importante é que é a coisa moralmente certa a fazer. Se você for vegano(a), eduque todo mundo que puder sobre o veganismo.
E se tiver condições, por favor adote um animal sem lar, ou cuide de um até que alguém o adote. Há tantos que precisam da sua ajuda. Se você não tiver espaço ou recursos para um cachorro, um gato ou um coelho, há muitos animais menores, como camundongos, ratos, tartarugas e peixes, que também precisam de lares. Se você possuir terra, há muitos animais de grande porte e de fazenda precisando de lares também.
Cuidar de animais não humanos em situação individual é uma parte importante dos direitos animais. E se você estiver envolvido com resgate de animais, lembre-se de que não há diferença entre o animal que você salva e o animal que você come.
Se você tiver um animal de companhia, por favor certifique-se de que ele não se reproduza. Não precisamos de mais animais domesticados vindo ao mundo!
Gary L. Francione
© 2011 Gary L. Francione
Adendo – 23 de maio:
Micah Zellner, deputado estadual de Nova York, propôs uma legislação que ampliaria a capacidade dos grupos de resgate para tirarem animais do ACC. Eis uma notícia sobre a proposta do Sr. Zellner.
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Tradução: Regina Rheda

sexta-feira, 22 de abril de 2011

A abordagem abolicionista em poucas palavras

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 21 de abril de 2011

Caros(as) colegas:
Enquanto pensarmos que a questão é o tratamento dos animais, procuraremos tornar esse tratamento mais “humanitário”. Mas, como os animais são propriedade, esse objetivo é inatingível em termos práticos. O tratamento dos animais sempre constituirá tortura, mesmo nas circunstâncias mais “humanitárias”. E a abordagem do “tratamento” (ou bem-estarista) ignora o fato de que é moralmente errado matar animais, mesmo se os tratarmos “humanitariamente”, o que não podemos fazer, de qualquer maneira. As “reformas” do bem-estar não apenas fracassam em oferecer qualquer proteção significativa aos animais; elas na realidade tornam as coisas ainda piores, porque encorajam o público a se sentir mais à vontade quanto à exploração animal e a continuar consumindo produtos de origem animal. O problema é o uso, não o tratamento. O objetivo é abolir o uso de animais, não regular seu tratamento. O meio para atingir o objetivo? Tornar-se vegano(a) e educar os outros sobre o veganismo.
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Se você não for vegano(a), torne-se vegano(a). É fácil; é melhor para a sua saúde e o planeta. Mas o mais importante é que é a coisa moralmente certa a fazer. Se você for vegano(a), eduque todas as pessoas que puder sobre o veganismo.
Gary L. Francione
© 2011 Gary L. Francione
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Tradução: Regina Rheda

sábado, 16 de abril de 2011

O que Michael Vick nos ensinou

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 6 de abril de 2011


O que se segue é uma versão editada do texto da minha apresentação em Hobart and William Smith Colleges, em 31 de março de 2011, como o Palestrante Ilustre Foster P. Boswell em Filosofia de 2011:
O QUE MICHAEL VICK NOS ENSINOU

Lembram-se de Michael Vick?
Vocês se lembram daquela comoção toda sobre Michael Vick, o quarterback do Atlanta Falcons, e seu envolvimento com rinha de cães em sua propriedade na Virgínia?
É claro que sim.
Melhor seria perguntar se existe alguém no planeta que não se lembre desse caso, que foi incessantemente coberto pela mídia durante semanas, quando apareceu pela primeira vez em 2007 e, de novo, quando Vick saiu da prisão em 2009 e assinou com o Philadelphia Eagles. Vick continua regularmente nas notícias. Em março de 2011, ele estava para ser reconhecido como “herói” por uma organização artística na Virgínia e houve tanta controvérsia que ele não assistiu à cerimônia. As pessoas estavam realmente furiosas com Vick, e muitas ainda estão. Há fanáticos por futebol americano que boicotam os Eagles por causa de Vick.
Por quê?
A resposta é simples: Porque Vick fez uma barbaridade; ele fez os cães sofrer e morrer sem nenhuma boa razão. Vick pode ter desfrutado o “esporte” da rinha de cães, mas isso simplesmente não foi uma razão suficientemente boa para o que ele fez.
Por que não?
Novamente a resposta é simples. Embora exista muita discordância quanto às questões morais, ninguém discorda da noção de que é errado infligir, sem necessidade, sofrimento ou morte a um humano ou a um animal. Nós necessitamos de uma boa razão para infligir sofrimento ou morte a um humano ou a um animal. Poderíamos discordar quanto à existência da necessidade em uma dada situação e quanto ao que constitui uma boa razão, mas todos concordaríamos que o desfrute ou o prazer não podem constituir necessidade nem servem como uma boa razão. Isso faz parte da nossa sabedoria moral convencional.
Considerem um exemplo do contexto humano. Se uma pessoa dissesse acreditar que é moralmente errado infligir sofrimento desnecessário às crianças, mas que bater nas crianças por prazer é moralmente aceitável, nós ficaríamos compreensivelmente confusos. Se o desfrute pode bastar como uma boa razão para bater nas crianças, então não há nenhuma má razão para bater nas crianças. O princípio de que é errado infligir sofrimento desnecessário às crianças não significaria nada.
A mesma análise se aplicaria se falássemos sobre alguém que batesse num cão em vez de numa criança. Ninguém discordaria de que bater num cão por prazer é moralmente errado. E é precisamente por isso que todos nós nos opusemos ao que Michael Vick fez; ele não tinha uma boa razão para fazer o que fez.
Bem, somos todos Michael Vick
O problema é que, em termos de análise moral, comer animais não é diferente da rinha de cães.
Matamos e comemos mais de 56 bilhões de animais por ano mundialmente, sem contar os peixes. Ninguém duvida que usar animais para comida resulta em sofrimento; mesmo nas melhores e mais “humanitárias” das circunstâncias, usar animais para comida resulta em um sofrimento e uma morte terríveis. Então apliquemos a análise que, apenas um minuto atrás, todos concordávamos que não era controvertida: temos uma boa razão para esse sofrimento e essa morte? Há alguma coisa nisso que possa ser plausivelmente considerada como necessidade?
A resposta curta é: não.
Não temos necessidade de comer animais. Ninguém sustenta que comer alimentos de origem animal seja medicamente necessário. A conservadora American Dietetic Association [Associação dietética americana] reconhece que
as dietas vegetarianas apropriadamente planejadas, incluindo as dietas totalmente vegetarianas (veganas), são saudáveis, nutricionalmente adequadas, e podem oferecer benefícios na prevenção e no tratamento de certas doenças.
As pessoas ligadas à medicina mainstream estão, com cada vez mais frequência, mostrando que os produtos animais são prejudiciais à saúde humana. Mas, quer vocês concordem com elas, quer não, certamente não há nenhum argumento sustentando que as comidas de origem animal são necessárias para termos uma ótima saúde.
Também há consenso quanto ao fato de que a criação de animais para comida é um desastre ecológico. É preciso 7,27 kg (16 libras) de grãos e de soja para produzir 0,45 kg (1 libra) de carne bovina; 2,73 kg (6 libras) para produzir 0,45 kg (1 libra) de carne de porco; 1,82 kg (4 libras) para produzir 0,45 kg (1 libra) de peru; e 1,36 kg (3 libras) para produzir 0,45 kg (1 libra) de galinha ou de ovos. É preciso entre 76 e 189 litros de água (entre 20 e 50 galões) para produzir 1 libra de vegetais ou frutas; é preciso 9.463 litros (2.500 galões) para produzir uma libra de carne bovina, e 3.785 litros (1.000 galões) para produzir 3,78 litros (um galão) de leite. É preciso 3,25 acres de terra (1,31 hectares) para produzir, continuamente, comida proveniente de animais para uma pessoa. Mas é necessário apenas 1/6 de acre para prover comida, continuamente, para uma pessoa que só come plantas.
A Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) sustenta que a criação de animais para comida emite, na atmosfera, mais gás de efeito estufa, que está ligado ao aquecimento global, do que a queima de combustíveis fósseis para transporte. A criação de animais para comida é responsável por contaminação de água, devastação de florestas, erosão de solo e todo tipo de infelizes consequências ambientais. Novamente, vocês podem questionar isso tudo, mas nem mesmo o mais louco descrente no aquecimento global sustentaria que a criação de animais para comida está fazendo alguma coisa boa para o ambiente.
Então, no fim, qual a melhor justificativa que temos para impor sofrimento e morte a 56 bilhões de animais para comida anualmente?
Resposta: eles têm um sabor gostoso. Nós desfrutamos o gosto da carne animal e dos produtos de origem animal. Achamos conveniente comer alimentos de origem animal. Não há nada que seja remotamente parecido com necessidade nisso.
Em quê isso é diferente de Michael Vick?
Resposta: não é diferente. Vick gostava de ficar na frente da arena vendo os animais lutarem. O resto de nós gosta de ficar na frente de uma churrasqueira assando cadáveres de animais que foram tratados tão mal quanto, se não pior ainda do que, os cães de Vick.
Em 2009, quando Vick assinou com os Eagles, um homem me disse que, embora fosse um grande fã do Eagles e fosse continuar indo aos jogos deles, ele nunca conseguia ter prazer vendo Vick jogar por causa do problema da rinha de cães. Eu lhe perguntei se ele comia cachorros-quentes e hambúrgueres quando assistia aos jogos. Ele respondeu que comia. Eu lhe disse que os animais usados para fazer os produtos de que ele gostava tinham vidas e mortes tão ruins quanto os cachorros de Vick.
Ele não teve uma resposta porque realmente não há nada para ser dito.
Não funciona alegar que Vick participou diretamente da rinha de cães mas nós simplesmente compramos os produtos animais na loja; que desfrutamos os resultados do sofrimento e da morte dos animais mas, diferentemente de Vick, não desfrutamos o processo em si do sofrimento e da morte. Como qualquer aluno do primeiro ano de Direito pode lhe dizer, se Mike tem aversão à violência mas quer que Joe morra, e contrata Sally para puxar o gatilho, Mike é culpado do assassinato ainda assim. O fato de pagarmos outras pessoas para imporem o sofrimento e a morte aos animais não nos livra da complicação moral, assim como não nos livraria da complicação legal.
Também não funciona dizer que comer animais é uma tradição. A rinha de animais também é uma tradição. E por falar nisso, também são tradições o sexismo, o racismo e praticamente qualquer outra forma de discriminação. A tradição, como o prazer, é uma razão inadequada para impor dano a qualquer um.
Mas somos uma sociedade “humanitária”, não?
Então qual é o problema? Por que continuamos a participar da imposição de sofrimento e morte a bilhões de animais, quando não temos nenhuma boa razão para fazer isso?
Boa parte da resposta é que, como queremos continuar consumindo produtos animais, nós nos iludimos com o pensamento de que a solução do problema moral não requer que paremos de comer animais; ela requer apenas que tratemos e matemos os animais de um modo “humanitário”.
Esse ponto de vista data de uns 200 anos atrás, quando reformadores sociais britânicos, tais como o filósofo e advogado Jeremy Bentham, argumentaram que nossas obrigações morais para com os animais não dependiam de eles serem ou não racionais, capazes de falar, ou dotados de outras características “especiais” que consideramos exclusivas dos humanos. Em vez disso, a única coisa que importava era que os animais fossem capazes de sofrer, e ninguém — com a possível exceção de Descartes — duvidava que os animais fossem sencientes, ou perceptivamente conscientes, e pudessem, de fato, sofrer. Bentham argumentou que, devido ao fato de os animais serem capazes de sofrer, tínhamos uma obrigação direta para com os animais de dar peso moral a esse sofrimento.
Sem dúvida, Bentham sabia que os animais que usávamos para comida sofriam muito. No entanto, ele não defendeu que parássemos de comer animais. Por que não? Porque, segundo Bentham, os animais não são autoconscientes; eles não se importam se os matamos e os comemos, ou se os usamos para leite, ovos, etc. Eles só se importam com o modo como os tratamos enquanto estão vivos, e com o modo como os matamos quando chega a hora, então não era necessário parar de usar animais; era necessário apenas tratá-los razoavelmente bem.
E assim nasceu o movimento pelo bem-estar animal, cuja premissa central é que é moralmente aceitável usarmos animais, contanto que os tratemos de modo “humanitário” e não lhes imponhamos sofrimento “desnecessário”. Esse sentimento moral logo encontrou expressão em leis anticrueldade nos dois lados do Atlântico e, eventualmente, em muitas partes do mundo.
E a maioria de nós está presa nesse paradigma do século 19: reconhecemos que nosso uso de animais suscita profundos problemas morais, mas nos confortamos com o pensamento de que os tratamos de modo “humanitário” e portanto nosso uso de animais é moralmente aceitável.
Existem, entretanto, ao menos dois sérios problemas com essa visão.
Tratamento “humanitário”: torturando amavelmente os animais
O primeiro problema é que a abordagem do bem-estar animal simplesmente não funciona em termos práticos. Dada a realidade econômica, ela não pode funcionar.
Os animais são propriedade. Eles são coisas. E todo o sentido de ser uma coisa é que você não tem um valor inerente ou intrínseco. Os animais são bens econômicos, são mercadorias; eles têm um valor de mercado. A propriedade animal é, evidentemente, diferente das outras coisas que possuímos pois os animais, ao contrário dos carros, computadores, máquinas ou outras mercadorias, são sencientes e têm interesses. Todo ser senciente tem interesse em não sofrer dor ou outras privações, e em satisfazer os interesses peculiares à sua espécie. Mas custa dinheiro proteger os interesses dos animais. De um modo geral, só gastamos dinheiro para proteger os interesses dos animais quando isso se justifica em termos econômicos — apenas quando obtemos um benefício econômico fazendo isso.
Considerem a Humane Slaughter Act [Lei do abate humanitário] nos Estados Unidos, promulgada originalmente em 1958, que requer que os animais de grande porte destinados ao abate para produzir comida sejam atordoados e estejam inconscientes ao ser acorrentados, pendurados e levados à sala de abate. Essa lei protege os interesses que os animais têm no momento do abate, mas faz isso, em grande parte, porque é economicamente vantajoso fazer. Os animais de grande porte que estão conscientes quando pendurados de cabeça para baixo e agitados ao ser mortos vão machucar os empregados do matadouro e incorrer em um dispendioso dano à carcaça. Portanto, atordoar os animais de grande porte faz muito sentido em termos econômicos. Esses animais têm muitos outros interesses durante todas as suas vidas, incluindo o interesse em evitar a dor e o sofrimento em muitos outros momentos fora o do abate, mas esses interesses não são protegidos porque não é economicamente eficiente fazer isso.
Virtualmente todas as leis de bem-estar animal se encaixam nesse paradigma. Elas protegem interesses selecionados de animais, e o efeito de proteger esses interesses é tornar o processo de produção mais eficiente.
As leis anticrueldade supostamente requerem um tratamento “humanitário”, mas, em geral, ou elas explicitamente isentam o que se considera como práticas “normais” ou “costumeiras” do uso institucionalizado de animais, ou, se as práticas não forem isentas, os tribunais interpretam como “necessários” e “humanitários” o sofrimento e a dor que são impostos conforme essas práticas. Isto é, a lei delega à indústria o estabelecimento dos padrões de cuidado “humanitário”. Essa deferência é baseada na assunção de que quem produz produtos animais — dos criadores aos fazendeiros aos operadores de matadouros — não vai impor mais dano aos animais do que se requer para produzir aquele determinado produto, assim como o proprietário racional de um carro não pegaria um martelo para danificar seu veículo sem razão.
O resultado é que o nível de proteção dos interesses dos animais está ligado ao que se requer para explorar os animais de um modo economicamente eficiente. Os padrões de bem-estar animal geralmente aumentam a eficiência da produção, e não a diminuem pois somente protegemos aqueles interesses que produzem benefícios econômicos.
Os padrões de bem-estar animal, na realidade, caíram dramaticamente nas últimas décadas. Estamos usando mais animais hoje, e o tratamento que estamos lhes dando está pior do que em qualquer época da história. A fazenda familiar idílica — onde, aliás, havia muita dor e muito sofrimento — desapareceu e deu lugar à criação intensiva — “fazendas (ou granjas) industriais” — onde vacas, porcos, galinhas e peixes ficam confinados em lugares superlotados e são submetidos a graves mutilações, e geralmente levam vidas miseráveis desde o momento em que nascem até o momento em que morrem.
Mas o movimento pelos “direitos animais”, em vez de focar no simples fato moral de que usar animais para comida é inconsistente com o que dizemos acreditar sobre nossas obrigações morais para com os animais, adotou entusiasticamente a posição de Bentham de que os animais não se importam com o fato de que os usamos, mas apenas com o modo como os usamos, e que a solução é simplesmente melhorar os padrões de bem-estar animal.
O filósofo australiano Peter Singer, autor do Libertação Animal e considerado por muitos o “pai do movimento pelos direitos animais”, é também o patriarca de outro movimento: o movimento pela carne e outros produtos animais “felizes”. Singer, como Bentham, afirma que a maioria dos animais não tem interesse em continuar a viver e que é moralmente aceitável matá-los, contanto que façamos isso de um modo relativamente indolor. Singer critica as fazendas industriais, e argumenta que devemos melhorar os padrões do bem-estar a fim de criar animais de um modo razoavelmente agradável e de matá-los de um modo relativamente indolor.
Escritores famosos, tais como Jonathan Safran Foer, Michael Pollan e um interminável desfile de celebridades e ambientalistas, juntam-se a Singer na condenação das fazendas industriais, e no apelo por jaulas maiores, criação de animais “soltos” e aquilo que constitui, no grande esquema das coisas, modificações menores de um processo dos mais horripilantes.
Organizações grandes de proteção animal promovem diversos selos de carne “feliz”, que supostamente garantem que os animais cujos corpos ou produtos estiverem portando determinado selo tenham sido mais bem tratados. Essas organizações de “defesa” animal formam parcerias com grandes usuários institucionais de animais e fazem campanhas para submeter a votação iniciativas que requerem que, em algum ponto de um futuro distante, os animais ganhem um pedacinho extra de espaço em suas prisões superlotadas, ou recebam algum outro suposto benefício em termos de bem-estar que, em muitos casos, na realidade resultarão em um benefício econômico para os produtores.
Mas ninguém está enganando ninguém aqui. Mesmo os animais criados do modo mais “humanitário” possível são tratados e mortos em circunstâncias que constituiriam tortura se os seres usados fossem humanos. Os padrões exigidos para conseguir certificações “felizes” são insignificantes; são análogos a exigir estofamento em pranchas de simulação de afogamento na baía de Guantánamo, ou paredes lindamente pintadas ou música agradável em uma câmara de tortura. Há muito pouca diferença entre os ovos convencionais de galinhas criadas em gaiolas de bateria e os ovos de galinhas criadas “soltas”, onde milhares de aves são, com efeito, espremidas umas contra as outras em uma grande gaiola. E já se descobriu que empresas que estão certificadas para usar ao menos um selo “feliz” têm violado até mesmo esses padrões mínimos de certificação.
Toda essa conversa sobre produtos animais “felizes” se trata de nós; trata-se de nos deixar mais tranquilos quanto a fazermos algo que está nos importunando. Trata-se de evitar que nós tenhamos de reconhecer que somos todos Michael Vick. Mas não tem, realmente, nada a ver com os animais. Eles continuam a sofrer horrivelmente, independentemente de que selo “feliz” seja colado sobre seus corpos ou sobre os produtos que fazemos a partir deles. A alegação de Singer e outros defensores dos animais de que é moralmente aceitável consumir carnes, ovos ou laticínios “felizes” é o equivalente moderno da venda de indulgências.
Sem dúvida, é possível, em teoria, que todos nós estejamos dispostos a pagar muito mais por produtos animais e os padrões possam melhorar quanto a aspectos significativos. Mas isso é só teoria. Muito poucas pessoas poderiam comprar produtos animais produzidos de um modo que aumentasse significativamente a proteção aos interesses dos animais. E é provável que qualquer um que se importasse o bastante para pagar esse custo significativamente mais alto se importaria o bastante para não comer nenhum produto animal.
Além do mais, dada a realidade econômica e as regras do “livre” comércio, mesmo se os padrões de bem-estar fossem significativamente elevados em um lugar, a demanda por produtos de preço mais baixo, de menor nível de bem-estar, forçaria os produtores de bem-estar mais elevado à falência, exceto, talvez, para servirem a um mercado de nicho muito pequeno e afluente.
A realidade é que enquanto os animais forem propriedade, os padrões de bem-estar permanecerão necessariamente muito baixos. E enquanto continuarmos com nosso uso institucional de animais para comida, eles devem permanecer como propriedade.
Comer gente com amnésia
O segundo problema com a posição do bem-estar animal é que ela se apoia numa noção que todos nós imediatamente reconheceríamos como completamente maluca se não estivéssemos tão empenhados em continuar comendo animais: a de que os animais não se importam com suas vidas; de que eles não têm interesse em continuar a viver, mas têm apenas interesse em não sofrer.
Por que Bentham pensou uma coisa tão tola há 200 anos? Por que Singer e tantos de nós pensam isso agora?
Parte da nossa sabedoria convencional sobre os animais é que eles ocupam um “presente eterno”, que eles não têm memórias do passado nem pensamentos sobre o futuro. Eles não planejam férias, não pensam que filme ver neste final de semana, nem em que restaurante comer (ou ser comidos) hoje à noite.
Qualquer um que já tenha vivido com animais certamente reconhece que essa posição está factualmente errada. Minha companheira e eu vivemos com cinco cães resgatados, e a noção de que eles não são autoconscientes e não têm memórias nem desejos de futuro é tão absurda quanto a noção de que eles não têm rabos. Tudo que você precisa fazer é observá-los. Não há simplesmente nenhum modo de explicar o comportamento deles sem lhes atribuir algum sentido de autoconsciência.
Mas não fiquemos presos nesse atoleiro que é determinar a natureza das mentes dos animais. Já que somos os únicos animais que usam comunicação simbólica, provavelmente nunca entenderemos de verdade o que é ser um morcego, uma galinha, uma vaca ou qualquer outro animal. Vamos supor que Bentham, Singer e todos os demais estejam certos: os animais são perceptivamente conscientes e podem sofrer, mas vivem em um “presente eterno”.
E daí?
Certos humanos têm uma forma de amnésia em que eles têm um sentido de si mesmo apenas no presente. Eles não têm memórias e não pensam sobre o futuro. Essa condição é moralmente relevante? Pode ser. Podemos não escolher essa pessoa para ser professora de história. Mas iríamos dizer que essa pessoa não tem nenhum interesse em continuar viva e que a morte não é um dano para ela? Claro que não iríamos.
Então por que dizemos isso sobre os animais? A resposta curta: porque queremos continuar comendo corpos de animais e produtos de origem animal, e não temos nenhum interesse em comer humanos com amnésia. Dizemos a nós mesmos que a morte não é um dano e que o truque é fazer tudo de modo “humanitário”. Mas não podemos fazer nada disso “de modo humanitário” e, em todo caso, a morte é um dano que não devemos impor — por mais “humanitários” que sejam nosso tratamento dos animais e nosso método de execução — se não tivermos uma boa razão.
Prazer não é uma boa razão. É por isso que ficamos bravos com Michael Vick. E é por isso que está na hora de irmos além de toda aquela propaganda dos “criados soltos” e dos produtos animais “felizes”, e enxergar que simplesmente não podemos justificar o uso de animais para comida.
Por um lado, essa é uma conclusão muito radical. Por outro, não é radical em absoluto; ela flui de ideias morais que todos nós já dizemos aceitar. O que é notável é que nós, que pertencemos a uma espécie que se orgulha de sua racionalidade, tenhamos permitido que o desejo de comer produtos animais nublasse nosso julgamento, ao ponto de podermos criticar — e até odiar — Michael Vick, e não vermos que ele realmente não difere do resto de nós.
O caso Vick evidentemente não responde questões sobre a moralidade do uso de animais quando a razão para esse uso não é meramente o prazer, a diversão ou a conveniência. Mas a única coisa que cai nessa categoria é o uso de animais nos experimentos designados a encontrar curas para doenças humanas graves. Embora eu rejeite totalmente qualquer uso de animais na vivissecção, esse problema pelo menos apresenta uma questão (um pouquinho) mais complicada. Mas todos os nossos usos de animais, inclusive o uso para comida, que é o mais significativo em termos numéricos, são, assim como o uso de cães para rinhas de Vick, transparentemente frívolos.
Gary L. Francione é Distinguished Professor de Direito e o Nicholas deB. Katzenbach Scholar de Direito e Filosofia na Rutgers University School of Law em Newark, New Jersey. Seus livros incluem The Animal Rights Debate: Abolition or Regulation? (2011) e Animals as Persons: Essays on the Abolition of Animal Exploitation (2008), ambos publicados pela Columbia University Press.
© 2011 by Gary L. Francione
Tradução: Regina Rheda
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