sexta-feira, 24 de setembro de 2010

A reação do grupo VIVA! e a minha resposta

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 22 de setembro de 2010

Caros(as) colegas:
Postei um texto sobre as observações do grupo VIVA! conforme divulgadas no Sunday Mail (um jornal britânico), a respeito da venda, no Reino Unido, de carne de animais abatidos de acordo com o método halal.
Uma “Resposta do VIVA!” foi postada no Opposing Views, onde meu texto foi republicado:
Resposta do Viva!
Gary, talvez você se interesse em saber que o Daily Mail não falou com o Viva!. O que eles fizeram foi citar um trecho do nosso website. Está provado que o abate ritual sem atordoamento prévio é mais cruel, mas nós somos contra todos os tipos de abate. É claro que não existe abate humanitário.
Nós tentamos, em todas as oportunidades, promover o veganismo como a escolha mais ética para proteger os animais. No entanto, você tem de entender que a mídia tem sua própria agenda. Se tivéssemos falado com o Daily Mail quando a matéria estava sendo feita (falamos com eles desde então), poderíamos ter promovido o veganismo até ficar roxos. Eles vão publicar o que quiserem publicar. Por favor, tenha isso em mente, antes de nos criticar ou criticar outros grupos futuramente. Agradecemos.
- Justin Kerswell. 21 de setembro de 2010, 11:06H
Eu confirmei que essa resposta era, de fato, do VIVA!
Eis a minha resposta:
Caro Justin:
Obrigado por sua resposta. Infelizmente, ela não aborda as minhas preocupações, exceto para reforçá-las.
A islamofobia e o abate halal
Supondo que o que você diz é verdadeiro (e eu acredito que seja), e que o Sunday Mail não falou com o VIVA! e citou um trecho do website desse grupo, então a questão na realidade é mais séria, pois as observações xenófobas atribuídas ao VIVA! não podem ser caracterizadas como uma declaração deslocada de seu contexto original, mas representam uma considerada declaração de política desse grupo. À luz da desenfreada islamofobia no Reino Unido (e outros lugares), talvez seja uma boa ideia remover essa declaração de seu website. Não é benéfico dizer que o VIVA! apoia o multiculturalismo, quando faz observações como essas, particularmente dado que ambos sabemos que os animais que são atordoados são, frequentemente se não rotineiramente, atordoados de maneira inadequada. Então estou confuso quanto a por que vocês pensam que é útil fazer uma distinção entre o abate halal e o abate convencional.
Além do mais, a declaração atribuída ao VIVA!, que você não desmente (“Os consumidores podem fazer sua parte, boicotando os lugares que insistem em vender carne de animais não atordoados”) passa uma mensagem clara e explícita de que o problema é o abate halal (ou kosher) e que a solução é boicotar a carne de animais não atordoados. Uma declaração muito melhor teria sido: “Os consumidores que se importam com essas questões precisam considerar se deveriam estar consumindo qualquer produto animal que seja, porque todos os produtos animais são o resultado da tortura e da matança injustificável de animais não humanos”. Como digo, o VIVA! perdeu uma oportunidade de educar, aí. De novo: dado que, frequentemente, os animais atordoados não são de fato atordoados, a distinção que vocês fazem fracassa em seus próprios termos, e não apenas em termos do contexto mais amplo de que o problema é o uso de animais, e não um determinado tratamento dado aos animais nem a exploração animal praticada por um determinado grupo de pessoas.
VIVA! e o veganismo
Sua afirmação “Nós tentamos, em todas as oportunidades, promover o veganismo como a escolha mais ética para proteger os animais” simplesmente não está correta.
O fato é que o VIVA! promove ativamente o vegetarianismo em seus websites (já que o VIVA! tem sucursais em diferentes países) como uma alternativa moralmente coerente a ser onívoro, e caracteriza o veganismo como uma coisa opcional que as pessoas podem fazer se escolherem ir mais longe. Até onde o VIVA! distingue a carne dos outros produtos animais, o grupo perpetua a ideia de que há uma distinção moralmente coerente entre eles, e ambos sabemos que isso é um absurdo. Os laticínios e os outros produtos que não a carne são responsáveis por tanto sofrimento quanto a carne, se não por mais sofrimento ainda, e todos os produtos animais, seja como for sua produção, são o resultado da morte de animais. Promover o vegetarianismo em vez do veganismo não difere, logicamente, de promover o consumo de carne de vaca malhada em vez de carne de vaca marrom. O raciocínio empregado pelo VIVA! é precisamente o mesmo que tem sido usado para apoiar as campanhas a favor de coisas como não comer vitela. Não há nenhuma diferença entre a vitela e a carne dos outros animais, nem entre a carne e os outros produtos animais.
O website do VIVA! do Reino Unido vende livros que contêm receitas com produtos animais e tem anúncios de restaurantes/pousadas que servem produtos animais. Como vocês podem dizer “Nós tentamos, em todas as oportunidades, promover o veganismo”, quando vocês vendem livros com receitas contendo produtos animais e promovem lugares que servem produtos animais? Esta é uma pergunta retórica. Ao promover esses livros e empreendimentos comerciais, vocês estão declarando claramente ao público que há uma distinção entre a carne e os outros produtos animais.
O grupo VIVA! não apenas promove a noção de que o vegetarianismo é uma alternativa coerente a ser onívoro, como também perpetua o absurdo de que tornar-se vegano é difícil ou “intimidador” (palavra usada pelo VIVA! conforme aparece num comentário do próprio grupo em seu site no Facebook) e que o vegetarianismo é um tipo de porta de entrada. Essa postura apenas reforça a propaganda de que o veganismo é uma posição extrema que só pode ser alcançada por pessoas hercúleas. É precisamente esse tipo de postura que faz o público desconsiderar o veganismo e contribui para a existência do grande número de pessoas “ligadas à causa animal” que nunca viraram veganas. Se temos a clareza de que o veganismo é a base moral, então devemos declarar isso, e as pessoas que ainda não estiverem preparadas para tornar-se veganas escolherão dar algum tipo de passo provisório, mas pelo menos a mensagem será clara.
Se o VIVA! realmente promove o veganismo, por que declara em seu website que  “Viva! se opõe a todo tipo de abate e promove o vegetarianismo como o único modo verdadeiramente efetivo de prevenir o sofrimento animal”? Nós não vamos cessar o sofrimento sendo meros vegetarianos. Se o veganismo é realmente a sua agenda, e não uma mudança opcional (e “intimidadora”) de estilo de vida, por que vocês fazem essas declarações que meramente confundem as pessoas? Da forma que as coisas estão agora, qualquer leitor dos websites do VIVA! ficaria com a impressão de que o vegetarianismo é uma posição moral perfeitamente OK; de que a carne é “pior” do que os laticínios; e de que o veganismo é uma opção – e uma opção difícil e “intimidadora” –  mas não uma base moral. Quantos membros do VIVA! são clientes dos restaurantes/pousadas que vocês anunciam em seu site, e consomem leite e queijo nesses lugares? Quantos membros do VIVA! compraram livros de receita não veganos do VIVA! e prepararam refeições com produtos animais?
Quem realmente busca a abolição da exploração animal deveria parar de participar da propaganda “o veganismo é tããããão difícil” e deveria rejeitar a noção do vegetarianismo (ou outras campanhas de um só tema) como uma “porta de entrada” para o veganismo. (Para mais sobre este tema, por favor ouçam meu Comentário e leiam meu texto complementar, meu texto geral sobre os argumentos da “porta de entrada” e meu texto “Vegetarianism First?”, que foi publicado na The Vegan).
Finalmente, seus sites enfatizam a criação intensiva industrial como sendo o problema, como se a questão fosse como esses produtos são feitos e não que eles são feitos. Isso contribui para a confusão do público sobre esses temas e reforça a noção de que a questão é o tratamento e não o uso.
Meus pedidos ao VIVA!
1. Em suma, permaneço preocupado com o fato de que, particularmente no clima atual, seus comentários sobre o abate halal são islamofóbicos, e peço que esclareçam essas declarações em seu website para deixarem claro que o problema não é o abate halal mas todo e qualquer uso de animais. Peço que ponham toda exploração no mesmo barco e não designem um barco separado para os islâmicos (ou os judeus).
2. Peço que, se o veganismo for sua verdadeira agenda, assumam e digam isso abertamente, e parem de perpetuar a fantasia de que a carne é, de algum modo, “pior” do que os laticínios ou os outros produtos.
3. Peço que o VIVA! pare de caracterizar o veganismo como uma coisa difícil ou intimidadora. Não é. Na realidade, o veganismo é muito fácil e, hoje em dia, as pessoas podem encontrar alternativas veganas para praticamente qualquer tipo de comida de origem animal que elas apreciarem. Que tal o VIVA! fazer uma campanha “O veganismo é fácil”?
Eu reitero: se vocês promoverem claramente o veganismo como a base moral, pode ser que as pessoas que estão preocupadas com essa questão escolham fazer menos do que ser veganas, mas pelo menos elas não poderão apontar para o VIVA! e alegar, corretamente, que vocês colocaram um selo de aprovação na escolha de continuar consumindo produtos de origem animal "menos maus".
4. Peço ao VIVA! que, por favor, pare de vender livros de receitas que promovem o uso de produtos animais e pare de anunciar restaurantes/pousadas que servem produtos animais.
Obrigado.
Gary
Gary L. Francione
- Professor, Rutgers University


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Pós-escrito de 26 de setembro de 2010:
Em uma resposta adicional do grupo Viva! que foi postada no Opposing Views, o VIVA! declara:
Em todas as instâncias, nossa definição de vegetariano é vegano – tanto que promovemos o veganismo como a mais ética de todas as dietas, mas reconhecemos que as pessoas chegam lá em seu próprio ritmo.
Essa asserção é factualmente incorreta. O material e os websites do Viva! fazem constante e consistentemente uma distinção entre “vegetariano” e “vegano”. O Viva! não define “vegetariano” como “vegano”.
Além do mais, se o Viva! quer promover o veganismo, não há necessidade de fazer confusão linguística – simplesmente use “vegano”.
E conforme declarei acima, podemos reconhecer que as pessoas “chegarão lá em seu próprio ritmo”, mas não podemos aceitar que esse “lá” seja menos do que o veganismo. No presente momento, o Viva! está passando a mensagem de que existe uma distinção moralmente coerente entre a carne e os outros produtos animais. Não existe.
Finalmente, vejo que, até agora, o Viva! continua vendendo livro de culinária que tem receitas não veganas e continua promovendo restaurantes/pousadas que servem comida não vegana. Isso diz muito.
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© 2010 Gary L. Francione
Tradução: Regina Rheda