terça-feira, 28 de setembro de 2010

Bem-estar animal, ação direta militante, mantras e fé cega

Postado por Gary L. Francione em seu blog em 26 de setembro de 2010

Caros(as) colegas:
Muitos de vocês expressam frustração pelo fato de que, quando tentam levar uma discussão com outros defensores dos animais sobre o tema abolição vs. regulamentação, ou o tema educação vegana não violenta vs. ação direta militante, vocês descobrem que os defensores das reformas bem-estaristas ou da violência não têm nada de substancial a dizer.
A explicação para isso é que a crença nas reformas do bem-estar ou na violência não se baseia na razão; baseia-se na fé cega, que é parecida com a mentalidade de culto. Com respeito aos bem-estaristas, você pode apresentar uma argumentação cuidadosamente razoada para mostrar que o bem-estar não funciona e, por causa de fatores econômicos, não pode funcionar. Você pode mostrar como as reformas do bem-estar fracassaram historicamente. Você pode mostrar como as campanhas do bem-estar contemporâneas são profundamente falhas sob todos os aspectos. Você pode apresentar uma análise razoada.
Os bem-estaristas não têm absolutamente nada a dizer em resposta, exceto repetir o mantra: “mas nós temos de fazer alguma coisa agora para ajudar os animais”. Você pode responder que, em termos factuais, as reformas do bem-estar não ajudam os animais “agora”, e você pode mostrar empiricamente como é isso mesmo que acontece. Você pode mostrar como, historicamente, a reforma bem-estarista fez e continua fazendo o público se sentir mais à vontade quanto à exploração animal. A resposta deles é simplesmente outro mantra: “você está sendo divisionista”. Isso se traduz como: “nós não temos nada a dizer em resposta, então cale a boca e apoie o bem-estar porque seu questionamento está interferindo com a nossa arrecadação de fundos”. Ou eles dizem: “você está sendo negativo”. Tradução: “você discorda do bem-estarismo e da exploração ‘feliz’, portanto você deve estar errado”.
Você pode apresentar os argumentos a favor do veganismo como base moral, ou os argumentos contra as campanhas de um só tema. Os bem-estaristas não respondem com uma análise razoada. Eles simplesmente reafirmam a distinção arbitrária entre a carne e os outros produtos animais; eles simplesmente reafirmam que a pele é diferente da lã ou do couro. Eles proferem mantras como “mas muitos de nós foram vegetarianos antes de virar veganos”. E daí? A maioria dos defensores dos animais esteve envolvida com organizações bem-estaristas que continuamente pintam o veganismo como difícil ou intimidador e apresentam o vegetarianismo como uma posição moral coerente. É de admirar que muitos veganos foram vegetarianos primeiro? E isso tem relevância para determinar se, em termos de princípios fundamentais, o veganismo deve ser a base moral? Não, é claro que não.
Outro mantra bem-estarista muito estimado é “guarde suas críticas para os exploradores”. Mas a ideologia bem-estarista, incluindo a promoção da carne “feliz” e dos produtos animais “humanitários”, é exploração. Portanto o mantra nem chega a entrar no debate; ele simplesmente nega, sem qualquer substância, que o bem-estarismo e a exploração “feliz” sejam exploração.
O razoamento não tem lugar onde a moeda corrente é a fé cega e onde qualquer análise critica é considerada uma heresia. Ainda bem que ser queimado vivo na estaca não é mais permitido, senão os altos sacerdotes do bem-estar animal estariam engajados numa inquisição moderna.
Aqueles que promovem a violência também se comportam de modo parecido, como num culto. Eles proferem incessantemente o mantra “devemos usar de violência contra os exploradores”. Fora as questões morais e filosóficas suscitadas pela violência em geral, você pode lhes explicar, em termos práticos, que os reais exploradores são aqueles que criam a demanda por produtos animais, em primeiro lugar. Os exploradores institucionais certamente são culpáveis também, mas eles estão respondendo a uma demanda do público por produtos animais. É como contratar um matador de aluguel; os exploradores institucionais praticam a matança, mas aqueles que consomem os produtos animais e geram a demanda estão, efetivamente, contratando os matadores institucionais para praticarem aquela matança. Na lei penal, tanto quem contrata o matador quanto o matador são culpados pelo crime, e qualquer pessoa capaz de pensar com clareza pode entender por que ambos são igualmente culpáveis, conforme a lei.
Você pode chamar a atenção das pessoas que apoiam a violência para o fato de que se dez matadouros forem fechados por causa de uma ação direta hoje, outros dez surgirão amanhã, ou dez já existentes aumentarão sua capacidade de produção desde que a demanda continue a mesma. Você pode observar que eles, os apoiadores da ação direta militante, são exploradores, pois muitos deles nem ao menos são veganos. Você pode observar que os defensores da violência, que frequentemente são também defensores das reformas do bem-estar animal, não conseguem entender que aqueles que promovem a carne “feliz” e a exploração “humanitária” estão promovendo a exploração.
A resposta? Eles simplesmente reafirmam seu mantra de que a violência é necessária. Nenhum razoamento; nenhuma análise crítica. Eles não oferecem nada além da asserção de slogans que não significam nada, normalmente em voz alta e quase sempre acompanhados de chavões e xingamentos infantis.
Então, se você sente frustração ao lidar com bem-estaristas ou com apoiadores da violência, entenda que você não está lidando com a razão. Você está lidando com a fé cega. Você está lidando com a mentalidade de culto. Infelizmente, você não pode ter uma discussão razoada com muitas dessas pessoas porque razoamento e razões simplesmente não importam para elas, nem informam o que elas pensam. A reação usual dessas pessoas a argumentos substantivos, aos quais elas não são capazes de responder, é dizer slogans sem significado ou fazer um ataque pessoal de uma forma ou de outra.
O principal é que os argumentos lógicos e a evidência empírica são claros: o bem-estar animal não funciona, e promover a violência para tratar da questão da exploração animal demonstra uma completa ignorância dos mecanismos culturais e da realidade econômica dessa exploração.
A exploração animal está em toda parte. Há somente um meio de ela mudar um dia: se nós desviarmos o paradigma dos animais como coisas, como propriedade, e o direcionarmos para os animais como pessoas não humanas que são reais membros da comunidade moral. Isso não vai acontecer de nenhum modo significativo enquanto os animais ainda estiverem em nossos pratos e nossas mesas, ou sobre nossos corpos, ou em nossos pés, ou nos produtos que usamos. Precisamos dizer “não” à exploração animal em nossas próprias vidas e precisamos conscientizar os outros por meio da educação vegana não violenta e criativa.
Se você não for vegano(a), torne-se vegano(a). É muito fácil, melhor para a saúde e o planeta. E o mais importante de tudo é que é a coisa moralmente certa e justa a fazer.
Se você for vegano(a), então eduque os outros de um modo criativo e não violento.

Gary L. Francione
© 2010 Gary L. Francione
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Tradução: Regina Rheda